Produção reúne depoimentos de guardiãs e guardiões da agrobiodiversidade de todas as regiões do Brasil
O Grupo de Trabalho (GT) Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) lança hoje (22/5), Dia Internacional da Biodiversidade, o vídeo final do Prêmio #AHistóriaQueEuCultivo, inciativa de comunicação popular que condecorou guardiãs e guardiões de sementes crioulas de todas as regiões do Brasil. A produção final foi nomeada de “História Coletiva – Biodiversidade Resiste” e reúne trechos de vídeos enviados por agricultoras e agricultores familiares, indígenas, quilombolas, dentre outros integrantes de povos e comunidades tradicionais que participaram do concurso. O vídeo traz um olhar panorâmico sobre a defesa do patrimônio genético alimentar no Brasil a partir da diversidade de pessoas e de grupos que constroem cotidianamente a agroecologia.
“Na nossa visão, os saberes e as práticas de assentadas e assentados da reforma agrária, de camponesas e camponeses e de integrantes de povos e comunidades tradicionais são fundamentais para a proteção da biodiversidade. Seus modos de vida precisam ser respeitados por toda a sociedade. Nesse sentido, a importância desses segmentos, que cuidam das águas, fazem o manejo das sementes crioulas, produzem comida de verdade sem agrotóxicos, só para citar alguns exemplos, precisa ser mais visibilizada e valorizada. Acredito que avançamos com esse objetivo a partir do Prêmio”, avalia Naiara Bittencourt, do GT Biodiversidade da ANA.
Qual história você cultiva? A partir da pergunta e da convocatória do Prêmio, o GT Biodiversidade da ANA recebeu 115 vídeos, a maioria feita de forma caseira com celulares ou câmeras. A “História Coletiva” é justamente um mosaico de alguns dos vídeos premiados. “Recebemos relatos de todas as regiões do país. Isso demonstrou a diversidade do movimento agroecológico, com diferentes sotaques e realidades locais. Ao mesmo tempo, localizamos muitos princípios compartilhados, como a relação integrada do ser humano ao meio ambiente, assim como muitas ameaças comuns em diversos territórios, a exemplo dos transgênicos e dos agrotóxicos”, destaca Naiara, que também integra a organização Terra de Direitos.
Comunicar saberes
Muitos vídeos inscritos no Prêmio demonstram o trabalho de guardiãs e guardiões da agrobiodiversidade em armazenar, selecionar, semear e compartilhar as sementes crioulas, que englobam grãos, mudas, raízes, ramas, espécies nativas de animais, enfim, todas as formas de reprodução da vida. Ao contarem suas histórias, as pessoas e grupos enfatizaram a importância de passar seus conhecimentos para as futuras gerações.
Vera Lúcia Ferreira, por exemplo, orgulha-se de ter aprendido “muitas coisas boas com a roça”. Ela trabalha, em especial, com saúde integral e plantas medicinais, e conta que começou a se interessar pelo tema ainda criança, a partir das vivências com sua mãe e sua avó. Em seu vídeo, um dos que receberam “Menção Honrosa”, Vera reforça que a saúde vem do seu quintal, onde cultiva “plantas medicinais e plantas de comer”. “Quero continuar cultivando, fazendo chás, xaropes, passando os saberes para quem for chegando. A minha preocupação é a seguinte: quando a gente for, que fique o nosso conhecimento. O que aprendemos, o que gravamos na cabeça e no coração, ninguém tira”, afirma a agricultora familiar, que vive no município Paula Cândido, em Minas Gerais.
Um dos objetivos do Prêmio, inclusive, foi comunicar a agroecologia a partir dos territórios, estimulando a comunicação popular entre as guardiãs e os guardiões de sementes crioulas e fortalecendo o debate público sobre a biodiversidade. “É sempre importante reafirmar que a comunicação é um direito. Acredito que ações como essa contribuem para visibilizar o nosso povo, ecoar essas diferentes vozes das regiões e reconhecer a força e a importância da comunicação popular”, reforça Wanessa Marinho, que participou da comissão de premiação do concurso.
O Prêmio
Lançado em 2020, o Prêmio #AHistóriaQueEuCultivo prestou homenagem à animadora de sementes crioulas Emília Alves Manduca (em memória), que integrou o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o Grupo de Intercâmbio em Agroecologia (Gias), a Associação Regional de Produtores Agroecológicos (Arpa), dentre outras organizações, participando de lutas pela reforma agrária, contra os agrotóxicos, em defesa das águas, da educação no campo e do direito das mulheres.
Mesmo após conquistar legalmente seu pedaço de terra em 2002, Emília continuou vivendo “de acampamento em acampamento, de despejo em despejo”. Dizia que já tinha “terra e pão”, mas que continuaria sempre sendo Sem Terra enquanto vivesse. “Estamos aqui para que esse povo todo seja assentado. Enquanto as injustiças estiverem acima dos trabalhadores e da vida, continuarei lutando”, afirmava. O vídeo final do Prêmio inclui imagens inéditas² de Emília declamando uma poesia de sua autoria: “Por um minuto apenas fui feliz”, um texto de 1997.
Além da “História Coletiva”, cinco produções ganharam na categoria “Histórias Regionais”. Outros 15 vídeos foram condecorados como “Histórias Locais” e 11 receberam “Menções Honrosas”. “A chamada do Prêmio ocorreu em um contexto de grande isolamento social por causa da Covid 19. Foi muito especial ter a oportunidade de ver todas essas pessoas atuando em diferentes territórios do nosso país, ouvir suas vozes e ainda ajudar a compartilhar essas experiências. Temos que fazer circular cada vez mais os vídeos, que mostram a força da agroecologia”, conclui Wanessa, que faz parte do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM).
[1] Texto: Gilka Resende, do GT Biodiversidade da ANA.
[2] Edição de vídeo: Canteiro Audiovisual. A gravação de Emília, feita por Frederico Benevides no Assentamento Roseli Nunes, em Mirassol D’oeste (MT), foi gentilmente cedida pelo autor.