Em quatro dias de programação, indígenas, quilombolas, agroextrativistas, agricultores e agricultoras familiares estiveram reunidos/as durante a primeira edição do Encontro Paraense de Agroecologia, com o tema ‘Agroecologia, tecendo redes por soberania alimentar e popular nos territórios Amazônicos’. A atividade, realizada no período de 22 a 25 de março, em Santarém, reuniu cerca de 200 pessoas vindas dos territórios da Transamazônica/Xingu, BR 163/Tapajós, Baixo Amazonas, Nordeste Paraense/Baixo Tocantins.

Um dos principais objetivos do encontro foi o de fomentar uma rede estadual em torno da agroecologia que, a partir do evento, passou a ser denominada de Articulação Paraense de Agroecologia. A programação iniciou com uma mesa de abertura sobre a conjuntura e sua relação com a agroecologia e o Bem Viver.

Maria Emília Pacheco, do Grupo Nacional de Assessoria da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) e do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), destacou o retorno de programas sociais que garantem os direitos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais e a importância de fortalecer ações de políticas públicas voltadas à soberania e segurança alimentar e nutricional. “Nesse momento é importante falar da construção do espaço que está sendo retomado, assim como o retorno do Bolsa Família, uma diferença muito grande em relação ao Auxílio Brasil, que o último governo tinha criado. Na perspectiva de colocar a participação social na centralidade, temos agora o retorno do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e já se anuncia para os primeiros dias de abril a recriação da Comissão Nacional de Agroecologia e o processo de reconstrução do Plano Nacional de Agroecologia”.

Para Letícia Tura, diretora da FASE e representante da ANA Amazônia, “a agroecologia na Amazônia não começou agora, vem desde os povos tradicionais, dos povos originários. Nas últimas décadas, ela vem se tornando um modo de vida e vai além de práticas e de uma mudança no padrão tecnológico, é um projeto de sociedade. A agroecologia é a defesa dos territórios, é o combate ao racismo, é a defesa do feminismo, é a articulação entre a preservação da floresta amazônica e a qualidade de vida das populações que vivem na floresta e da floresta, é a garantia da soberania alimentar e nutricional, e a soberania dessas populações sobre seus territórios”.

Encontro Paraense de Agroecologia, em Santarém (PA), realizado no período de 22 a 25 de março 2023. Foto: João Paulo Guimarães

De acordo com Sara Pereira, coordenadora da FASE Amazônia, viver a agroecologia na Amazônia é sinônimo de diversidade e pluralidade. “Embora a gente esteja na Amazônia, que tem a floresta como o seu principal elemento, mas a floresta é apenas um dos elementos que compõem esse cenário que é também das águas, do campo e das cidades. É nessa diversidade que a agroecologia se fortalece não somente como um sistema produtivo, mas sobretudo, como um modo de viver dos povos amazônidas a partir das suas diversas culturas e tradições”, considera.

Encontro debateu a importância da valorização das sementes crioulas o combate ao uso de agrotóxicos. Foto: João Paulo Guimarães

Semeando resistência

Durante o último dia foi realizada troca de sementes crioulas, também chamadas de sementes da paixão. Uma diversidade de sementes de espécies frutíferas, manivas, tubérculos e florestais nativas da Amazônia foram expostas durante a feira de sementes.

Elixir paregórico, terramicina, plasil, seringa, espinheira santa, babosa, moringa, olho de boi, abóbora, fava branca, maxixe cabeludo, mucuna preta, feijão manteiguinha, feijão vermelho, feijão de porco, feijão caupi crioulo, feijão guandu, chicória, manjericão, cebolinha, pimenta malagueta, pimenta do reino, urucum, limão cidra, gengibre mamão, milho crioulo, castanha do Pará, muruci, mamão família, cumaru, açaí, graviola, ingá, acerola, graviola, maracujá, maracujá do mato, ata, banana roxa, banana grande, cupuaçu, tucumã, macaxeira, macaxeirinha, cará roxo, pupunha e girassol foram algumas das variedades trazidas pelos guardiões e guardiãs das sementes que garantem a vida nos territórios.

Um formulário entregue a cada participante da feira ajudará no registro de todo o material disponibilizado. “Nós criamos um formulário para sistematizar as informações da diversidade de sementes. Após contabilizarmos, vamos dar visibilidade a todo esse conteúdo”, explica Samis Vieira, educador da FASE Amazônia.  

Para os guardiões e guardiãs de sementes, o cultivo das sementes crioulas ultrapassa a cultura alimentar, também representa uma luta política de perpetuação da vida, de resistência ancestral; é uma prática de gerações que atravessa histórias e garante segurança alimentar e nutricional às populações do campo, das florestas, das cidades e das águas, já que são sementes não transgênicas, livres de veneno.

Articulação de Agroecologia

De acordo com Fábio Pacheco, representante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) na Amazônia, o encontro simboliza uma formalidade para a criação da rede, já que as entidades paraenses que atuam pela agroecologia já trabalham há bastante tempo em rede. “A criação da Articulação Paraense de Agroecologia consolida um pouco a caminhada de todas as organizações do Pará que trabalham e militam há tempos com a agroecologia. Ter uma rede de agroecologia para a Amazônia é muito importante porque vai continuar a fortalecer os processos e estabelecer novos que vão inspirar outros estados e vai fortalecer a nossa grande rede de agroecologia, que é a ANA Amazônia, fortalecer também a produção agroecológica, a resistência nos territórios, a comercialização justa, solidária e agroecológica e acima de tudo, os agricultores e agricultoras, os povos indígenas, comunidades quilombolas e comunidades tradicionais de toda a Amazônia”, diz.

“A construção da rede paraense de agroecologia é uma estratégia da maior importância. Na própria atuação dos movimentos sociais, nos projetos do Fundo Dema, na atuação das organizações sociais na Amazônia, trabalhar a agroecologia não se resume ao processo produtivo, a rede traz toda essa diversidade que é própria da nossa sociobiodiversidade, daí a importância que a rede tem, trazendo em um encontro como esse a importância de juntar a representatividade da nossa biodiversidade”, considera Graça Costa, presidenta do Comitê Gestor do Fundo Dema.

Encontro reuniu indígenas, quilombolas, agroextrativistas, agricultores e agricultoras familiares. Foto: João Paulo Guimarães

Ao fim do Encontro, a plenária aprovou uma Carta Compromisso que traz apontamentos sobre a agroecologia enquanto alternativa para a justiça socioambiental, climática, a segurança alimentar e nutricional e o combate à fome, além de garantir direitos políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais à toda a população.

O evento foi organizado por um conjunto de organizações da sociedade civil, entre elas, Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), Fundo Dema, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Pará (Fetagri), Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR-STM), Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (FEAGLE), Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), Movimento Camponês Popular (MCP), Instituto de Agroecologia Latinoamericano-Amazônico (IALA), Rede Jirau, Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (APACC), Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense (MNEPA), Associação de Mulheres Quilombolas Agroextrativistas da Comunidade Ramal do Bacuri (Raízes do Bacuri), Associação Quilombola do Baixo caeté África e Laranjituba (AQUIBAC), Associação dos Agroextrativistas, Pescadores e Artesãos do Pirocaba (ASAPAP), Associação de Mulheres trabalhadoras Rurais de Santarém (AMTR-STM), Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Município de Belterra (AMABELA), Guardiões do Bem Viver.

Acesse aqui a Carta Compromisso