or Eduardo Sá, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) / Mídia Ninja
O movimento indígena lançou na última Plenária Nacional da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), realizada em julho passado, em Belo Horizonte (MG), o Grupo de Trabalho (GT) de Povos Indígenas para tratar mais fortemente dos temas de interesse das diversas etnias. A proposta foi apresentada por indígenas de diversos estados que participam do movimento. Na ocasião, foi lançada uma carta (leia aqui) explicando em que contexto surge o GT, a perda de direitos dos povos originários, os diversos retrocessos vividos por eles, a fragilidade de várias instituições oficiais que tratam dessa pauta, dentre outros fatores.
Para o ativista ambiental, biólogo, agroecólogo, professor e pesquisador indígena Leosmar Terena, de Dourados (MS), esse é mais um passo importante para ampliar a oportunidade de sistematizar as visões dos povos indígenas sobre diferentes temas da agroecologia. Ele é um dos responsáveis pela organização do GT e destaca a importância de criar condições para o desenvolvimento dos pensamentos sistêmicos indígenas no âmbito da agroecologia.
“É importante compartilharmos a nossa cosmovisão com a sociedade, nossas filosofias, princípios e valores, que vão além do aspecto econômico, ambiental e social. Em muitos casos, há uma ligação interdependente entre dimensões espirituais, sobrenaturais, sociais e ambientais. É um desafio muito grande, mas o acolhimento da ANA nos dá essa oportunidade de dar mais um passo importante na luta agroecológica e dos povos indígenas”, afirmou.
A bióloga e doutoranda em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (Unb), Raquel Tupinambá, residente em Santarém (PA) e coordenadora do Conselho indígena Tupinambá do Baixo Tapajós Amazônia (CITUPI), destacou que a criação do GT busca tratar de pautas dos povos indígenas relacionadas à agroecologia, a produção de alimentos sustentáveis e o modo de vida dos povos nativos. Ela é também agricultora da Associação de Moradores Agroextrativistas e Indígenas do Tapajós (AMPRAVAT) e critica a pressão dos grandes empreendimentos nos seus territórios, sobretudo após as facilidades oferecidas pelo atual governo para produção de grãos, a extração de minérios e a exploração de madeira.
“Isso tem se intensificado com as políticas genocidas. São várias pessoas do grande capital nos nossos territórios. Então, o movimento indígena atuante na agroecologia vê a necessidade de fortalecer esse modo de vida da sustentabilidade no território, fortalecendo outro modo de produção. É muito importante esse diálogo e a construção coletiva de dentro para fora, para que possamos dialogar com os parceiros. Por isso, provocamos a criação desse GT. Precisamos nos articular para esse coletivo pautar no movimento indígena a agroecologia como a gente entende”, explicou Tupinambá.
De acordo com Jairã da Silva Santos, da etnia Tingui Botó, de Alagoas, que participa da Articulação dos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), a ideia do grupo é estabelecer um mecanismo de organicidade dos povos indígenas em torno da bandeira da agroecologia.
“Com os objetivos gerais, além de ampliarmos nossa participação na ANA, pretendemos construir um diálogo mais promissor com a APIB [Articulação dos Povos Indígenas do Brasil], fazendo com que a agenda agroecológica esteja nas primeiras páginas das atividades do movimento indígena. Também almejamos organizarmos o I Encontro Nacional de Agroecologia Indígena durante o 2º AgroEcoIndígena, previsto para junho/2023, no Mato Grosso do Sul”, afirmou.
Integração de lutas
A criação do GT dos Povos Indígenas vem na esteira das discussões para a integração da agroecologia às lutas antirracista, feminista e anticapitalista. Essas pautas ganharam visibilidade durante o IV Encontro Nacional de Agroecologia, realizado em 2018, em Belo Horizonte (MG), e se intensificaram, recentemente, com a realização do I Encontro Nacional de Mulheres Negras, Indígenas e Quilombolas da Agroecologia.
Organizado pelo GT Mulheres da ANA em parceria com a Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama), o Encontro aconteceu em junho, em São José do Ribamar (MA), e reuniu 109 mulheres, entre indígenas, quilombolas, mulheres de terreiro, agricultoras e técnicas agroecológicas, agroextrativistas, ribeirinhas, agricultoras urbanas e mulheres do movimento negro.
Um dos resultados do Encontro foi a publicação da Carta Política, que, entre outros pontos, denuncia as perdas de direitos que a população brasileira vem passando desde o golpe de 2016, e como “a necropolítica do atual governo tem resultado no desmonte de política públicas, carestia, epistemicídios dos saberes tradicionais, africanos e indígenas, perseguições às religiões de matriz africana e nos genocídios das populações negras e dos povos indígenas”.
Para enfrentar essa realidade, as participantes do Encontro defendem a candidatura de mulheres negras, indígenas e quilombolas nas Eleições 2022 e o aumento do número de mulheres em espaços de participação social. “Somos sujeitos políticos e lutamos cotidianamente pelo reconhecimento de outras formas e regras de fazer e viver a política”, reivindicam as mulheres no texto da carta.
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