Por Lívia Duarte, da FASE – Solidariedade e Educação
Não é pomar, não é floresta, não é horta. É tudo isso e muito mais, feito com o amor e a dedicação expressos nas plaquinhas que anunciam o lago de peixes, a casa do jabuti, o respeito à natureza e o projeto de reciclagem de pneus, que se transformaram em degraus. Depois de muito cafezal, chegamos ao sítio no município de Pedra Dourada onde vivem Cida, o marido Dadinho e o filho caçula, Rodolfo – as meninas, Daiane e Paula, já se dividem entre campo e cidade. O lugar “enche os olhos” das visitas, quase diárias.
Para Glauco Régis, do Centro de Tecnologias Alternativas em Viçosa (CTA-ZM), agroecologia é ao mesmo tempo “ciência, prática e movimento”. E é possível localizar tudo isso nesta experiência. Nas palavras de Glauco, “antes de mais nada é movimento, porque não se faz sozinho. Os agricultores e agricultoras precisam estar unidos em cooperativas, sindicatos, nas organizações, juntando forças para compartilhar, fazer seus intercâmbios e aprender. É prática porque não pode ser só teoria: é preciso manejar o solo, observar a natureza, cuidar das plantas. E é ciência porque se faz na união dos conhecimentos teóricos e dos construídos ancestralmente pelas famílias”. [Ouça a entrevista completa]
Geraldo Cândido da Silva, o Dadinho, acreditou na agroecologia antes de saber que podia ter este nome. Ele explica que seu pai trabalhou toda a vida em fazenda, “mas nunca teve nada”. Ele, no início, também não. Casou-se com a Cida e até começaram a construir uma casa na cidade, onde moraram por pouco tempo. Venderam a construção para comprar os primeiros 5 hectares, onde encontraram alguns pés antigos de café e plantaram novos. “Fazíamos tudo no convencional, adubo, roudup, tudo. E com muito custo, depois de muitos anos, pagamos aquela primeira parte do sítio. Depois compramos outra igual. Mas a gente fazia conta e via que, apesar do muito esforço, estava era trocando cebola porque adubo custava muito, tudo que comprava custava muito e o que vendia, nada.”
A decisão pela conversão à agroecologia mesclou contas e o sentimento de que agrotóxico fazia mal, a luta para construção de sindicatos na região e a ideia de que devia haver outra maneira. A ideia, no início, parecia solitária. Então, em 1988, encontraram o CTA-AM e passaram a aprender e trocar conhecimento. “Se mais gente fazia, sinal de que não era loucura”. Não faltaram dificuldades: foi necessário fazer o “desentoxicamento do sítio”, o dinheiro para comprar mudas vinha do próprio bolso. E começaram a experimentar e provar que dava certo – apesar dos vizinhos acharem que a família estava louca.
“Hoje nem damos conta de colher, tanta coisa tem aqui”, comenta, orgulhoso, explicando que não processam, fazendo doces, por exemplo, porque é muito trabalho para uma família. “Só não é dizer que perdemos porque os passarinhos comem”, explica. A produção tem muitos detinos: a feirinha organizada pela filha caçula, que organiza sua própria renda a partir da venda de hortaliças; entrega direta a consumidores no sítio; hotéis e até igrejas, que compram flores para decoração de casamentos. Um caminhão também deve voltar a chegar de Espera Feliz para buscar mensalmente a produção de banana. A escola também recebe os alimentos do sítio, via Programa Nacional de Alimentação Escolar. Segundo Dadinho, já venderam muito para o Pnae e o Programa Nacional de Aquisição de Alimentos, chegando a receber R$ 2 mil num mês. Mas para isso “a batalha é feia”, seja por dificuldades com o município, seja porque o consumo é pequeno frente à produção.
Em 20 anos, a balança de entrada e saída de recursos do sítio mudou totalmente. Até mudas e sementes são produzidas no local. A conta da farmácia, respondem, é zero – as plantas costumam resolver qualquer problema. “O que compra de fora é supérfluo. Compra uma coisinha que as meninas gostam, um pedacinho de queijo mussarela. Mas nossa despesa é R$ 100, num mês. Leite a gente troca com o vizinho em parceria, mas vamos ter logo uma vaca de leite pra gente. Roupa, energia elétrica é o que vem de fora”, enumera dentro da nova casa que vai sendo erguida.
Durante a visita, quem nos apresentou tudo isso foi Dadinho.
Mas foi a agricultora Maria Aparecida Pedrosa, a Cida, quem resumiu a experiência na entrevista a seguir:
FASE – Cida, estamos aqui no meio do sítio onde vocês moram, com centenas de espécies de plantas diferentes, um cuidado enorme com cada detalhe. Explica pra gente porque a opção pelo sistema agroflorestal.
Foi uma opção de vida. Nós trabalhávamos no tradicional, mas as coisas foram apertando porque tinha que comprar tudo, aí resolvemos diversificar. Parar com os adubos e descobrimos a agroecologia. Começamos a plantar banana, árvore no meio da lavoura. E os vizinhos dizendo “isso não vai dar certo. Vocês vão é acabar passando fome no meio desse mato todo”. Mas a gente foi levando e as coisas foram melhorando. Começamos a comercializar o que estávamos produzindo e fomos reconstruindo a nossa vida. A convivência familiar também melhorou muito porque na agroecologia a gente tem mais tempo pra família do que no convencional. Você produz muitas coisas que podem ser pra toda a família. Com o café ou boi é pra uma ou duas pessoas, chega colheita tem que pagar mão de obra de fora porque não dá conta, colhe muito de uma vez. Na agroecologia você trabalha com toda a família.
FASE – A visita mostrou que além de boa agricultora você é boa cozinheira. Pode contar o que preparou e quais dessas coisas foram plantadas por vocês?
É tudo daqui. Comemos arroz, feijão, salada de chuchu com cebola de cabeça e ovos cozidos, sopa de legumes com mandioca, nhame, cenoura, vagem, salsa e cebolinha, farofa com farinha de mandioca, banana, tomate. A gente tenta fazer tudo daqui que é mesmo para mostrar pra quem chega que dá pra fazer tudo bem gostoso e saudável.
FASE – Deu pra ver que é muita visita. Por que isso?
As visitas começaram com o pessoal da universidade. Depois veio gente de vários países – da Itálica, Bélgica, Holanda, Estados Unidos e muitos outros e de todas as regiões do Brasil. Agora nós temos também um grupo de caminhada aqui da cidade que passa por aqui e toma café com a gente. Assim divulgamos a agroecologia.
FASE – E como você explica a sua vida aqui. Como se sente com esse trabalho de tantos anos?
Estou ótima. Todo mundo pergunta porque a gente não muda pra cidade. Porque fazer uma casa tão grande na roça. É que eu não troco a minha roça por cidade nenhuma, nenhuma.