Grupo de Trabalho (GT) Biodiversidade da ANA lança documento com 39 propostas para a construção de políticas sobre a agrosociobiodiversidade

As Eleições 2022 são uma oportunidade para reforçar o combate à fome, fortalecer a agroecologia, preservar a biodiversidade, enfim, defender a vida frente a projetos políticos de morte. Com esse entendimento, o Grupo de Trabalho (GT) Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) promoveu o evento online “Agroecologia nas Eleições: Biodiversidade em Debate”¹, que reuniu mais de 100 pessoas na noite da última segunda-feira (15). Na ocasião, propostas em favor da agroecologia e da biodiversidade chegaram às mãos de representantes de fundações partidárias progressistas, que se comprometeram em levar as demandas às plataformas políticas de seus partidos.

Os debates se deram a partir da Carta-Compromisso da campanha Agroecologia nas Eleições 2022², processo coletivo e popular de incidência política proposto pela ANA em todo o país, e do documento “Biodiversidade em debate: diretrizes para a construção de políticas para a agrosociobiodiversidade”³, lançado pelo GT Biodiversidade no evento. Integrantes da Fundação Perseu Abramo (PT), da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco (Psol), da Fundação Maurício Grabois (PCdoB) e da Fundação Rede Brasil Sustentável (Rede) participaram da atividade. A Fundação João Mangabeira (PSB), a Fundação Herbert Daniel (PV) e a Fundação Leonel Brizola Alberto Pasqualini (PDT) demonstraram interesse pelas reivindicações, porém não compareceram ao debate. 

Mais de 100 pessoas participaram do evento.

Maitê Maronhas, do GT Biodiversidade da ANA, explicou o critério para escolha das Fundações convidadas: “A referência foi o Ruralômetro, que mostra como é a atuação dos partidos em relação às pautas socioambientais”. Ela se refere à ferramenta criada pela Repórter Brasil para avaliar a atuação parlamentar ao medir a “febre ruralista” no país. Ou seja, as fundações convidadas representam os partidos que melhor atuaram em temas como “meio ambiente, indígenas e trabalho rural”.

Acúmulo político de 20 anos

“As convergências políticas expressas na Carta-Compromisso Agroecologia nas Eleições 2022, que está aberta a adesões de candidatas e candidatos, vêm sendo debatidas e também praticadas no decorrer de 20 anos de vigência da ANA. Entendemos que associada a essas demandas está a incondicional defesa do Estado Democrático de Direito, que supõe também reconhecer o papel ativo de movimentos sociais e organizações da sociedade civil na expressão pública de defesa e afirmação de uma perspectiva agroecológica”, resumiu Maria Emília Pacheco, do Núcleo Executivo da ANA.

Maria Emília Pacheco, do Núcleo Executivo da ANA.

Ela chamou atenção ainda para o cenário de fome pelo qual passa o país e disse que as propostas da ANA estão na contracorrente do que tem representado o agronegócio. “A proposta da agroecologia vem, conjugada com a da soberania e da segurança alimentar e nutricional, propor mudanças nos sistemas alimentares. A efetivação do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável significa o respeito às culturas alimentares e à rica biodiversidade, devendo ser o objetivo primeiro da organização econômica e também prioridade do Estado”, disse Maria Emília, que também integra a organização FASE. 

Nessa mesma linha, Gabriel Fernandes, do GT Biodiversidade da ANA, reforçou: “A ANA é um espaço de confluência de diferentes bandeiras de luta que encontram na agroecologia uma proposta viável para enfrentar a crise ambiental, a crise climática e a fome, além de construir relações mais justas na sociedade. E o GT Biodiversidade assumiu como missão um papel de identificar, reunir e mobilizar experiências de conservação, manejo e livre uso e acesso à biodiversidade pelos povos”. 

Gabriel Fernandes, do GT Biodiversidade da ANA.

Gabriel destacou ainda que o documento é fruto de um processo de articulação, escuta e de aprendizagem coletiva, reunindo reflexões sobre os valores por um Estado que promova e fortaleça a agrosociobiodiversidade, conceito que não separa de forma alguma a “natureza”, a “agricultura” e os segmentos que mais delas cuidam. “Agricultores e agricultoras familiares, camponesas e camponeses, povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais devem ser reconhecidos e promovidos como os agentes necessários e fundamentais para a proteção, conservação e melhoramento da biodiversidade”, pontuou Gabriel, que também integra a organização mineira Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM). 

O documento do GT Biodiversidade da ANA reúne 39 propostas¹, dentre elas: aprovação de marcos legais por territórios livres de agrotóxicos, transgênicos e outras biotecnologias; revogação de leis que facilitem a grilagem e a privatização de Unidades de Conservação; reconhecimento dos protocolos comunitários bioculturais como instrumentos legítimos de proteção dos conhecimentos tradicionais; e o fortalecimento de feiras, festas, casas e bancos comunitários de sementes crioulas.

Clique para baixar o documento completo.

Biodiversidade não é mercadoria

“A economia verde, que de verde não tem muita coisa, carrega em si a lógica da apropriação privada da natureza. E tudo com o aval do Estado, que muitas vezes caminha de mãos dadas com as grandes corporações”, criticou Philipe Caetano, do Movimento Camponês Popular (MCP). 

Assim como ele, Claudia de Pinho, da Rede de Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil, alertou sobre o risco da chamada bioeconomia, modelo de produção industrial baseado no uso de recursos biológicos. Apesar de pregar a sustentabilidade, ela explicou que tal proposta enxerga a biodiversidade como mercadoria. “Quando falamos em agroecologia estamos falando da continuidade dos povos e comunidades tradicionais nos territórios. Do direito de resistir e existir. Temos outro viés. Não queremos ser só fornecedores de matéria-prima para a indústria”, diferenciou.

Ficou evidente também que a defesa da biodiversidade não pode ser desvinculada das lutas pelo direito à terra e ao território, questão que gera conflitos Brasil afora. “Somos contra todo tipo de racismo e violência. Estamos resistindo há mais de 500 anos. E continuaremos resistindo aos retrocessos. Nosso recado foi dado no ato nacional”, afirmou Nilce Pontes, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), citando o Aquilombar, que reuniu recentemente quilombolas de todo o país em Brasília. 

Nilce Pontes, da Conaq.

Mobilização por mudanças

A derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas eleições deste ano pelo voto popular e eletrônico e a defesa da democracia foram tidas como prioridades, sendo o seu governo nomeado como “tragédia”, “desastre”, “atoleiro civilizacional”, dentre outras classificações. Houve demonstrações de apoio à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), posição também tornada pública pela ANA em sua Plenária Nacional. A participação social na construção de políticas públicas foi considerada um princípio fundamental a ser assumido por todo e qualquer governo democrático. 

Nesse sentido, Lourdes Laureano, da Articulação Pacari Raizeiras do Cerrado, fez um chamado às fundações, partidos e candidaturas: “Quando ouvirem falar em agroecologia e agrosociobiodiversidade pensem que elas que têm, sim, a ver com a gente, que deixa a biodiversidade viva. Mas, pensem também que os benefícios que essas práticas e conhecimentos trazem servem para toda sociedade. Tenham coragem e internalizem as nossas pautas, que são sólidas e construídas coletivamente. As tomem como base”, reivindicou.

Lourdes Laureano, da Articulação Pacari Raizeiras do Cerrado.

“Não queremos ser receptores de políticas, queremos pensar, propor, ajudar na execução, monitoramento e avaliação”, completou Cícero Félix, da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), rede que desenvolve a campanha Não Troque o Seu Voto. A campanha Fazer Política Democraticamente, promovida pela Cáritas, foi outra iniciativa compartilhada no evento. “A política é o meio mais efetivo para mudar a realidade. Precisamos nos mobilizar com esperança e de forma conjunta”, afirmou Daniel Lins, que integra a organização. 

Tiago Amaral, da Fundação Perseu Abramo (PT), se comprometeu em estudar as propostas, informando que está em curso a construção de um Plano Nacional da Sociobiodiversidade. “É um tema caro ao país, mas que ainda não tem capital político entre os mais variados partidos. É primordial aumentar o número de candidaturas que disputam essa agenda”, disse. 

Pedro Ivo, da Fundação Rede Brasil Sustentável (Rede),  disse que também irá socializar os temas entre as candidatas e os candidatos do seu partido e defendeu a “geração de emprego e renda sem a destruição do meio ambiente”. 

Clique para saber mais sobre a campanha “Agroecologia nas Eleições”.

Daniel Angelim, da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco (Psol), ressaltou a representatividade no evento, firmou compromisso em internalizar as pautas no seu partido e se colocou à disposição. Ele classificou o momento como “decisivo para o Brasil” e  salientou a importância dos diálogos promovidos pela sociedade civil organizada a fim de pressionar por gestões mais à esquerda possíveis, tanto no Executivo como no Legislativo. 

Fernando Garcia, da Fundação Maurício Grabois (PCdoB),  falou sobre “o problema que é a correlação de forças no Congresso”. “Precisaremos de muita habilidade e criatividade para nos desviar disso”, analisou. Disse que apresentará as propostas a diferentes instâncias de seu partido e destacou a necessidade de diálogos para além das Eleições 2022. Em consonância, Maitê, do GT Biodiversidade da ANA, explicou que a atual mobilização não representa um começo ou mesmo terá fim. “O período eleitoral é um marco para a gente, mas não abandonaremos nossas pautas nunca”, concluiu.

[1] Texto: Gilka Resende, comunicadora do GT Biodiversidade da ANA.

[2] Saiba mais sobre a campanha Agroecologia nas Eleições aqui.

[3] Baixe aqui o documento do GT Biodiversidade da ANA completo.