Movimento agroecológico marcou presença no evento, que é considerado a maior ação política de mulheres do campo, das águas e das florestas da América Latina. A atividade ocorreu em Brasília e contou com delegações de diversos movimentos sindicais e sociais
A implantação de uma política de incentivo para a criação de 90 mil quintais produtivos até 2026 e a destinação de R$ 23,5 milhões para assistência técnica em agroecologia foram algumas das conquistas da 7ª Marcha das Margaridas, que ocorreu nos dias 15 e 16 de agosto. Mas, os avanços para o movimento agroecológico vão além dos anúncios feitos pelo governo federal no evento, que teve como lema “Pela reconstrução do Brasil e pelo Bem Viver” e reuniu em Brasília 150 mil mulheres do campo, das florestas, das águas e das cidades.
Os debates e as propostas dos 13 eixos temáticos que compuseram a Marcha também são bandeiras de luta agroecológica, como o fim da violência contra as mulheres e do racismo; a promoção da soberania e da segurança alimentar e nutricional; a defesa da biodiversidade, do acesso à terra e aos territórios, da justiça ambiental e climática; a construção de autonomia econômica das mulheres; a luta pelo direito à saúde e à educação, entre outros.
A Marcha das Margaridas é coordenada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), pelas federações e sindicatos filiados à ela, e por uma ampla rede de organizações e movimentos sociais parceiros, muitos deles integrantes do movimento agroecológico. Aliás, a agroecologia vem se fortalecendo cada vez mais na Marcha. “Em 2015, o Grupo de Trabalho (GT) Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) passou a fazer parte da coordenação nacional ampliada dessa importante expressão política das mulheres do campo, das águas e das florestas. Tem sido muito importante essa contribuição para que a agroecologia venha tendo cada vez mais centralidade na Marcha das Margaridas, fazendo conexões e diálogos entre as diferentes denúncias e anúncios das mulheres desde os seus territórios”, afirma Sarah Luiza, representante do GT Mulheres da ANA na coordenação da Marcha em 2023.
Agroecologia em marcha
Durante a Marcha, o GT Mulheres da ANA realizou a Plenária de Mulheres da Agroecologia, na qual foram marcantes os depoimentos sobre os desafios que elas enfrentam para a produção e a reprodução da vida, na defesa de seus territórios, de violações cometidas pelo agronegócio, pela mineração, dentre outros. “As mulheres são muito importantes na agroecologia. Somos nós que cuidamos da biodiversidade, que procuramos saber o que comer e beber… Não temos nada mais importante na nossa vida do que a Mãe Terra. Então, temos que cuidar dela com amor e carinho para podermos ter a agroecologia na nossa vida”, disse a agricultora de Magé (RJ) Juliana de Medeiros Diniz, mais conhecida como Dona Juju. Nessa mesma linha, Laeticia Jalil, do GT Mulheres da ANA, resumiu: “Sem feminismo não há agroecologia, porque sem mulheres não há agroecologia”.
Já no Seminário Nacional sobre as Cadernetas Agroecológicas, ganharam foco as ações promovidas a partir de uma parceria entre a entre Contag, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a ANA, assim como os aprendizados que as mulheres têm tido ao registrarem sua produção para autoconsumo, geração de renda, troca e doação, o que fortalece a solidariedade nos territórios. “Existem princípios da economia feminista que são fundamentais, porque defendem, exatamente, a economia da existência. As mulheres estão mostrando o quanto é essencial a auto-organização e a autonomia econômica. O autoconsumo é parte da economia, além de dinamizar a vida nas comunidades”, expôs Maria Emília Pacheco, do GT Mulheres e do Núcleo Executivo da ANA.
O Tribunal das Mulheres em Defesa da Autodeterminação dos Povos e da Soberania Alimentar, Hídrica e Energética também reuniu relatos de experiências agroecológicas, além de denúncias sobre opressões que mulheres e suas famílias têm vivido diante da chegada em seus territórios de “empreendimentos baseados em um modelo de desenvolvimento predatório”. Foram inúmeros depoimentos marcantes, dentre eles os que abordaram a contaminação de plantios agroecológicos por agrotóxicos e os impactos nos territórios em decorrência da implantação de parques de energia eólica, como têm denunciado as mulheres do Polo da Borborema (PB).
O combate ao racismo também faz parte do movimento agroecológico, que afirma: “Se tem racismo, não tem agroecologia“. Da mesma maneira, essa luta caminha junto das reivindicações feministas, a exemplo da oficina “O que é ser negra no Brasil?”, que debateu as violências enfrentadas por mulheres negras para garantir o direito de existirem. A Plenária dos Povos “Mulheres da Amazônia pela Justiça Socioambiental e pelo Bem Viver” foi outra atividade que contou com a participação de mulheres que constroem a agroecologia. “Ter Bem Viver é ter justiça ambiental, é poder respirar bem, se alimentar bem, é ter terra e a preservação do seu território”, explicou Ângela de Jesus, presidenta da Federação dos Trabalhadores Rurais da Agricultura Familiar (Fetagri) do Pará.
Até que sejam livres
A Marcha das Margaridas ocorre a cada quatro anos, desde 2000, e tem como inspiração a luta da sindicalista Margarida Alves, assassinada há 40 anos na Paraíba. Como a violência por conflitos agrários segue sendo realidade no país, as mulheres celebraram a criação da Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo e do Plano Emergencial de Reforma Agrária. Essas e outras pautas, formuladas em um processo de diálogos em territórios de todo o país, foram levadas a todos os 37 ministérios, contando com a resposta de 22 deles. Mazé Morais, Secretária de Mulheres da Contag, avalia como positivos os anúncios feitos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que compareceu ao encerramento da Marcha e apresentou um Caderno de Respostas às demandas.
“A gente vai fazer um monitoramento para que de fato esses anúncios saiam do papel e se concretizem na base. Esse é o nosso papel agora”, ela destacou no programa de rádio “A Voz da Contag”. Outro desafio, como afirma Mazé, será o de disputar o orçamento da União, que já está sendo debatido no Congresso Nacional. “Ter um governo que ouça e dialogue com as mulheres do campo, das águas e das florestas é uma conquista, depois de anos de tanta criminalização das nossas lutas e do desmonte das políticas públicas”, completou Sarah Luiza.
Mesmo com avanços, a mobilização das Margaridas demonstra que ainda são muitos os desafios para a efetivação de seus direitos, sendo necessário seguir com suas reivindicações, que estão registradas em documentos, debates, bandeiras ou mesmo nos gritos, evocados durante a caminhada do Parque da Cidade até a Esplanada dos Ministérios. Diante disso, elas reforçaram a importância da ocupação de espaços de participação social e política por mulheres e garantiram que ‘seguirão em marcha’ de Norte a Sul do país, sempre ‘atentas e fortes‘ pela reconstrução do país e pelo Bem Viver, até que todas ‘sejam realmente livres’.
Cobertura: Gilka Resende e Helen Borborema, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).