Por Eduardo Sá, da Articulação Nacional de Agroecologia para a Mídia Ninja
Movimentos dos campos e das florestas criticam a ausência da questão do acesso à água no relatório do PL 735/2020, do deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), que prevê ações emergenciais para a agricultura familiar durante a pandemia e deve ser votado na próxima semana na Câmara dos Deputados. Na proposta construída com participação de parlamentares progressistas e integrantes da sociedade civil, havia a reivindicação da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) de R$ 150 milhões para promover acesso à água a 25 mil famílias da região.
De acordo com Alexandre Pires, da Coordenação executiva da ASA, é um erro dos parlamentares e do relator do projeto não contemplar o Programa de Cisternas porque não dá para pensar iniciativas emergenciais à agricultura familiar para o semiárido sem pensar o contexto da água. É uma miopia também, segundo ele, a leitura de que essas iniciativas são pensadas para um contexto de pandemia e emergência, porque os efeitos na vida e economia da população camponesa serão sentidos após a crise sanitária.
“Tudo que construímos no semiárido nos últimos vinte anos contribuiu muito para que a sua população passe por esse período com um pouco de segurança, porque tem mais de 1,3 milhões com cisternas com água na porta de casa. Graças às chuvas que aconteceram nesse ano, que foram suficientes para os reservatórios e manter as famílias com mais segurança. Reivindicamos que seja reconhecido pelo Congresso o programa, uma vez que ele é reconhecido internacionalmente por outros governos e organizações internacionais como uma política para o futuro no enfrentamento às mudanças climáticas”, afirmou
O objetivo é buscar apoio a tecnologias sociais de acesso à água pra consumo humano e higiene para a prevenção do coronavírus, além de garantir melhores condições para a segurança alimentar e nutricional da população ao permitir a produção de comida e água aos animais. Em carta aberta ao relator do PL, a ASA alerta que dos dez estados com maior número de infectados pelo novo Covid-19, cinco deles estão concentrados no nordeste atingindo cada vez mais as pessoas desassistidas de hospitais e equipamentos no interior do país.
Questionado pelo fato de no relatório constar o termo “poderá contemplar a implementação de cisternas e outras tecnologias sociais de acesso à água”, o que os movimentos não consideram como uma garantia, o deputado federal e relator do projeto Zé Silva (Solidariedade-MG) defendeu que está indo além do que os movimentos reivindicaram. Ele disse ainda que se coloca à disposição, junto à Frente Parlamentar no Congresso envolvida com o tema, a ir ao Ministério da Cidadania para propor os recursos após a aprovação do projeto.
“A previsão é entrar na pauta terça-feira (07/06). Asseguro que as tecnologias sociais relacionadas à água e a cisterna são alguma das que estão contempladas. Garantir a questão da água para a agricultura familiar no Brasil inteiro e a decisão fica a cargo do agricultor. Essa diferenciação porque no sul tem tecnologias que ajudam na convivência com a seca, por exemplo, e em Minas outras também eficazes sem ser cisternas. O semiárido é uma das regiões que será atendida”, afirmou o deputado.
Segundo Zé Silva, o plano emergencial será estruturante e estratégico para o mapeamento dos agricultores invisíveis que não estão vinculados aos instrumentos de acesso às políticas públicas para o campo, como a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) e o Cadastro Único, dentre outros. Ainda não é possível ter dimensão dos recursos alocados no projeto, mas ele acredita que com o banco de dados montado será viável implementar políticas mais duradouras por meio da assessoria técnica aos 1,5 milhões de agricultores (as) mapeados (as) pelo IBGE que não têm acesso a nenhum programa.
As cisternas e o trabalho da ASA
A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) atua há vinte anos nos dez estados da região. Composta por cerca de 3 mil organizações da sociedade civil, como sindicatos e associações, busca em rede um projeto político de desenvolvimento em convivência com os biomas locais. O acesso à água para abastecimento humano e para produção são os principais objetivos dos seus projetos, a fim de romper com o assistencialismo e clientelismo característicos no interior destes estados.
O semiárido tem o menor percentual de água reservada do país e a chuva é sua principal fonte de abastecimento. Todos os seus rios e açudes, exceto o São Francisco por sua grandiosidade, secam nos períodos de longas estiagens. Segundo os dados da Agência Nacional de Água (ANA) de 2012, o semiárido enfrentou mais de 72 secas desde a chegada dos portugueses, de forma a deixar clara a previsibilidade da seca. De 2012 a 2017 ocorreram fortes estiagens, o que pode vir a acontecer novamente nos próximos invernos e acirrar ainda mais a crise pós pandemia.
Dos aproximadamente 26 milhões de pessoas no semiárido, milhares de agricultores familiares, indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais são atendidos pelo Programa Cisternas, que é resultado do diálogo entre a sociedade civil e governos. O Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) que foi criado em 1999, durante o governo FHC, entrou para o Orçamento Geral da União em 2005 e foi ampliado para as escolas rurais em 2009. De lá para cá foram construídas cerca de 1,3 milhões de famílias com cisternas, cada uma elas com capacidade de 16 mil litros custando em média R$ 3.491,00, além de outras ferramentas como a Cisterna Calçadão que ajuda no desenvolvimento da produção. Os programas são premiados internacionalmente no Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (UNCDD), no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Desde o início do ano passado, o Programa de Cisternas não teve mais aportes de novos recursos do governo federal. Embora tenha aprovado na Lei Orçamentária Anual 2020 cerca de R$ 120 milhões, até o momento nada foi implementado, segundo a entidade. De acordo com seus cálculos, que é feito a partir dos dados oficiais do atual Ministério da Cidadania, existe uma demanda de 350 mil famílias que não têm acesso a água para consumo e mais de 800 mil que aguardam tecnologias de armazenamento de água para a produção de alimentos.
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