Documento foi apresentado aos integrantes do governo e da sociedade civil na CNAPO, nesta terça (19), em Brasília

Na abertura da primeira reunião presencial da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), após a recriação do colegiado pelo governo federal em 2023, as/os integrantes da Articulação Nacional da Agroecologia (ANA) apresentaram as contribuições da rede  para elaboração do III Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo III). A entrega do documento “Políticas Públicas de Agroecologia na Boca do Povo” — consolidado após processo de escuta e coleta de propostas junto a agricultoras/es, lideranças e organizações de todo o Brasil — aos integrantes da Comissão faz parte de um esforço de contribuição da sociedade civil para construção das políticas públicas no campo da Agroecologia, numa perspectiva que envolve a garantia da segurança alimentar e nutricional, o combate à fome, a mitigação e a adaptação em relação às mudanças climáticas, e a promoção da saúde. 

As propostas foram agrupadas em nove eixos temáticos — três deles são inovações propostas para a terceira edição do Planapo. Para conhecer as recomendações, acesse aqui o documento na íntegra. Além da mobilização para a construção de propostas a nível federal, a ANA, em conjunto com redes estaduais de agroecologia, elaborou , também de forma inovadora, sugestões para políticas públicas estaduais, com subsídios para ações descentralizadas nessa área. Além de diversos movimentos sociais, também participaram da reunião, que começou nesta terça-feira (19) e segue até o dia 21, no Anexo do Palácio do Planalto, em Brasília (DF), representantes de diversos órgãos de governo, incluindo a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e integrantes dos ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), da Agricultura e Pecuária (MAPA), da Saúde (MS) e da Secretaria-Geral da Presidência da República (SG-PR).

No encontro, o engenheiro agrônomo Paulo Petersen, que representa a ANA na CNAPO, afirmou que a agenda da Agroecologia articula diversas outras pautas centrais para o país.

"Esse debate [da agroecologia] traz três questões diretamente associadas à forma de organização dos sistemas alimentares, que são prioridade do governo: combate à fome, promoção da saúde e equacionamento da emergência climática. Essas questões não podem ter visão simplista, porque soluções setoriais podem perfeitamente aprofundar os problemas que nós temos enfrentado. A gente precisa de uma perspectiva de integração, e essa solução é a Agroecologia, nós estamos convictos".  

Paulo Petersen

A integrante da secretaria-executiva da ANA, Flávia Londres, lembrou que mais de 800 pessoas participaram da construção das propostas apresentadas pela Articulação. “No último ano fizemos uma grande mobilização, um grande mutirão nacional, com oficinas em todos os estados do país, para elaboração dessas propostas para o próximo Planapo. Foi um documento construído a muitas mãos, que trazemos agora para a discussão. É uma alegria grande retomar a possibilidade de dialogar com o Estado.”

Flavia Londres e Sarah Luiza

A cientista social Sarah Luiza Moreira, integrante do Grupo de Trabalho de Mulheres da ANA e membro suplente da Articulação na CNAPO, defendeu nos debates que a Agroecologia seja uma pauta estruturante para o Governo Federal. “Estamos aqui no Palácio do Planalto para reafirmar a importância, a urgência e a necessidade dessa agenda. Não só para mudar a vida dos povos que vivem no campo, mas para toda a população brasileira. É uma pauta que dá respostas imediatas ao combate à fome, mas também ao enfrentamento da emergência climática e na promoção da qualidade de vida e da saúde. O terceiro Planapo vem no sentido de dar encaminhamentos relacionados a esses eixos.”

Também representando organizações sociais do campo no encontro da Cnapo, Adriana Maria Mezadri, do Movimento de Mulheres Camponesas, destacou a importância da construção coletiva, mas ressaltou que as propostas precisam ter efeitos práticos. “Tem que ser uma política que de fato agregue, que construa uma alternativa. Que ela parta também da prática construída pelas pessoas que vivem nos territórios, os povos indígenas, quilombolas, camponeses, agricultores. Temos que todos, sociedade, Executivo, Legislativo, trabalharmos juntos, para que, de fato, surjam boas ideias, boas propostas e boas estratégias, mas que isso chegue na ponta, nas comunidades, nos territórios, e que as políticas sejam efetivas”, pontuou.

DIÁLOGO COM O GOVERNO

Em discurso durante a reunião, a ministra Marina Silva falou sobre a importância da destinação de recursos para as ações na área da Agroecologia. “O MMA está comprometido, e é um comprometimento também de articulação. Porque é fundamental que a gente tenha nos orçamentos ampliados os investimentos para essa agenda, ampliados os investimentos de recursos tecnológicos e humanos para assistência técnica, e que a gente possa trabalhar cada vez mais para que haja acessibilidade da população a esses produtos.”  

Marina Silva também destacou a importância da participação social na construção do novo Plano Nacional. “Não existem grandes transformações se não tivermos a participação da sociedade. Eu costumo dizer que os governos não devem fazer as coisas para as pessoas, mas com as pessoas. Nesse caso, toda a experiência da Agroecologia, que vem de uma luta de na busca de alimentos saudáveis, de uma relação mais orgânica com a natureza e com a terra, quem tem muito a aprender é o governo, quando cria e aviva esses espaços de encontro de conhecimentos e saberes, principalmente criando processos de formulação e implementação de políticas de forma conjunta.”

Na avaliação da secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Fernanda Machiaveli, o trabalho, agora, é de reconstrução das políticas nessa área, o que acontece, no entanto, com conhecimento acumulado. “Agora, 12 anos depois (do primeiro Planapo), temos que reconstruir e refazer muito do que já tinha sido feito, mas agora com grande aprendizado e muito acúmulo nessa jornada. A gente sabe que não foi suficiente, e que precisamos fazer mais. É isso o que a sociedade civil, todos os movimentos e organizações presentes, esperam do nosso governo. Temos um compromisso de fazer com que a agricultura familiar passe por um processo de transição agroecológica com uma visão de projeto de país, um projeto nacional.”

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)  pode contribuir com as discussões rumo a uma transição agroecológica, destacou a presidente Silvia Massruhá.   “Estamos passando por momentos de transformações. Temos aí um momento de transição nutricional, com o consumidor muito mais preocupado com as questões de saúde, origem dos alimentos. E aí, a agroecologia, a produção orgânica têm uma oportunidade muito grande, afirmou”

O desafio, segundo a diretora Socioambiental do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, é transformar a Agroecologia numa agenda transversal do governo. “Temos que entranhar o governo com a agenda da Agroecologia. É solução para a discussão da agenda climática, no Brasil mais do que em qualquer outro país, já que grande parte das emissões, aqui, são geradas pelo nosso modo de produção agrícola. E a sociedade nos desafia e nos impulsiona nesse sentido, permanentemente”, disse.

As aproximações entre a Agroecologia e a promoção da saúde foram destacadas pela representante do Ministério da Saúde no encontro, Juliana Acosta Santorum, da Assessoria Especial para Territórios, ao fazer referência a um relatório da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre o tema. “A Agroecologia, uma vez que se contrapõe a um sistema de produção que gera desequilíbrios, se apresenta como via para prevenção da saúde pública, como no caso das arboviroses, com a situação que vivemos com a dengue. Também é um caminho para integração de saberes e práticas populares de cuidados com conhecimentos técnicos e científicos. Protege os bens naturais e cuida das pessoas. E promove uma alimentação saudável e adequada, fundamental para prevenção das principais doenças crônicas, que levam ao adoecimento e à morte”, apontou. 

FRENTE PARLAMENTAR

No encontro também foi anunciado o relançamento da Frente Parlamentar Mista de Desenvolvimento da Agroecologia e Produção Orgânica. O coordenador da Frente, deputado federal Leonardo Monteiro (PT-MG), disse que o objetivo é fortalecer a pauta do setor no Congresso Nacional. “A Frente tem como finalidade promover uma agenda que priorize, no Congresso, o aprimoramento da agroecologia e sensibilize diversos setores sobre a importância de fortalecer esse mecanismo, em busca da sustentabilidade e da produção de alimentos saudáveis. Busca construir com as entidades uma agenda que seja capaz de fazer avançar projetos positivos que tramitam, bem como obstruir pautas de impacto negativo”, reforçou. 

SOBRE A ANA

A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) é um espaço de articulação e convergência entre movimentos, redes e organizações da sociedade civil brasileira engajadas em experiências concretas de promoção da agroecologia, de fortalecimento da produção familiar e de construção de alternativas sustentáveis de desenvolvimento rural. A ANA participou diretamente da construção das políticas nacionais de apoio à agroecologia a partir de 2002. Nos últimos anos dedicou-se à pesquisa e incidência sobre políticas públicas municipais e estaduais e, hoje, articula 23 redes estaduais e regionais, que reúnem centenas de grupos, associações e organizações não governamentais em todo o País, além de 15  movimentos sociais de abrangência nacional. Juntamente com a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a ANA mantém o maior banco de dados sobre agroecologia da América Latina, com acesso a mais de 4 mil experiências agroecológicas mapeadas e cadastradas na plataforma Agroecologia em Rede (AeR).

Texto: João Pedro Netto

Fotos: Elio Rizzo