lago bauxitaPor Lívia Duarte, da FASE – Solidariedade e Educação

O poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, teve a casa onde passou parte da infância alagada por uma barragem construída pela Vale para lavar minério. Anos depois, o poeta escreveu “O maior trem do mundo”, sobre aquele que, “Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel/ Engatadas geminadas desembestadas/ Leva meu tempo, minha infância, minha vida/ Triturada em 163 vagões de minério e destruição/ O maior trem do mundo/ Transporta a coisa mínima do mundo/Meu coração itabirano”. Outros corações da terra que leva mineração até no nome seguem vivendo dramas semelhantes: se repetem com a força galopante da economia brasileira, como revelaram diversas paradas da Caravana Agroecológica e Cultural da Zona da Mata.

A inclusão da mineração no roteiro reflete preocupações dos movimentos sociais do território, muitos convencidos sobre a impossíbilidade de coexistência entre certas atividades econômicas. Locais de mineração – e os caminhos de barragens e minerodutos – expulsam famílias agricultoras e geram diversos impactos ambientais desde a instalação até os acidentes, como os rompimentos da barragem de contenção de rejeitos da empresa Rio Pomba Cataguases em 2006 e 2007. Como narrado no Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil (FASE e Fiocruz), as indenizações oferecidas foram insuficientes para ressarcir os que perderam casas e colheitas. Além disso, “a decomposição de argila no leito dos rios provocou assoreamento (…), facilitando a ocorrência de inuncações (…) e provocando desastres recorrentes” nos anos seguintes.

Outro problema é que a exploração de minério tem como característica a dificuldade em estabelecer ligação com dinâmicas econômicas locais e regionais. Chega a exercer, na realidade, uma força capaz de fazer com que os investimentos do território – do mercado imobiliário à qualificação profissional – girem em torno desta atividade. Em regiões como a Zona da Mata, cuja economia está baseada na agricultura, até o monocultivo de café sai perdendo: há relatos de falta de mão de obra local para a colheita porque os trabalhadores passaram a se concentrar na mineração.

Atualidade – O crescimento da exploração mineral é uma tendência na América Latina da qual o Brasil não se exime. Entre 2004 e 2011, as operações minerais passaram de R$ 20 bilhões para mais de R$ 85 bilhões e o Plano Nacional de Mineração prevê que a produção mineral pode até quintuplicar até 2030 (tomando por base 2008). A exploração de ferro e bauxita deve aumentar três vezes no período. E o debate tende a crescer nos próximos meses devido à iminência de divulgação e votação no Congresso do novo Código Mineral, que está sendo organizado pelo Governo Federal, com reclamações pela falta de transparência por parte da sociedade civil e até das empresas do setor.

O novo marco poderia apontar para a existência de áreas livres de mineração justificada, por exemplo, por serem áreas de preservação ou de comunidades tradicionais. Poderia também considerar as taxas e ritmos da extração, levando em conta os minérios como um Bem Comum da humanidade, do qual as futuras gerações também devem precisar. Ainda poderia compor um plano pós-mineração, visto que esta é uma atividade de sobrevida relativamente curta e a tendência é de esvaziamento econômico com o fechamento das minas – realidade que a Itabira de Drummond já começa a vivenciar.

No entanto, como informavam Julianna Malerba, da FASE, e Bruno Milanez, da UFJF, em artigo na revista Le Monde Diplomatique, “os instrumentos até o momento publicados [em 12/12, mas o quadro permanece] indicam que a proposta formulada pelo Executivo tem a marca dessa nova conjuntura em que o Estado assume maior protagonismo na condução da política de desenvolvimento por meio da manutenção e aprofundamento de atividades intensivas (…) [o que] não tem sido capaz de alterar o peso das heranças patrimonialistas e excludentes sobre o controle dos recursos naturais e a distribuição desigual dos impactos da exploração desses recursos”. Os pesquisadores acreditam que o processo deve impulsionar “um processo de despossessão, muitas vezes autoritária e violenta, dos grupos sociais nos territórios”.

Água e bauxita preocupam Muriaé

Em um dos percursos da Caravana Agroecológica que percorreu a Zona da Mata, em maio, a visão do alto de uma serra próxima a Pirapanema, distrito de Muriaé, mostra um enorme lago vermelho, onde é lavada a bauxita extraída pela Companhia Brasiliera de Alumínio (CBA). O lago esconde tudo que havia, como aconteceu com a casa do poeta em Itabira. O movimento de caminhões ao lado da represa é intenso e os moradores contam que é possível ver, muito longe, a iluminação artificial da unidade fabril à noite.

Minutos depois da parada das vans da Caravana, um segurança do empreendimento, vestido de preto e sem tirar o capacete, se aproximou para recomendar “cuidado” com o enorme fluxo de caminhões carregados. As placas das carretas indicavam, majoritariamente, cidades próximas. E eram dezenas cruzando a estrada num intervalo menor que uma hora. Na praça de Pirapanema, nossa parada seguinde, a população comentava sobre o medo de uma barragem destas romper, como foi com a da Rio Pomba Cataguases, e sobre o grande número de acidentes envolvendo o transporte da mineração.

Adair Mendes, vereador (PT) em Rosário da Limeira, foi um dos moradores da região que compareceram ao evento público. Ele explicou que municípios como o seu são formados, em 90%, por pequenas propriedades (entre 10 e 20 hectares, ou bem menores). “Mineração e agricultura familiar não dá certo, não mesmo. Pode dar certo onde é um grande proprietário. Se chegar para extrair minério, a gente vende e vai embora. Não dá pra conviver com estrada, caminhão, barulho. E numa propriedade de 4 hectares, se três são minério, o que fazer? Então é insustentável”, explicou, lembrando ainda a preocupação com a expansão. “A região aqui tinha muito mais morador, foram saindo e a preocupação é muito grande porque tem muitas comunidades ainda. A concessão da CBA é de 70 anos e eles vão para as outras comunidades. Barrar isso é difícil, é braço do governo federal, estadual e municipal”. Para Adair, é possível, com muita organização, garantir a manutenção de áreas de floresta ou lugares históricos. “Aqui, pela resistência, vemos que pelo menos eles apagam o poeirão da estrada jogando água. Estão ‘recuperando’ – desse jeito, com voltar a terra e plantar eucalipto e braquiária. Mas é melhor que nada”. Sobre voltar a produzir café, milho – um questionamento a palavra “recuperar”, Adair duvida: “Esse tipo de recuperação é o melhor que eu vi. Em Itamaraty, aqui perto, a gente vê muito mais a degradação, os buracos e o assoreamento. Por isso que a gente diz que está melhor que nada”, avalia.

Mineroduto corta produção agrícola

Outra preocupação que aparece na região é com a construção de um mineroduto da Anglo Ferrous (MMX), que passará por 32 municípios. O mineroduto vai mandar, com a pressão exercida pela gravidade e por muita água, o minério extraído na região metropolitana de Belo Horizonte para o Complexo Porutário do Açu, no Norte do Rio de Janeiro – e dali para exportação.

Os moradores explicam que o traçado corta propriedades ao meio, passa por comunidades tradicionais e nos limites da área de amortecimento do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Muita água nessa região também será desviada para o mineroduto, que afeta numerosas nascentes. Eles comentam que os atingidos não recebem informação sobre a proporção das obras, as indenizações são injustas e com diferenciações inexplicadas dependendo da família e da região. Em 2011 a Comissão de Minas e Energia da Assembleia de Minas Gerais realizou audiência sobre os impactos que os minerodutos já causam na Zona da Mata.

Cartas pela Serra do Brigadeiro

A Mata Atlântica; os animais; as famílias; a água que a serra divide – capaz de encher as bacias que irrigam três estados. Tudo isso é parte do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro e de sua área de amortecimento, como revela José Álvaro Percínio da Silva, o Zezinho. O artesão-seleiro chegou à região ainda menino e parece ter plantado seu coração por ali. No parque, é voluntário para tudo: guia de trilha e brigadista, conta caminhar semanalmente mais de 20 km fiscalizando a área. Conhece as famílias “de porta de cozinha” e explica que é a agricultura familiar do entorno, os 10 km da chamada ‘área de amortecimento’, que garante “a estabilidade para preservação do parque”. É justamente por ali que foi encontrada a segunda maior reserva de bauxita do Brasil, já na mira da exploração pela Companhia Brasileira de Alumínio.

O alge da luta contra o empreendimento parece ter sido entre 2004 e 2006, quando existiu a Comissão Regional dos Atingidos pela Mineração. Segundo narra o Mapa de Conflitos Ambientais em Minas Gerais (GESTA/UFMG), por pressão da Comissão, os processos de licenciamento de atividades mineradoras na região foram suspensos até que as comunidades fossem ouvidas. Grandes audiências públicas mobilizaram políticos, ambientalistas, indígenas Puris, centenas de agricultores. Ainda segundo o Mapa, após esse período, a Comissão se dissolveu e o movimento de resistência entrou em refluxo. Pesquisas [Rothman (2008)] apontam que o modo de atuação das empresas – com um pouco mais de diálogo e contratação de mão de obra local – colaboraram para a fragilização da resistência. Fazem parte da estratégia da empresa promessas de boa remuneração aos pequenos agricultores, realizar investimentos na melhoria de condições de infra-estrutura dos municípios etc. Mas Zezinho não se cansa.

“Eu não dou valor à roupa, à aparência. Eu dou valor ao futuro. Conseguimos parar mineradoras antes. O que eu quero agora é proteger o parque e proibir que a CBA tire a bauxita que é o equilíbrio de tudo isso”, explica Zezinho. Para tal, o brigadista já recolheu mais de 60 cartas de entidades da região – de ONGs e sindicatos até escolas públicas e agências de turismo. A pasta inclui até uma carta com o logotipo do IEF, a única sem assinatura. Com textos distintos, todas repudiam a mineração no parque e em sua zona de amortecimento. O sonho do Zezinho agora é entregar as cartas ao governo federal como forma de pressão para parar a mineração na região. Com tantas cartas, ele quer provar que a sociedade não está convencida dos caminhos escolhidos para o desenvolvimento.