Vídeos condecorados pelo Prêmio #AHistóriaQueEuCultivo trazem vozes de mulheres que lutam em defesa da agrobiodiversidade
A luta pela preservação da agrobiodiversidade no Brasil conta com muitas mulheres na linha de frente, seja no campo, nas cidades, nas florestas, enfim, em todos os lugares. Não é possível fazer agroecologia sem considerar a vida das mulheres¹. As agricultoras familiares, indígenas, quilombolas, dentre outras, têm uma contribuição histórica na agricultura e na defesa do meio ambiente. Além dos cinco vídeos vencedores do Prêmio #AHistóriaQueEuCultivo², um de cada região do Brasil, o concurso, idealizado pela Grupo de Trabalho (GT) Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), condecorou 15 produções na categoria “Histórias Locais”³.
“Dos mais de 100 vídeos recebidos, a maioria foi enviada por mulheres, representadas em uma imensa diversidade de comunidades e de modos de vida, em uma abundante agrobiodiversidade. Suas histórias evidenciam o quanto o movimento agroecológico ganhou, em especial nos últimos anos, com a incorporação profunda e enraizada do feminismo”, afirma Naiara Bittencourt, que integra o GT Biodiversidade da ANA e a Terra de Direitos.
As falas de mulheres nos vídeos abordaram temas como alimentação, saúde, plantas medicinais, geração de renda, cultura, dentre outros. Sarah Luiza Moreira, do Grupo de Trabalho (GT) Mulheres e do Núcleo Executivo da ANA, ressalta a importância de mostrar rostos, vozes e histórias de mulheres que constroem a agroecologia. “É uma forma de lutar contra a invisibilidade histórica delas. É um caminho para valorizarmos o trabalho na terra, o trabalho doméstico e de cuidados realizado por elas. Ao mesmo tempo, é uma maneira de convocar todas as pessoas para o reconhecimento e o compartilhamento de responsabilidades. Fazer agroecologia é também lutar contra o machismo, o racismo e contra todas as formas de violência contra as mulheres. Por isso, afirmamos que ‘Sem feminismo não há agroecologia’”, afirma.
Trabalho e visibilidade
Maria da Conceição, a Dona Lia, de Acaiaca, Minas Gerais, adora “trabalhar na terra”, tendo o “dom de guardar sementes crioulas”. Em seu vídeo, ela destacou que não usa agrotóxicos em sua plantação, fazendo um alerta sobre o perigo das “sementes compradas”, pois essas podem ser transgênicas. “Semente envenenada é doente, semente crioula é sã”, diferenciou.
Mas os perigos de contaminação de sementes nativas são altos, o que reforça ainda mais o importante papel de pessoas e grupos que se mobilizam pela preservação da agrobiodiversidade. Dona Lia, por exemplo, integra um movimento de mulheres em sua região que conta com o apoio do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM). A agricultora ressalta ainda a importância de dar visibilidade ao trabalho das mulheres na agricultura familiar. “As agricultoras devem ser mais valorizadas. Contribuímos e muito para uma alimentação saudável a partir dos nossos quintais produtivos”, disse Lia, que “se criou, casou e criou sua família na roça”. “Como agricultora, sou muito feliz. A gente precisa defender nossa raiz, que é de onde tiramos nossa alimentação”, completa.
Luiza Bezerra, mais conhecida como Lita, é outra que demonstra a força das mulheres na agricultura familiar. Ela é guardiã de sementes crioulas, dentre as quais estão cabras das raças canindé e landi, herdadas de sua mãe. O leite dos animais garantiu o sustento da família na comunidade Serra Velha, em Itatuba, Paraíba. Todo o conhecimento de Lita foi repassado de geração em geração, como ela conta: “Recordo, com emoção, meus cinco anos de idade, vendo meus pais sendo cuidadosos com a biodiversidade, guardando tanta semente, nunca sai da minha mente, é eterna a saudade”, declama Lita, que também é poetisa e integrante do Fórum de Lideranças do Agreste (Folia).
Saúde e meio ambiente
A ativista Ana Maria Ramos descobriu o quanto as parteiras sabiam a respeito de plantas medicinais quando chegou a Porto Velho, Rondônia, para trabalhar com saúde comunitária. As plantas utilizadas curavam diversas doenças, garantindo principalmente a saúde das mulheres. Após anos de trabalho e ativismo na região, ela se mostra preocupada com a preservação de todo esse conhecimento que, caso não seja valorizado pelas novas gerações, poderá ser perdido.
Mayô Pataxó, de Ubaporanga, Minas Gerais, também falou em seu vídeo sobre alimentação e saúde. Ela guarda e cultiva a mandioca cacau, com a qual produz farinha, e o urucum, que utiliza tanto na alimentação como em remédios caseiros. Outra contribuição de Mayô é a criação dos chamados espirais de ervas medicinais. “São um símbolo da medicina tradicional indígena”, explica. Mayô conta que, junto de outras mulheres, ofereceu oficinas para comunidades atingidas por crimes ambientais como os rompimentos de barragens de mineração em Mariana e Brumadinho. “Me emociono em lembrar. A força da medicina indígena e das comidas sagradas ajudou muitas pessoas”, relata.
Assim como Ana Maria e Mayô, Lucely Moraes Pio, da Comunidade Quilombola do Cedro, em Mineiros, Goiás, se empenha em passar seus conhecimentos para as próximas gerações. Ela, que transformou a área de um antigo canavial em um bosque com espécies nativas do Cerrado, está construindo um espaço agroecológico com frutas e plantas medicinais. Guardiã da natureza, Lucely compartilhou um sonho: dar aulas para crianças. “Quero trazer as pessoas para o bosque, é um espaço do coração”, diz.
Cabe lembrar que o Prêmio #AHistóriaQueEuCultivo prestou homenagem à Emília Alves Manduca (em memória), animadora de sementes crioulas no Mato Grosso. Mulher negra, mãe de quatro filhos, avó de três netos, a militante levantou a bandeira da reforma agrária, da agroecologia, dos direitos das mulheres, contra os agrotóxicos, em defesa das águas, da educação no campo, do cooperativismo, dentre outras.
[1] Em “Sem feminismo não há agroecologia”, Carta Política do IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA).
[2] Confira mais vídeos condecorados pelo Prêmio aqui.
[3] Texto: Gilka Resende e Luiza Cilente.