Por Florence Poznanski e Eduardo Sá

As manifestações culturais e políticas dos povos afro e indígenas deram o tom da plenária de abertura do IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), na noite de ontem (31), em Belo Horizonte (MG). Suas vestimentas, pinturas, rezas, costumes e modos de ver a vida foram dançados e cantados junto aos participantes do evento. Toda a mística girou em torno dos alimentos, que foram partilhados com o público. O objetivo foi destacar as lutas e resistências desses povos tão importantes para a preservação do meio ambiente e construção da agroecologia.

Indígenas dos povos Krenak, Pataxó, Xakriaba e Caxixó protestaram contra as mineradoras que estão ocupando e devastando seus territórios. “Dizem que somos o terceiro mundo, mas aqui somos os primeiros. Minas Gerais conta com 12 povos e 20 mil indígenas dos 800 mil no Brasil!”, disse Célia, do povo Xakriabá. A cultura de matriz africana também animou a abertura com a participação de benzedeiras e rezadeiras, além dos povos de terreiro e o congo de moçambique do Grupo 13 de maio. O batuque e a defumação marcaram o ponto da Casa de Caridade do Pai Jacob Oriente, que alertou sobre a importância de os governantes escutarem a suas vozes e o povo entender o sentido que o território tem para eles. “A gente precisa desses movimentos, que isso se torne uma constante. O respeito, toda forma de aceitação dos povos originários. O reconhecimento do poder público que somos os verdadeiros cuidadores e zeladores desse território, que alimenta o nosso espiríto e a nossa matéria. Voltar a terra para as mãos de quem sabe lidar com a natureza em harmonia”, afirmou a liderança do grupo.

Muitos participantes foram benzidos com folhas pelas rezadeiras. “As plantas medicinais não curam só as doenças do corpo, também da alma. A indústria farmacêutica está patenteando nossas plantas medicinais”, disse uma representante. Em nome dos indígenas de Minas Gerais, Shirley dos povos Krenak contou os mitos em relação ao surgimento da agricultura. No conflito entre o espiríto humano e o da terra, Tupã, a divindade maior, mostrou a dependência entre eles e apaziguou: aprovou a geração de frutos ao homem, desde que a terra não seja degrada.

Um ENA de muitos desafios para enfrentar os retrocessos

Resistir é a palavra de ordem dos povos que participam do IV ENA | Foto: Cecília Figueiredo

Como se cultiva a terra, cuidando de cada passo, antes de se alimentar de seus frutos é como o ENA se constroi, partindo de encontros em cada comunidade, estado e região. Caravanas organizadas atravessaram milhares de quilômetros para chegar em Belo Horizonte, carregando mulheres, crianças, sementes, agricultoras, agricultores, alegria e poesia. Diferente dos três primeiros Encontros – Rio de Janeiro, em 2002, Recife, em 2006 e Juazeiro, em 2014, que foram realizados em períodos de conquistas do povo brasileiro e contribuíram para implementação de importantes políticas públicas, o IV ENA é o primeiro que acontece em um período de retrocessos e perdas de direitos.

Em 2014, o Brasil saía do mapa da fome, enterrando finalmente as lembranças das milhões de mortes contabilizadas desde os anos 80. Hoje “o flagelo da fome volta nas manchetes”, conforme denuncia a carta política elaborada pelo  núcleo executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). A carta alerta ainda que o golpe que destituiu a Presidenta Dilma Rousseff, democraticamente eleita, foi sucedido por uma sequência de desmontes de políticas públicas conquistadas pelo povo. Além disso, a violência no campo se expandiu, com assassinatos de trabalhadoras e trabalhadores sem terra, indígenas, pescadores.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2017, foram registrados 70 assassinatos no campo, o dobro da década anterior. Uma violência sistematicamente silenciada pela mídia, que desinforma e despolitiza o povo. Nesse sentido, todas as entidades participantes do IV ENA se unem para denunciar o Golpe e defender eleições livres e democráticas, garantindo ao ex-presidente Lula o direito de se candidatar.

Unindo o campo e a cidade

Além de fazer o balanço sobre o desmonte das conquistas no campo da agroecologia e organizar a rede de resistência e de articulação dos produtores de todo o Brasil nos últimos anos, o IV ENA é o primeiro a acontecer em praça pública, com o objetivo de propiciar um diálogo maior entre o campo e a cidade. A importância de recolocar a produção agroecológica de alimentos nas redes de abastecimento das grandes cidades será tratada por vários espaços do encontro. Os próximos dias contarão trabalhos de grupos divididos por biomas e por eixos temáticos, além do banquete que será servido, no próximo domingo (3/6), antes da manifestação pública em defesa da agroecologia e da democracia.

Construir o IV ENA demandou esforços redobrados para mobilização dos recursos e forças necessárias. As representantes da comissão organizadora estadual de Minas Gerais destacaram o quão importante foi a força desse coletivo, principalmente feminino e feminista,“que cooperou com solidariedade, teimosia, esperança. Somos todos responsáveis pelo sucesso desse encontro. Viva o IV ENA!!”, lembraram.

Edição: Luciana Rios

 

1 comentário

  • Gratidão a todas e todos que participam do ENA! Meu coração se encheu de alegria e certeza de que um outro Brasil já existe e precisamos cada vez mais ampliá-lo e consolidá-lo.
    Um Brasil de união, de amor, de alimentos saudáveis, de agroecologia, unindo o campo e a cidade!