Somos agricultores/as familiares e camponeses/as, ribeirinhos/as, extrativistas, extrativistas costeiros/as e marinhos/as, marisqueiros/as, pescadores/as, quilombolas, indígenas, povos e comunidades tradicionais, educadores/as, educandos/as, pesquisadores/as, técnicos/as, semeadores de futuros, mas que já colhem no presente. Somos militantes de diversos movimentos sociais que constroem a Agroecologia. Vivemos no nordeste e sudeste paraenses, na Transamazônica, no Xingu, na BR-163 e no Baixo Amazonas e apesar das distâncias que nos separam fisicamente, nos encontramos em Santarém, de 22 a 25 de março de 2023, no Encontro Estadual de Agroecologia, para partilhar saberes, fazeres, resistências e lutas que nos enredam e unificam.

Durante os dias de encontro, o tema “Agroecologia, tecendo redes por soberania alimentar e popular nos territórios amazônicos” motivou nossas reflexões e intercâmbio de experiências, considerando as riquezas dos territórios e maretórios amazônicos, expressas em alimentos, curas, artesanatos e outros ofícios, sociabilidades, místicas, cores e enfrentamentos que constituem os ricos repertórios culturais através dos quais reproduzimos nossos modos de vida. Entretanto, ameaças continuam a pairar sobre os territórios que ocupamos.

A produção industrial de grãos, a pecuária, a mineração em larga escala e o garimpo ilegal, a exploração madeireira, a pesca industrial, a construção de hidrovias, ferrovias, portos, hidrelétricas e outras infraestruturas no interesse de corporações capitalistas que contribuem para a violação de direitos e perda da cultura alimentar se impõem em negação às vidas amazônicas e, recorrentemente, com o apoio do Estado.

A violência contra a qual lutamos desde sempre, recrudesceu nos últimos anos, presente nos novos cercamentos que não diferem daquele que emergiu no advento do capitalismo e continua a nos violentar ainda hoje, embora assumindo novas formas. Velhas ameaças recebem novas roupagens: os mesmos interesses empresariais de sempre são apresentados sob jargões publicitários como bioeconomia e economia verde. A floresta não representa somente oportunidades no mercado de carbono. Sua perda, notabilizada no debate público, consiste também na perda de uma das bases que sustentam sistemas produtivos tradicionais na Amazônia.

O resultado dessas violências é a expropriação dos territórios de produção familiar e reconcentração de terra, a contaminação simultânea do solo e das águas com agrotóxicos, mercúrio e outros contaminantes e, consequentemente, a redução das áreas de produção de alimentos tradicionais e saudáveis, com impactos severos para a saúde humana e ambiental.
Diante de tais ameaças, não estamos dispostos a negociar com os mandantes da morte e resistimos nos mantendo vivos. Somos produtores de alimentos saudáveis e relações sociais justas. Somos fazedores de territórios livres de agronegócio, mineração, hidronegócio e bionegócio. Há em nossos territórios uma construção coevolutiva milenar em que participam seres humanos e natureza. O fazer agroecológico é ancestral, sendo a essência de modos de vida tradicionais na Amazônia que incluem o extrativismo e têm dialogado nas últimas décadas com os saberes trazidos de outras regiões pela forte presença migrante.

Nas terras indígenas, reservas extrativistas, nos territórios quilombolas, nos assentamentos da reforma agrária e nos acampamentos de luta pela terra são produzidos alimentos agroecológicos que estão na mesa dos paraenses. Durante a pandemia, a produção familiar ajudou a reduzir a fome de milhares de famílias em todo o estado. Frutos de organização coletiva, essas experiências reafirmam a Agroecologia como estratégia para o enfrentamento à fome, garantindo o abastecimento alimentar dos municípios e promovendo soberania alimentar no estado.

Estamos presentes nas feiras, na alimentação escolar e em outros circuitos curtos de comercialização, nas agroflorestas, no combate ao uso de agrotóxicos, na criação de abelhas, na homeopatia da terra, na conservação das variedades tradicionais de cultivo e da sociobiodiversidade, na luta pela terra e pela autodemarcação.
Não abrimos mão de nossas construções coletivas e aprendemos com a pedagogia dos territórios a agroflorestar as fronteiras esgarçadas pelo capital. Assim, assumimos a Agroecologia como parte estruturante de um projeto de sociedade que tenha a vida como centro e a soberania como princípio do exercício de poder popular nos territórios amazônicos.

No Pará, o rio da Agroecologia tem muitas nascentes, muitas fontes que deságuam no movimento agroecológico, convergência de uma pluralidade de lutas dos movimentos sociais. São muitos os desafios, mas a resiliência coletiva que nos fez chegar até aqui nos permite projetar o futuro por meio de uma nova construção: uma articulação que conecta diversas experiências, coletivos e redes que resistem em todo o estado.
Assim, compreendendo que defender a Agroecologia é construir e defender os territórios, nos comprometemos, enquanto Articulação Paraense de Agroecologia, a:

  • Defender os direitos territoriais amazônicos a partir das múltiplas dimensões de existência, assegurando a consulta livre, prévia e informada sobre projetos que incidem em nossos territórios;
  • Lutar contra a expansão do agronegócio, da mineração, do hidronegócio e do bionegócio;
  • Lutar pelo livre acesso e uso da biodiversidade que, em boa medida, construímos historicamente, além de defender nossas estratégias de gestão dos bens comuns;
  • Salvaguardar a sociobiodiverdade e assegurar a proteção dos conhecimentos tradicionais associa- dos, assegurando a soberania popular sobre os recursos genéticos;
  • Defender as sementes e mudas de variedades crioulas como patrimônios da humanidade e meios de reprodução da vida;
  • Valorizar as diversas culturas alimentares amazô- nicas como dimensão estruturante da soberania e segurança alimentar e nutricional;
  • Contribuir para a promoção do direito humano à alimentação e nutrição adequadas;
  • Fomentar a produção de alimentos saudáveis e com preço justo, preferencialmente através de circuitos curtos de comercialização;
  • Lutar por equidade de gênero e reafirmar a importância do feminismo na construção da Agroecologia;
  • Lutar contra o racismo, considerando a diversidade socioecológica e étnico-cultural dos territórios;
  • Reconhecer o protagonismo e a importância das juventudes na construção da Agroecologia;
  • Reconhecer os povos originários como construtores de sistemas de produção geradores de soberania alimentar;
  • Fortalecer a educação em Agroecologia dentro e fora das instituições de ensino a partir da educação popular;
  • Promover intercâmbios de experiencias e vivências agroecológicas coletivas;
  • Combater todo e qualquer uso de agrotóxicos e transgênicos;
  • Fomentar práticas coletivas de saúde a partir de saberes populares ancestrais;
  • Articular a construção de políticas públicas que fortaleçam os territórios agroecológicos e que promovam práticas agroecológicas;
  • Construir e fortalecer alianças entre entidades, instituições e coletivos agroecológicos, entre o campo e a cidade e em defesa dos territórios;
  • Lutar pela titulação coletiva dos territórios;
  • Apoiar e construir iniciativas de proteção da vida e da integridade física de militantes sociais e defensores dos direitos humanos;
  • Lutar contra o trabalho escravo;
  • Lutar pela democratização da comunicação;

    Defendemos esses compromissos na perspectiva de, em meio à diversidade de lutas, construirmos unidade por meio da Agroecologia. Nos encontramos e nos percebemos como terras, florestas e águas que se somam em rede embalada pelos movimentos e por lutas tecidas em tantas redes territoriais que nos fortalecem e que nos unem em defesa de uma Amazônia agroecológica.

Nós somos a Agroecologia!
Santarém, Pará 25 de março de 2023

Articulação Nacional de Agroecologia da Amazônia (ANA Amazônia)
Assentamento São Francisco/Eldorado dos Carajás
Associação Agroextrativista Sementes da Floresta (AASFLOR)
Associação dos Artesãos e Artesãs das Comunidades de Nova Pedreira, Vista Alegre, Coroca, Rio Arapiuns (AARTA)
Associação de Defesa dos Direitos Humanos e Meio Ambiente na Amazônia (ADHMA) Associação de Mulheres Agricultoras Rurais do Município de Belterra (AMABELA) Associação de Mulheres Quilombolas Agroextrativista da Comunidade Ramal do Bacuri (RAÍZES DO BACURI)
Associação de Mulheres Campo e Cidade de Barcarena (AMCCB)
Associação das Mulheres Rurais de Itaituba (ASMURITA)
Associação de Mulheres Agricultoras Familiares de Mojuí dos Camplos – Flores do Campo Associação de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós (AMIST)
Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Município de Santarém (AMTR) Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (APACC)
Associação Unidade e Cooperação para o Desenvolvimento dos Povos (UCODEP) Associação de Produtores de Hortifrutigranjeiros de Produção Familiar do Pará (APH) Associação dos Produtores Rurais e Criadores de Peixes da Comunidade de Coroca rio Arapiuns (APRUCIPESC)
Associação das Famílias da Casa Familiar Rural do Lago Grande do Curuai
Associação de Moradores e Trabalhadores Rurais Agroextrativistas da Comunidade Maranhão (ASMOCMA)
Associação de Moradores Arco-íris – PA Ipiranga
Associação dos Moradores do Pérola do Maicá
Associação Quilombola do Baixo Caeté – África e Laranjituba (AQUIBAC)
Associação dos Agroextrativistas, Pescadores e Artesãos do Pirocaba (ASAPAP) Associação dos Agricultores Familiares do Batata (ASAFAB)
Associação Comunitária Menino Jesus
Associação dos Remanescentes do Quilombo da Nazaré do Airi (ARQNA)
Associação Clube de Mães Unidas de Placas (CMUP)
Associação Agroextrativista dos Moradores de Ajó (AMA)
Associação Tapajós Orgânico
Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária (CEAPAC)
Cooperativa Agroindustrial da Transamazônica (COOPATRANS)
Cooperativa de Extração e Desenvolvimento Agrícola de Barcarena (CEDAB)
Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (MALUNGU)
Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros Marinhos (CONFREM)
Comunidade Alto Bonito/Viseu
Comunidade Camiri/Igarapé Miri
Comunidade Mariana/Viseu
Comunidade Quilombola Jacarequara/Santa Luzia do Pará
Comunidade Quilombola Camiranga/Cachoeira do Piriá
Comunidade São Geraldo/Santarém
Comunidade Traíra 03/Santarém
Comunidade Cabeceira do Marco/Santarém Comunidade Bom Futuro/Santarém
Comunidade São Geraldo/PAE Lago Grande Comunidade do Retiro/PAE Lago Grande Comunidade Bom Jardim/PAE Lago Grande Comunidade Nazário/Resex Tapajós Arapiuns Comunidade do Engenho/Resex Tapajós Arapiuns Conselho Tapajós Arapiuns (CITA)
Comunidade Terra Preta dos Viana/Santarém
Comunidade Quilombola Médio Itacuruçá/Abaetetuba
Comunidade Moju Miri/Moju
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)
Escola de Formação para Jovens Agricultores (ECRAMA)
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)
Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS)
Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (FEAGLE)
Frente em Defesa dos Territórios
Fórum Regional de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará
Fundo Dema
Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Pará (FETAGRI)
Guardiões do Bem Viver
Grupo de Trabalhadoras Artesanais e Extrativistas do Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira (GTAE)
Instituto de Agroecologia Latino Americano Amazônico (IALA)
Instituto Zé Cláudio e Maria
Meli Bees Network
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Movimento Camponês Popular (MCP)
Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB)
Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense (MMNEPA)
Movimento de Mulheres de Uruará Campo e Cidade (MMUCC)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Núcleo de Agroecologia do Campus Rural de Marabá, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará
Núcleo de Agroecologia e Educação do Campo, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará Núcleo de Agroecologia e Bem Viver na Amazônia, da Universidade Federal do Oeste do Pará Organização das Associações e Moradores da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns (Tapajoara) Rede Bragantina de Economia Solidária
Rede Jirau de Agroecologia
Rede de Agroecologia do Trairão
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadores Rurais de Trairão
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Maracanã
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Igarapé Miri
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Itaituba
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Mojuí dos Campos
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar de Monte Alegre
Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Município de Rondon do Pará

*Texto produzido coletivamente pelos participantes do Encontro Paraense de Agroecologia, em Santarém (PA), realizado no período de 22 a 25 de março 2023.