Por Eduardo Sá
Caminhando lado a lado com o movimento agroecológico desde a década de 1980, as feiras da agricultura familiar com alimentos orgânicos e agroecológicos vêm se alastrando por todo o país e cumprindo um papel essencial na segurança alimentar e nutricional da população. Embora a pandemia tenha paralisado muitas delas, é necessário destacar seu papel fundamental num cenário de aumento de desemprego e fome no território nacional. Esse é mais um tema pautado pela campanha Agroecologia nos Municípios, realizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Diversos órgãos internacionais, como o Banco Mundial e a FAO/ONU, têm alertado sobre o retorno do Brasil ao mapa da fome. Já havia uma preocupação por parte de especialistas, devido ao desmonte de políticas públicas nos últimos anos, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que promoviam a segurança alimentar e nutricional da população. Mas, com a pandemia, o assunto se tornou mais grave. Frente ao cenário de aumento dos preços dos alimentos e de crescente desemprego, a agricultura familiar se revelou ainda mais importante, sobretudo para as camadas mais pobres da sociedade.
Com as escolas fechadas por causa do isolamento social e o cancelamento de muitas entregas do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), as feiras se configuraram um espaço fundamental para a sustentação de muitas famílias agricultoras. Sem acesso ao auxílio emergencial, devido aos vetos do presidente Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei 735, que visava estender o benefício a este setor, a vida de muitos agricultores e agricultoras tornou-se muito difícil.
De acordo com o Instituto Brasiliero de Geografia e Estatística (IBGE), no Censo Agropecuário de 2017, o último realizado, cerca de 3,9 milhões de estabelecimentos, envolvendo aproximadamente 10,1 milhões de agricultores (as) trabalhando diretamente neles, atenderam aos critérios e foram classificados como agricultura familiar, o que representa 77% dos estabelecimentos agropecuários levantados pelo censo. Esta parcela identificada, ocupava uma área de 80,9 milhões de hectares, ou seja, 23% da área total dos estabelecimentos agropecuários brasileiros.
No Cadastro Nacional dos Produtores Orgânicos constam mais de 23,3 mil produtores reconhecidos como orgânicos. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), não há dados oficiais específicos sobre as feiras de produtos orgânicos, somente os registros dos produtores, que são fiscalizados pelo órgão para o cumprimento das normas exigidas. De acordo com o Mapa das Feiras Orgânicas do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), existem no Brasil 846 feiras orgânicas ou agroecológicas, 50 comércios e 74 grupos de consumo responsável.
Histórico das Feiras Agroecológicas
O fenômeno integra diferentes denominações, como feiras orgânicas, ecológicas ou agroecológicas, segundo Laércio Meirelles, integrante do núcleo executivo da ANA e autor de livros sobre o tema. Apesar das suas singularidades nos estados e cidades do País, elas se multiplicam numa velocidade muito grande em todo território nacional, explica o pesquisador. Não estão mais restritas às organizações pioneiras e existem vários pólos históricos, como em Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Manaus (AM), Fortaleza (CE), Belém (PA), Recife (PE), dentre outros.
“Historicamente, muitas famílias se capitalizaram de maneira impressionante, através das feiras. A estimativa média, se calcularmos com base nos dados disponibilizados pelo governo, é que movimentamos perto de R$ 500 milhões no Brasil por ano com essas feiras, explica Meirelles. O cálculo é feito com base nas informações disponíveis no Mapa sobre as Organizações de Controle Social (OCS) e Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade (OPAC), que juntos somam cerca de 23,3 mil agricultores certificados. Se mais de 15 mil deles fazem feira, considerando uma média de R$ 1 mil com as vendas — em alguns lugares do País esse valor pode ser maior e em outros menor —, chega-se a esta estimativa anual de dinheiro circulando nas feiras.
“Do ponto de vista político, as feiras são espaços privilegiados de exposição da nossa proposta. Envolvem não só produção, mas também canais curtos de comercialização na perspectiva geográfica, aproximando agricultores de consumidores. Tudo isso de uma maneira mais autônoma, aproximando essas pontas que passam a compartilhar ideias e ideais”, afirmou Meirelles. Para ele, além do aspecto econômico, são as iniciativas que mais se alinham à proposta de um agroecossistema diverso, marca da agroecologia. E a diversidade de uma propriedade agroecológica encontra na feira o seu melhor espaço de comercialização, complementou o especialista.
O exemplo das feiras de Recife (PE)
Pernambuco é o segundo estado com a maior rede de feiras orgânicas do País, ficando atrás apenas de São Paulo, segundo informações do jornal Diário de Pernambuco. Possui cerca de 121 espaços agroecológicos em funcionamento, com 1.030 agricultores cadastrados no Mapa como produtores orgânicos. Em Recife, capital do estado, existem cerca de 40 feiras agroecológicas identificadas por organizações locais, algumas delas com até 50 barracas, como é o caso da feira da Praça de Casa Forte. Chegou a ter quase 50 feiras em espaços públicos e privados semanalmente, mas com a pandemia, muitas estão passando por dificuldades ou sendo fechadas.
A primeira de Recife foi o Espaço Agroecológico das Graças, criado em 1997, que acabou resultando em uma rede de cinco feiras na região. Fruto da mobilização de movimentos e ONGs junto aos agricultores (as), essas feiras compõem, hoje, a Rede Espaço Agroecológico, que envolve sete organizações de agricultores e mais de 200 famílias escoando, semanalmente, suas produções através das feiras e também de uma loja na capital.
De acordo com Davi Fantuzzi, ex-coordenador da Comissão de Produção Orgânica do Estado e assessor de mercados da ONG Centro Sabiá, o poder público precisa entender as feiras agroecológicas como equipamentos públicos de abastecimento alimentar e criar e direcionar políticas públicas para esses espaços, da mesma forma que direciona para os mercados públicos de Recife, por exemplo. Cerca de dez mercados espalhados pela cidade recebem estímulo da Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano, que apesar de também ser responsável pelas feiras, deixa a desejar no apoio a esses espaços de comercialização, explicou o assessor.
“As feiras carecem de segurança e infraestrutura básica, como banheiros. Também não há ações de incentivo e fomento aos agricultores envolvidos e nem de comunicação que divulgue esses espaços e que fortaleça o circuito das feiras”, acrescentou Fantuzzi.
Em 2018, com a mobilização das entidades, foi sancionada a Lei Estadual nº 16.320/2018, que regulamenta as feiras agroecológicas e orgânicas e é adequada às características locais dos agricultores. Respeita a auto organização, proíbe a privatização dos espaços das barracas, dentre outros fatores, mas ainda não foi regulamentada nem plenamente efetivada. Existe também um Plano Estadual de Agroecologia no Estado de Pernambuco e, no dia 08 de janeiro deste ano, o governo do estado sancionou a lei que institui a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica, que é uma demanda antiga dos movimentos locais.
Edição: Viviane Brochardt
Esta matéria foi originalmente publicada no site Mídia Ninja. Para acessar, clique aqui.