Na tarde desta quarta-feira, 17 de junho, a ONG pernambucana Diaconia marcou o Dia Nacional de Combate à Desertificação com um encontro ao vivo da Rede Pajeú de Agroecologia, em seu canal no youtube. Com o tema “Mudanças Climáticas: impactos sociais e ambientais no Sertão do Pajeú”, a conversa contou com as participações de Graciete Santos, da Rede Feminismo e Agroecologia e coordenação executiva da Articulação Semiárido Brasileiro em Pernambuco (ASA – PE); do professor de agronomia Genival Barros, da UFRPE, membro do Comitê de Bacias do Rio Pajeú; e do Padre Luizinho, da Paróquia de São Francisco de Assis, em Afogados da Ingazeira, e Grupo Fé e Política da Diocese.
Você pode assistir a live completa aqui https://youtu.be/gB335EMRxMs
Mediado por Ita Porto, da Diaconia, e Apolônia Apolonia Gomes da Silva, da Rede de Mulheres do Pajeú, o encontro colocou em questão pontos como os efeitos do padrão de consumo humano sobre o clima e o meio ambiente, o falso ideal de desenvolvimentos sob o qual a sociedade tem vivido, e a necessidade de abordar as relações humanas e unificar as bandeiras das causas sociais para que se consiga um impacto positivo e efetivo sobre as mudanças climáticas.
O professor Genival Barros abriu as falas com uma apresentação voltada para o cenário de desafios ambientais que o planeta, o Brasil e o Sertão do Pajeú enfrentam, por conta de problemas gerados pela ação humana. O professor aponta para o aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera como fator de grande impacto ambiental e chama a atenção para aumento do número de eventos extremos, como falta de chuvas e enchentes, em consequência disso. “Precisamos repensar o nosso padrão enquanto consumidores e mudar, imediatamente, a forma ambiciosa e criminosa como exploramos os recursos naturais”, defende.
O pesquisador alerta para o impacto do desmatamento, uma vez que diminui a capacidade dos ecossistemas de absorção de dióxido de carbono. Segundo dados de sua pesquisa, 44% da emissão de gases de efeito estufa no Brasil tem a ver com a destruição da cobertura vegetal. “A água circula em função da vida, se subtrairmos as formas vivas vegetais de uma região, eliminamos um dos requisitos mínimos para a circulação e retenção da água. Se queremos água, temos que preservar vida”, propõe ao defender que é a atitude local que vai garantir a nossa sobrevivência diante dos desafios globais que temos.
O aumento de poucos graus na média de temperatura do planeta já é capaz de produzir efeitos desastrosos para a saúde e a economia. O maior número de noites quentes ao longo do ano – um fenômeno que presenciamos atualmente – faz como que haja queda prematura das flores e fechamento de poros das folhas das plantas. “A consequência direta disso se dá na queda da capacidade de produção das principais culturas agrícolas, como café, feijão, algodão, milho e soja, por exemplo. E num futuro breve, muitas cidades perderão a produtividade definitivamente”, aponta o professor.
Genival destaca que, pelo seu acompanhamento, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) também tende a cair com o crescimento da degradação ambiental e o manejo inadequado do solo. No Sertão do Pajeú, entre 2000 e 2010, essa queda foi de 0,640 para 0,600, na média dos municípios. Sua pesquisa coaduna com a fala do padre Luizinho, para quem “pensar o Semiárido é pensar as relações dentro do Semiárido e necessariamente abordar a problemática Homem-Terra-Natureza, em que cada um interfere sobre o outro”.
Para o padre, é preciso envolver as pessoas e influenciar na percepção de que o paradigma consumista e individualista é uma falácia que só produz destruição, pobreza econômica, doenças, miséria e infelicidade na vida das pessoas. A proposta de padre Luizinho é “compartilhar dos modelos que ajudam a preservar para termos sempre”, por meio de pequenas e simples mudanças em nossas práticas cotidianas. “Nossa prática é que vai dizer que tipo de vida teremos no futuro. Precisamos tomar posição, romper com esse modelo ou vamos ser cada vez mais órfãos de qualidade de vida e da natureza”, convoca.
A coordenadora da ASA-PE, Graciete Santos, compartilha da visão de que pensar mudanças climáticas não pode ser deslocado da ação e das relações humanas. “As mulheres e homens não estão apartados na natureza. No entanto, é assim que costumam ser pensados”, avalia. A tarefa de reintegrar os humanos aos processos ecológicos passa pelo reconhecimento do papel fundamental que as mulheres exercem nesse processo, segundo Graciete, e por lembrar que elas enfrentam inúmeras desvantagens.
A desigualdade de gênero, ocasionada e mantida pelos padrões machistas de uma sociedade baseada no patriarcado, coloca as mulheres em um lugar de menor expressividade política, conforme aponta a coordenadora. De modo geral, elas estão sempre sub-representadas e encontram dificuldades de se afirmarem enquanto produtoras (e produtivas) em suas práticas e até em acessarem os mecanismos para garantir sua produção. “Sabemos, porém, que por toda uma construção cultural, as mulheres costumam ocupar um lugar de cuidado na sociedade, papel fundamental para mitigar impactos das mudanças climáticas”, salienta Graciete.
A representante da ASA verifica o que diz no acompanhamento de experiências e projetos em que as mulheres tiveram acesso a ações de empoderamento e os impactos positivos nos modos de vida desses lugares como um todo, não apenas em suas casas e famílias. “A maior prova disso é observar como, na produção agroecológica, as mulheres conseguem, em um espaço pequeno como os quintais, colher uma variedade de produtos. Essa diversidade cultivada de forma harmônica se traduz, necessariamente, em preservação ambiental e geração de renda”, ressalta.
Ao refletir sobre as alternativas de enfrentamento aos problemas apresentados, Graciete faz uma consideração bastante significativa. “Todos buscamos construir caminhos de transformação dos padrões de consumo, dos modos de viver, de igualdade entre homens e mulheres. Por isso, é de suma importância fazermos um exercício de como a gente junta as nossas pautas, a fim de fortalecê-las”, considera ao lembrar que 80% do Semiárido passa por processo de desertificação e que 9% de seu território já está desertificado.
“A saída é unirmos forças. O Pajeú é uma região rica em história, movimentos e organização social. Temos que usar isso a favor do aumento da incidência política de nossas lutas em prol de um mundo mais justo”, defende ela, que propõe a agroecologia como ciência, movimento e prática para o estabelecimento de um novo modo de vida, de outra forma de ser, produzir, consumir e se relacionar. “É preciso promover as mudanças a partir de nossas próprias relações, com amigos, vizinhos, familiares, para que estas passem incidir sobre as associações e municípios. É o momento de escutarmos histórias para interligar as questões. Estamos isolados mas, mesmo longe, precisamos estar conectados”, convida.
Padre Luizinho finaliza ao refletir como o poder do capital tem se colocado acima da vida, acima de tudo, transformado, inclusive, as pessoas em mercadoria. “A melhor forma de combater esse sistema é ajudar outras pessoas, de forma simples mesmo, a entender como podem melhorar de condição. Quem quer o bem deve colaborar para que os outros descubram como fazer o bem também”, conclui.
Texto: Bruno Machado/Sasop
Edição: Viviane Brochardt/Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)