Por Eduardo Sá, da Articulação Nacional de Agroecologia para a Mídia Ninja
Ao todo, 125 vereadoras (es) eleitas (os) neste ano assinaram a carta-compromisso com a plataforma política da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). A maioria está no Nordeste e no Sudeste, dentre os quase mil candidatos que se comprometeram com a agenda. Organizações da sociedade civil e movimentos sociais estarão em diálogo permanente com esses mandatos para cobrar as propostas apresentadas.
O documento “Agroecologia nas Eleições: Propostas de Políticas de Apoio à Agricultura Familiar e à Agroecologia e de Promoção da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional em Nosso Município” possui 36 propostas de ação municipal. De acordo com Flavia Londres, da secretaria executiva da ANA, a pesquisa que resultou nesse documento é baseada em iniciativas que já ocorrem em todo o país, como leis, programas e políticas públicas municipais.
“O diálogo entre as organizações do movimento agroecológico e as candidaturas do campo progressista em torno das propostas de ações municipais foi muito intenso nessas eleições de 2020. Muitas/os candidatas/os chegaram a incorporar propostas da carta-compromisso em seus programas de governo ou de mandato. Isso mostra o quanto elas estão ancoradas nas realidades e demandas locais. Agora, vamos cobrar desses políticos que estão alinhados com a nossa agenda e ajudar a construir as iniciativas para que a agroecologia seja potencializada nos municípios”, afirmou.
Em Florianópolis, o vereador Marcos José de Abreu, conhecido como Marquito (PSOL-SC), foi reeleito dando continuidade ao Mandato Agroecológico como o mais votado da capital catarinense e é candidato à presidência da Câmara dos Vereadores. Aprovou nos últimos anos projetos relacionados aos direitos da natureza, leis de compostagem e políticas como a de Agroecologia e Produção Orgânica, de Fomento à Economia Solidária, dentre outras. Uma das ações que pretende ampliar a partir de 2021 é a Zona Livre de Agrotóxicos, que já foi aprovada, mas estendendo a questão para as áreas protegidas ambientalmente.
“Repensar as áreas protegidas e ambientais propondo fazer um zoneamento especial agroecológico pensando na produção para a cidade. Também estamos falando das áreas especiais de produção de água, como bacias hidrográficas, lençóis freáticos e corpos hídricos. Pretendemos trabalhar com a escuta e participação das crianças na luta pelo seu direito à cidade. Vamos avançar também no saneamento ecológico com o tratamento do esgoto sanitário e drenagem urbana, na perspectiva de saneamento enquanto recurso. Uma visão sistêmica da agroecologia dentro das infraestruturas urbanas”, afirmou.
O trabalho de compostagem também será potencializado, segundo ele, assim como a agricultura urbana para garantir o direito humano à alimentação adequada e o apoio aos equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional, como cozinhas comunitárias, restaurantes populares e feiras. A valorização da produção da agricultura familiar e agroecológica para as compras institucionais também será fiscalizada, sobretudo o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que prevê que os municípios comprem pelo menos 30% dos alimentos da agricultura familiar.
A alimentação escolar é também uma pauta da professora Mazéh Silva (PT-MT), eleita em Cáceres, região próxima à fronteira com a Bolívia. Ela reconhece a importância da alimentação saudável para o desenvolvimento das crianças e jovens, além da geração de renda para as famílias agricultoras da região. Muitas mulheres negras do seu coletivo já militam na agroecologia, no combate ao agrotóxico, e isso se refletiu na sua agenda, principalmente em relação às comunidades quilombolas e indígenas. O apoio a políticas públicas que atendem à agricultura familiar e à agroecologia é fundamental para a promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional dentro dos municípios, explicou.
A candidata eleita está dialogando com alguns setores para elaborar propostas para seu primeiro mandato. Alguns itens da carta da ANA estão sendo debatidos, como comercialização, inclusão produtiva com segurança sanitária, infraestrutura nas áreas urbanas, sementes, reforma agrária e direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. Também são temas de interesse para o mandato a regulamentação do descarte do lixo nos aterros sanitários, reciclagem e reutilização de materiais que contaminam o solo e a necessidade de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) na região.
“Para fortalecer a transição agroecológica, precisamos tanto de apoio financeiro como de logística e Ater. Precisamos fazer o município tomar como prioridade a compra desses produtos [agroecológicos] e garantir o consumo de alimentos saudáveis. Uma luta antiga na região é por uma feira e a prefeitura está vendo a viabilização de um espaço. De nossa parte, cobraremos a ampliação destes equipamentos de comercialização. Vamos nos reunir com os grupos de cooperativas para tentar atender as propostas, eles ficaram muito tempo sem uma representante, uma mulher negra de esquerda que vem dos movimentos sociais. Podemos acelerar essas pautas que ficaram invisibilizadas”, destacou.
Outra candidata mais votada foi Dani Portela (PSOL-PE), de Recife, que tem uma trajetória militante na causa negra e feminista. Ela é advogada e historiadora e ocupará pela primeira vez um cargo político. Segundo Portela, a perspectiva agroecológica foi firmada durante sua campanha e construídos vários canais de diálogo com os movimentos sociais, ONG’s e agricultoras (es) para potencializar a pauta na cidade. O monitoramento dos alimentos da agricultura familiar por meio do PNAE também será uma das suas prioridades, assim como os alimentos via Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
“A garantia da segurança e da soberania alimentar e nutricional é uma prioridade e será duramente defendida e fiscalizada junto ao Executivo. Também vamos fomentar a discussão sobre a agroecologia dentro da Câmara de Recife através de audiências públicas, fóruns e reuniões, assim como o apoio às feiras agroecológicas da nossa cidade para a garantia e a valorização desses produtos. Teremos um olhar voltado para a agricultura urbana, pois se trata de uma prática que resiste através dos cuidados das mulheres. Através de diálogos com movimentos e organizações e experiências construiremos caminhos para o apoio e o fomento da agricultura urbana, afirmando que: sem feminismo, não há agroecologia!”, conclui Portela.
Edição: Viviane Brochardt
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