internacional enaA crescente influência da agroecologia na agenda política internacional foi debatida em painel realizado no dia 18 de maio, como parte da programação do III Encontro Nacional de Agroecologia (III ENA). A atividade se iniciou com a apresentação de uma saudação enviada em vídeo por Olivier De Schutter, ex-relator especial da ONU pelo direito humano à alimentação.

 

Sintonizado com o III ENA, De Schutter afirma que já passamos do momento de nos perguntarmos se a agroecologia é ou não uma opção para o futuro da agricultura e da alimentação. Para ele, frente ao aprofundamento da crise alimentar, essa pergunta já não faz sentido. As questões a serem respondidas são “quando” e “como” a comunidade internacional vai promover a agroecologia como alternativa aos padrões dominantes de produção e consumo alimentar. Em sua opinião, “não podemos deixar que a crise fique ainda pior. Precisamos preparar uma transição, mas a hora de agir é agora”.

Após a exibição do vídeo, representantes de organizações da sociedade civil da América Latina, da África e da Europa presentes ao III ENA teceram comentários sobre os desafios de promoção da agroecologia em seus países e regiões. O painel contou também com intervenção de representante do governo federal, membro do Comitê Brasileiro do Ano Internacional da Agricultura Familiar, Camponesa e Indígena.

A agroecologia no Ano Internacional da Agricultura Familiar

Segundo Paulo Petersen, diretor-executivo da AS-PTA e coordenador do painel, o crescente reconhecimento internacional da agroecologia é uma resposta à tomada de consciência sobre a insustentabilidade dos padrões dominantes de organização dos sistemas agroalimentares e seus efeitos na acentuação das crises alimentar, ambiental, energética, social e econômica que se abatem sobre o planeta. Para ele, a perspectiva agroecológica está sendo crescentemente reconhecida como a única alternativa capaz de equacionar e dar respostas consistentes às múltiplas dimensões da crise sistêmica global que coloca em risco os fundamentos das sociedades contemporâneas.

“No Ano Internacional da Agricultura Familiar, o III ENA não poderia deixar de enviar sua mensagem ao exterior. Por isso, organizamos esse painel”, destacou Petersen. “Temos que celebrar o Ano Internacional da Agricultura Familiar. Afinal a decisão da ONU de dar visibilidade à agricultura familiar foi uma conquista nossa, da sociedade civil. Mas, ao fazermos essa celebração, temos também que apontar as razões pelas quais esperamos que a agricultura familiar seja reconhecida e os caminhos pelos quais esperamos que ela seja promovida e desenvolvida. Já são vários os países que, como o Brasil, instituíram políticas específicas para a agricultura familiar. Mas a experiência brasileira nesse campo já demonstrou que não basta que o Estado apoie genericamente a agricultura familiar. Se as políticas públicas nessa área forem desenhadas pelo viés produtivista que caracteriza a modernização agrícola, elas acabam induzindo a crescente dependência da agricultura familiar às grandes cadeias agroindustriais e ao mercado financeiro. Dessa forma, ela vai se convertendo em um elo subordinado ao agronegócio”.

Para o coordenador do painel, esse é o sentido da pergunta que pauta o III ENA: “Porque interessa a sociedade apoiar a agroecologia?”.“Com base nas experiências sistematizadas em todas as regiões do paísna preparação do nosso encontro, viemos aqui para demonstrar que a agroecologia é o único enfoque para o desenvolvimento da agricultura familiar capaz de dar respostas consistentes a essa crise que coloca a humanidade em uma verdadeira encruzilhada histórica”.

Vozes da América Latina, África e Europa

Assim como Olivier De Shutter, os convidados internacionais presentes ao painel internacional no III ENA manifestaram a importância do movimento brasileiro pela construção da agroecologia, destacando os vínculos dessa construção com os movimentos sociais que lutam pela defesa e o fortalecimento da agricultura familiar e dos povos e das comunidades tradicionais como a base sociocultural da agricultura do futuro.

Para o colombiano German Alonso Vélez, membro da RedSemillas, temos no Brasil uma condição que não se vê em seu país. “Aqui o governo brasileiro reconhece e apoia agendas de luta do movimento agroecológico. Na Colômbia, muitas famílias camponesas estão perseguidas porque guardam sementes crioulas. Isso começa a ser considerado um crime. Tratados como o Livre Comércio e a dinâmica de globalização estão acabando com a agricultura familiar”, disse. Para ele, “todos na América Latina olhamos com muita atenção para os ensinamentos do movimento agroecológico no Brasil”.

Para Karen Read, da Biowatch South Africa, muitos anos de colonização e influência de culturas de fora marcam a agricultura de seu país, a África do Sul, onde os movimentos sociais também estão lutando pela criação de uma política nacional voltada à agroecologia. “Mas ainda estamos no rascunho da proposta e nada foi oficializado ainda”. Read diz que levará para a África do Sul a mensagem das mulheres do III ENA quando afirmam que “Sem feminismo, não há agroecologia”. “Um novo paradigma na agricultura precisa passar pelo empoderamento das mulheres. Afinal, são elas que protegem as sementes e a biodiversidade”, afirmou.

Complementando a análise a partir da realidade da África do Sul, Zayaan Kahan, da organização Surplus People Project, afirma que ao apoiar o agronegócio, o governo sul-africano marginaliza a maioria da população. “O agronegócio acessa água por um preço muito baixo, enquanto o povo passa sede. Toda a alimentação a base de milho e de soja está contaminada com transgênicos. Também para nós o acesso a terra é o principal problema. Temos fortes afinidades que unem e fortalecem nossas lutas”.

Edith van Walsum, diretora da ONG holandesa Ileia, lembrou que seu país é o 2º maior importador de soja do Brasil. “A China, um país 100 vezes maior que a Holanda, é o único importador de soja a nossa frente”. Frente a essa realidade, ela colocou a questão: “O que fazemos com tanta soja num país tão pequeno?”. E respondeu:“Produzimos leite de gado e carne de porco e nos tornamos o maior exportador de produtos lácteos do mundo”. “Isso não é sustentável”, concluiu. Com esse raciocínio, van Walsum justificou a necessidade de um movimento agroecológico de escala planetária capaz de transformar radicalmente a ordem dominante nos sistemas agroalimentares modernos que concebem o alimento como outra mercadoria qualquer a ser transacionada nos mercados globalizados.

Para ela, “um movimento global como esse dependerá do fortalecimento de movimentos nacionais e locais como o que vocês têm aqui no Brasil. É necessário estar ‘globalmente conectados, localmente enraizados’ como diz o lema da Rede AgriCulturas, composta por organizações do campo agroecológico de países da Europa, África, Ásia e América Latina. Aqui, a AS-PTA é a organização que apoia a conexão entre o movimento agroecológico brasileiro e a Rede AgiCulturas. Com base nessa conexão, divulgamos experiências brasileiras em revistas publicadas em inglês, espanhol, francês, chinês e em línguas locais da Índia para um público de mais de um milhão de pessoas de 150 países. Olhamos para a agroecologia no Brasil como uma fonte de inspiração. Esse encontro é um exemplo da força desse movimento construído de baixo para cima”.

A referência brasileira

Em sua saudação ao III ENA, Olivier de Shutter ressaltou o importante papel que o Brasil tem a desempenhar no cenário internacional no campo da institucionalização da agroecologia. Para ele, o debate que a comunidade internacional tem feito para a definição dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável que serão adotados a partir de setembro de 2015 em substituição aos Objetivos do Milênio é uma oportunidade única para a inserção da agroecologia na agenda política dos países. Cada país deve instituir um Plano de Ação que terá sua execução monitorada com a participação da sociedade civil.

Ao encerrar o painel, Onaur Ruano, diretor do departamento de geração de renda e agregação de valor do Ministério do Desenvolvimento Agrário concordou com a importância da mobilização da sociedade civil para que mudanças nesse sentido aconteçam. Lembrou que tanto a instituição do Ano Internacional da Agricultura Familiar, pela ONU, quanto da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, pelo governo brasileiro, são expressões da pressão das organizações da sociedade. O Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica é um caminho importante para a internalização da agroecologia nas políticas públicas. Mas o avanço na direção das propostas que estão sendo debatidas no III ENA dependerão da contínua articulação de movimentos sociais dentro e fora do Brasil.

Veja a Carta política do III ENA.