O secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Denis Monteiro, explica as propostas elaboradas por redes e movimentos populares do campo e deputados/as progressistas a serem incorporadas ao Projeto de Lei Emergencial da Agricultura Familiar, que será votado no próximo dia 25.
Por: Viviane Brochardt/Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
ÁUDIO COMPLETO DA ENTREVISTA – DENIS MONTEIRO
Na próxima quinta-feira, 25.06, na Câmara dos Deputados, será votado o Projeto de Lei Emergencial da Agricultura Familiar. Redes e movimentos populares do campo e deputados/as progressistas elaboraram um conjunto de propostas a serem incorporadas ao PL Emergencial, que visa apoiar a agricultura familiar e camponesa durante o período de calamidade pública ocasionado pela pandemia do coronavírus.
Essas proprostas são matéria de cerca de 23 projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, entre eles o PL 886/2020, de autoria de Padre João (PT/MG) e outros 12 deputados/as, e o PL 735/2020 , de autoria de Enio Verri (PT/PR) e outros 46 deputados/as. Todas as proposições legislativas para a agricultura familiar serão analisadas, na próxima quinta-feira, sob o “guarda-chuva” do PL 735/2020, que será apreciado pelo Plenário da Câmara em regime de urgência.
Denis Monteiro, agrônomo e secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), explica as propostas e defende a importância da mobilização social em torno do PL Emergencial para que deputados e deputadas federais votem a favor. A entrevista completa está no informe especial produzido pela ANA, disponível abaixo.
“Nós estimulamos que todas as pessoas e organizações que apoiam a agricultura familiar procurem os deputados e as deputadas federais de seus estados, pressionem os políticos locais para que, na próxima quinta-feira, 25, quando o PL Emergencial da Agricultura Familiar for apreciado na Câmara dos Deputados, os parlamentares votem a favor das propostas elaboradas pela redes e movimentos sociais do campo”, esclarece Denis Monteiro. “Vai depender muito de nossa capacidade de mobilização e de pressionar e fazer valer nossos direitos para aprovar essa política pública tão importante pro campo no Brasil”.
As proposições populares estão organizadas em quatro eixos: fomento à atividade agropecuária familiar e crédito em condições especiais; criação do Programa de Aquisição de Alimentos Emergencial (PAA-E); ações específicas para o apoio a mulheres agricultoras e solução do endividamento da agricultura familiar e camponesa.
O valor proposto para o fomento às atividades produtivas é de até R$ 5 mil e, no caso das mulheres, de até R$ 10 mil. Há também a possibilidade de cooperativas e associações acessarem até R$ 200 mil. “Esses são recursos não reembolsáveis, destinados a aumentar a produção. Para isso, é necessário investir na estruturação das unidades produtivas familiares, a exemplo de processos de beneficiamento dos alimentos”, explica Monteiro.
A linha de crédito de custeio emergencial é destinada ao financiamento dos alimentos, com crédito de até R$ 20 mil por cada beneficiário, com juros zero, prazo de carência de cinco anos para começar a pagar a dívida e prazo de reembolso de 10 anos. No caso de coletivos e grupos de mulheres, a proposta é que o crédito possa ser de até R$ 50 mil por grupo.
Para o agrônomo, a política de fomento é importante, entre outros motivos, porque os juros do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), anunciado a semana passada pelo governo federal, estão em 2,75%. “São juros altos, acima da taxa Selic. Infelizmente, vão contribuir ainda mais para que o número de agricultores e agricultoras familiares que acessam o Pronaf seja ainda menor e que o financiamento seja muito focado na produção de soja e de milho para ração animal, favorecendo as cadeias de exportação vinculadas ao agronegócio, não favorecendo a produção diversificada de alimentos saudáveis para o mercado interno e para abastecer os programas públicos. Por isso, a proposta dos movimentos para o fomento é direcionada aos agricultores e agricultoras de mais baixa renda, que estão no campo e produzem os alimentos consumidos nas cidades. Esses agricultores são a grande massa de agricultores familiares no Brasil”.
Outro grupo de propostas busca solucionar as dívidas já contraídas pela agricultura familiar. Prevê uma moratória de três anos de todas as dívidas de agricultores e agricultoras familiares e cooperativas dessa categoria. Após esse prazo, a dívida seria parcelada por 10 anos com revisão de valores e encargos. “Essa proposta é bem importante para que agricultores e agricultoras que têm dívidas não fiquem excluídos do acesso às políticas públicas”, defende Monteiro.
O eixo de ação relativo ao PAA Emergencial trata da simplificação dos procedimentos administrativos. O objetivo é que o governo possa comprar a produção da agricultura familiar e fazer a doação desses alimentos para organizações que prestam assistência alimentar a famílias de baixa renda. As modalidades propostas para o PAA Emergencial são a “Compra Direta” e o “Apoio à Formação de Estoques”. Devem ser considerados o limite anual de compra por unidade familiar de até R$ 10 mil, a participação de, no mínimo, 50% de mulheres e que estados e municípios fiquem autorizados a contratar diretamente das organizações da agricultura familiar.
“A gente está vivendo um momento em que há grande incerteza em relação aos mercados de alimentos para os próximos meses. A agricultura familiar já sofreu um impacto grande com a suspensão das feiras, a interrupção, em muitos estados e municípios, da compra institucional pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar, o PNAE, com o fechamento de restaurantes etc. Então, há perdas que foram se acumulando ao longo desses meses e uma incerteza de como se comportará o mercado de alimentos nos próximos três, seis meses ou um ano. O Estado precisa sinalizar para a agricultura familiar que haverá apoio efetivo. Esse apoio significa que haverá programas de compras públicas, como o PAA Emergencial”, afirma o representante da ANA.
No final de abril, o governo federal anunciou a liberação de R$ 500 milhões para o PAA, valor considerado insuficiente pelos movimentos . No documento “Programa de Aquisição de Alimentos: Comida Saudável para o Povo”, assinado por mais de 800 organizações, redes e movimentos do campo e da cidade, a reivindicação é pela liberação de R$ 1 bilhão, até o final deste ano, e de R$ 3 bilhões, até 2021.
A aprovação do PL Emergencial, considerando as propostas e valores apresentados pelo grupo de redes e movimentos populares e parlamentares progressistas, é importante também para os consumidores e consumidoras de alimentos residentes nos grandes centros urbanos. O planejamento da produção no campo se reflete na disponibilidade e preço dos alimentos que chegam às cidades. Denis Monteiro defende que os recursos públicos aplicados na agricultura familiar são investimentos na segurança alimentar de toda a população. “A agricultura precisa planejar e semear todo dia. Precisa tomar decisões se vai ampliar ou não a área de produção e o criatório. Então, o Estado precisa sinalizar com políticas públicas de apoio. Caso contrário, podemos ter problemas para a segurança alimentar e nutricional, não só das pessoas que estão em dificuldade econômica, mas também das pessoas nas cidades que terão dificuldade de acessar determinados tipos de alimentos”.
O estímulo à produção neste período de pandemia já tem apresentado reflexos nos preços. “A gente tem visto que o preço dos alimentos segue subindo. A inflação nos últimos 12 meses foi de 1,88%, mas a inflação dos alimentos chegou a perto de 5%. A gente viu, só nos últimos três meses, alimentos como arroz, feijão, cebola e ovos terem aumento de preço”, explica.
“Corremos, então, um risco real de, nos próximos meses, caso não haja políticas públicas consistentes, direcionadas à agricultura familiar, que produz a maior parte dos alimentos que a gente consome, termos o preço da comida subindo e o desabastecimento de alguns itens e mercados. Não quer dizer que haverá prateleiras vazias, mas alguns itens podem começar a faltar se não houver estímulo à produção da agricultura familiar. Então, políticas públicas são importantes. O PL Emergencial trata disso, visa gerar demanda pelos alimentos produzidos pela agricultura familiar e criar as condições para que agricultores e agricultoras possam plantar, cuidar de seus pomares, ampliar suas hortas, plantar o roçado, porque terão a garantia de que poderão comercializar a sua produção”, conclui o secretário executivo da ANA.