As propostas foram reunidas pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) para a elaboração do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO) 2024-2027, e a principal demanda para garantir sua implementação é a designação de recursos do orçamento público.

À medida em que avançam as consequências da coexistência das epidemias da fome, do colapso da saúde por má alimentação e das mudanças climáticas, é cada dia mais urgente dar lugar de destaque para a agroecologia na agenda política e no orçamento do Estado brasileiro. A agroecologia tem grande potencial para resolver problemas que surgem do funcionamento atual dos sistemas agroalimentares e tem uma trajetória de organização no Brasil que proporciona a participação direta de agricultores, suas lideranças e organizações na criação de propostas para a retomada da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), apresentadas, agora, no documento “Políticas Públicas de Agroecologia na Boca do Povo”.

Três questões estruturam o documento: combate à fome, promoção da saúde e emergência climática e as políticas propostas convergem para  enfrentar essas questões de forma conjugada. “Enfrentar a fome com a produção de alimento saudável, nesse estilo de produção agroecológica, enfrenta, simultaneamente, o tema da emergência climática, porque são sistemas de produção que não só emitem menos gás de efeito estufa, mas também são mais adaptados aos efeitos das mudanças climáticas”, explica Paulo Petersen, engenheiro agrônomo que representa a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) na CNAPO. E acrescenta: “é preciso que o Estado brasileiro deixe de canalizar recursos para produções e sistemas econômicos que estão exatamente acentuando esses problemas e passe a orientar para uma forma de organização dos sistemas alimentares que teria condição de equacionar esses três problemas”.

O documento traz um referencial sócio-técnico para a transformação dos sistemas agroalimentares, e foi construído coletivamente, a partir da iniciativa de mesmo nome, de agosto a dezembro de 2023. Para o debate e reunião das propostas, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) realizou reuniões nacionais e oficinas descentralizadas nos 26 estados da federação e Distrito Federal, com a participação de mais de 760 pessoas, em atividades presenciais, remotas e híbridas. Foi proposto um roteiro de discussão para as reuniões e organizados seminários virtuais de âmbito nacional.

As propostas foram agrupadas em nove  eixos temáticos, seis deles já compunham a  estrutura adotada anteriormente no PLANAPO II e três eixos novos foram apresentados: 

1. Produção
2. Uso e conservação dos recursos naturais
3. Conhecimento
4. Comercialização e consumo
5. Terra e território
6. Sociobiodiversidade
7. Justiça Socioambiental e Climática ou Água e Emergência Climática
8. Cuidados, Saúde e Bem-Viver ou Saúde Popular e Práticas Tradicionais
9. Infraestrutura das Comunidades e Territórios 

Para saber as recomendações para essas áreas, acesse o documento na íntegra, disponível aqui e na sessão Publicações em nosso site. 

No eixo “Produção”, por exemplo, as medidas destacam, de maneira geral, a importância de normas e legislações locais adequadas à realidade, reconhecendo a diversidade regional, a necessidade de assegurar o livre acesso a sementes e mudas nativas, a importância de proteção contra derivas de agrotóxicos, a reivindicação de que deverão sempre ser consideradas demandas dos territórios e não impostas pelos bancos e financiadoras e a ampliação das políticas para fortalecimento dos agroecossistemas e culturas produtivas de acordo com a realidade dos territórios e biomas.

Ainda no eixo “Produção”, é enfatizada a urgência da adoção de ações como assistência técnica para a agricultura familiar, sugerida a difusão de iniciativas, como as Casas de Sementes Crioulas, e o reconhecimento das Guardiãs e Guardiões de Sementes como atividade remunerada.

Quanto à revisão de números e execução da política, foi proposta a atualização dos números referentes às iniciativas e metas dos PLANAPOs I e II, e sugere-se a adoção de percentuais mínimos e distribuição proporcional por estado para garantir a execução justa do plano, com a recomendação de que seja garantido o apoio financeiro nas lógicas de fomento, de modo a enfatizar o caráter impulsionador das iniciativas.

Para Paulo Petersen, as políticas que estão previstas certamente serão incorporadas no PLANAPO, mas o problema é o orçamento inexistente ou muito baixo. “O compromisso do governo federal para alocar recursos para as políticas de agroecologia é um tema importantíssimo. Não adianta a gente ter plano de agroecologia, plano de abastecimento, plano de mudança climática, se esses planos não têm recursos, ao contrário do que ocorre com o agronegócio”.  

A fatia de recursos do Plano Safra destinada à agricultura familiar no biênio 2023/2024 é de R$77,7 bilhões, contra R$364,22 bilhões oferecidos ao agronegócio, mas uma parte dos recursos do Plano Safra da Agricultura Familiar é direcionada para commodities. 

Ou seja, segundo Petersen, não se trata exatamente de falta de recursos, mas má orientação. “A gente está defendendo que os recursos sejam reorientados na direção da agroecologia. Tirar de uma direção e apontar para outra. Então eu diria que este talvez seja o ponto principal de nossas propostas”. 

Políticas Públicas de Agroecologia na Boca do Povo

Além da mobilização para construir propostas para a criação e ampliação de escala de políticas federais de apoio à agricultura familiar e à Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN), a iniciativa Políticas Públicas de Agroecologia na Boca do Povo reuniu também propostas para políticas públicas estaduais. O objetivo é dar subsídios para os estados realizarem ações descentralizadas de debate e incidência, visando à criação e/ou o aprimoramento de políticas públicas locais. 

Nos estados, a agroecologia também vem ganhando força com a aprovação de novas leis, tanto de apoio à agroecologia, como leis que controlam (Paraná) ou vedam a pulverização de agrotóxicos (Ceará), a proibição de transgênicos (São Paulo) e ultraprocessados na merenda escolar (Rio de Janeiro) e a criação de políticas públicas estaduais (PEAPOs) onde ainda não havia, como no Piauí. As propostas  reunidas pelas redes de agroecologia serão utilizadas pela sociedade civil para dialogar com os poderes legislativo e executivo nos estados.