O Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica segue para sua reta final. Ocorreu nos dias 11 e 12 de abril, no auditório do Planalto Nacional, em Brasília, a última reunião da Comissão Nacional da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, composta por 14 representações da sociedade civil e do governo, para construção do plano nacional da política que foi instituída por decreto presidencial (7.794) em agosto de 2012. A previsão do governo é que a primeira versão seja lançada junto ao Plano Safra Rural de 2013, em maio deste ano.
De acordo com Valter Bianchini, da Secretaria de Agricultura Familiar, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o plano está na sua fase de conclusão e seu esboço precisa ser anunciado com certa urgência, mas depois será necessário discutir constantes necessidades e a inserção de novas condições. Segundo ele, é um documento histórico fruto do esforço do governo em participação com um amplo setor da sociedade na busca de fortalecer a agroecologia e a agricultura orgânica.
“No primeiro grande eixo há um marco conceitual em relação à diversidade da agricultura familiar e dos biomas, e isso se transpõe à tradição agroecológica e orgânica. É preciso quantificar metas, fazer um esforço grande com cronograma intenso de reler e estruturar normas do crédito rural e do seguro agricultura. Estamos trabalhando com créditos bancarizados e não bancarizados. Vamos ter um trabalho intenso de rever planilhas, normas, processos de tecnologias, etc. Todo um processo de fortalecer o cooperativismo, os circuitos curtos e outras normas, como a qualificação dos mecanismos de seguro. Há uma discussão ampla sobre pesquisa, e o acúmulo do saber das nossas organizações e dos agricultores. Precisamos caminhar para um marco de reconhecimento dessas tecnologias”, disse.
Bianchini também destacou a criação de um plano nacional de redução de agrotóxicos, com uma série de medidas que têm interface direta com a produção agroecológica, além da necessidade de uma educação diferenciada para a juventude rural, com metas no campo da extensão, formação e pesquisa. Nesse sentido, concluiu, serão adequadas as normas das chamadas de Assistência Técnica Rural (Ater) para a agroecologia, com um comprometimento de recurso significativo. “Há um excesso de normas e burocracias, inclusive de criminalização de parte dessas organizações. Para o sucesso do plano é preciso simplificar esses procedimentos, não há casos de desvio de recursos mas muitas vezes comprometeu nossa força de trabalho”, afirmou.
A sociedade civil foi representada no campo agroecológico por Denis Monteiro, secretário executivo da Articulação Nacinonal de Agroecologia (ANA), que saudou a construção participativa e a realização de grupos de trabalho na elaboração do plano. As organizações reconhecem, na sua opinião, o esforço do governo em incorporar várias das propostas apresentadas pela sociedade civil, como ações para redução de agrotóxicos, e a aproximação com outros parceiros, como o Fundo Banco do Brasil e o BNDES, para fortalecer as experiências agroecológias no Brasil. Ele destacou, no entanto, algumas insuficências e a ausência de temas importantes no plano.
“O documento está mais abrangente e consistente do que as versões anteriores. O plano contém hoje, por exemplo, um programa de redução da utilização de agrotóxicos com um aporte significativo. Porém, é nosso dever apontar insuficiências. Há pouca aposta no protagonismo da sociedade civil, na sua formulação e execução. Faltam ações mais abrangentes e ambiciosas, também não aparecem mecanismos de fomento exitosos como o PDA, que para nós é estratégico. Gostaríamos de entender algumas ausências, como o apoio às escolas rurais e ações efetivas para coibir a contaminção das sementes crioulas pelos transgênicos. Nos parece ainda que a Embrapa está muita tímida, embora ela seja estratégica para a promoção da agroecologia. E algumas iniciativas ainda não têm gestores e recursos, precisamos discutir os mecanimos efetivos para implementação dessas ações”, afirmou.
Desde meados da década de 1990, defendeu Waldir Stumpf, diretor de Transferência e Tecnologia da Embrapa, a empresa tem desenvolvido trabalhos com agroecologia, mobilizando hoje cerca de 250 técnicos de 30 de seus 37 centros. “Temos que transversalizar o tema na instituição e ampliar quadros”, disse Waldyr. “A Embrapa é parceira e continuará sendo parceira”, registrou o diretor.
Uma questão que chamou muita atenção dos movimentos foi o fato de o plano ter a cobrança de sair do papel, apesar de não ter mecanismos de execução dessas políticas mais eficientes e integrados à promoção de agroecologia. As políticas de crédito e a de assistência técnica rural foram exemplificadas, pois precisam passar por mudanças significativas já que estão atreladas aos pacotes agroquímicos, observaram. Há preocupação ainda com a ausência de instrumentos para fortalecer as redes e organizações, e a falta de pessoas e estrutura nos órgãos do governo, principalmente no Ministério do Desenvolvimento Agrário, para execução dessas ações.
Maria Verônica de Santana, secretária executiva do Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MTRN), falou também sobre a importância das mulheres na construção do plano e a necessidade de dar mais visibilidade à questão de gênero nas políticas públicas no meio rural. “Temos várias experiências sistematizadas que queremos trazer para dentro da política. Ainda precisamos ter uma mudança nas famílias, movimentos e governo, que veem a mulher com um papel auxiliar e de ajuda. Reconhecer o aporte econômico das mulheres nessa produção. Precisamos garantir a participação social investindo também na participação das mulheres, reconhecer que elas sempre foram excluídas na gestão das polítcas”, afirmou.
Elson Borges dos Santos, da Câmara Temática de Agricultura Orgânica, considera que essa política traz uma possibilidade muito forte, embora não explícita, de fazer uma revolução e redefinir rumos para o meio rural. Com a sua implantação, observa, serão restauradas e reiventadas tecnologias para agricultura e para a produção de acordo com a criatividade do povo e suas experiências em curso por todo o país.
“Retomar rumo, essa revolução aparece na política com algumas cores. Não sabemos qual será a obra final, estamos pintando. Vai trazer uma oportunidade de recivilizar, pois nossa sociedade está em risco. Porque os malditos que criaram a revolução verde recivilizaram com um plano de industrializar a agricultura. Então recivilizar é a nossa aposta e intenção, com base na criatividade do nosso povo, já descrita por Darcy Ribeiro e tantos outros. É restarurar o camponês, e revigorar um tipo de economia que convive com a socidade, a economia solidária, que garanta os meios para sua sobrevivência com base numa relação mais harmoniosa”, destacou o integrante da Rede Ecovida.
Discussões e encaminhamentos
Após a mesa de abertura os representantes da sociedade civil e do governo se dividiram em quatro grupos temáticos: produção, comercialização e consumo; uso e conservação dos recursos naturais; gestão. Em seguida, o governo e a sociedade levaram à plenária os encaminhamentos, que tiveram como objeto de discussão o diagnóstico e o modelo de gestão do Plano. Antes dos debates foi entregue um modelo preliminar, no qual foram inseridas as observações e complementos, que será concluído no decorrer desta semana.
A principal preocupação dos movimentos sociais é em relação ao controle social da política, pois não está claro como será a participação das organizações na formulação detalhada, no monitoramento e execução deste plano. Este acompanhamento, na visão das lideranças, é condição básica para o bom andamento da política e pré requisito para consagrar a relação de diálogo nesse processo. Outra dúvida é referente à efetiva participação da sociedade na política, e a relação dessa comissão nacional com o seu andamento. “O prazo prejudicou o fechamento das propostas, e o fechamento do governo foi feito de última hora. Entendemos que deve constar no plano uma gestão, mas é ruim sem pensarmos antes a gestão da política, principalmente o controle social”, destacou Eugênio Ferrari, do Núcleo Executivo da ANA.
Selvino Heck, assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República, responsável pela coordenação da Comissão Nacional, ressaltou a importância da criação dos quatro grupos e a realização de um trabalho coletivo. “É preciso destacar toda uma construção solidária e participativa, com valores que fazem parte de uma visão de mundo que foi claramente expressa nesse trabalho”, afirmou.
A próxima reunião ficou agendada para depois do lançamento do Plano, se confirmada a data junto ao Plano Safra. Foi constituído um grupo de trabalho com oito integrantes, dividido paritariamente entre representantes do governo e da sociedade, para os encaminhamentos finais. As organizações vão entregar suas propostas sistematizadas , com um prazo até a próxima quinta-feira (18) para fechamento da versão. O documento final será encaminhado a Casa Civil para posterior apreciação da presidenta Dilma Rousseff.