Por Ruy Sposati, do Encontro Tocantinense de Agroecologia, Terra Indígena Apinajé (TO), publicada por Conselho Indigenista Missionário – CIMI.
Enquanto o agronegócio seguir sua “busca de lucros sem limites”, as comunidades do campo seguirão “insurgindo contra a violência e a tirania do latifúndio”, afirmam os participantes do 3o. Encontro Tocantinense de Agroecologia, realizado no período de 23 a 26 de novembro de 2017, na aldeia Cipozal, terra indígena Apinajé, município de Tocantinópolis, Tocantins.
Na carta final do encontro, quilombolas, pescadores, agricultores, camponeses, quebradeiras de coco e indígenas Apinajé, Krahô, Xerente, Canela e Avá Canoeiro, reafirmaram sua luta em defesa do território e do Bem Viver.
Sob o título de “Território e agroecologia em rede: a base para o Bem Viver”, a reunião promoveu uma rica troca de experiências agroecológicas, e também de formas de lutar e resistir contra o avanço da fronteira agrícola nos territórios do campo do Tocantins.
Segundo o documento final da conferência, as comunidades irão seguir criando seus territórios de agroecologia, regidos pela “prática da produção sustentável de alimentos”, fortalecendo a segurança alimentar das comunidades. Defenderão “a recuperação de áreas degradadas e proteção dos mananciais de águas”, e lutando contra “os projetos de hidrelétricas planejados nas bacias dos rios Tocantins e Araguaia, que afetam e ameaçam povos indígenas, ribeirinhos e camponeses”.
O encontro, “sustentado e alimentado pelas experiências de nossos anciãos, a força de nossa juventude e a esperança de nossas crianças”, foi realizado pela Articulação Tocantinense de Agroecologia (ATA), e contou com a participação de quase 400 pessoas.
Leia o documento na íntegra:
CARTA DO III ENCONTRO TOCANTINENSE DE AGROECOLOGIA
No III Encontro Tocantinense de Agroecologia, realizado no período de 23 a 26 de novembro de 2017, na aldeia Cipozal, terra indígena Apinajé, município de Tocantinópolis, Tocantins, tivemos relevante participação de povos indígenas, camponeses, quilombolas, quebradeiras de coco e suas organizações representativas vindos de assentamentos, aldeias, quilombos e cidades do Estado do Tocantins. A chegada das caravanas vindas de todas as regiões do Tocantins e de outros Estados, à aldeia Cipozal aconteceu na tarde do dia 23.
O III Encontro Tocantinense de Agroecologia é uma importante conquista e realização desses lutadores e lutadoras, protagonistas da resistência camponesa e indígena na região Norte de Tocantins, mais conhecida como “Bico do Papagaio”. Nas décadas de 1970 e 1980 essa região foi palco de intensas lutas dos trabalhadores(as) rurais e das quebradeiras de coco. Naqueles tempos sombrios de violência e opressão, para não entregar essa terra aos latifundiários e ruralistas, nossos povos se organizaram, lutaram e enfrentaram a grilagem, a pistolagem e a violência institucionalizada da ditadura militar.
Nosso povo sabe o que quer. Na mesma época, o povo Apinajé junto com parentes Krahô, Xerente, Kayapó, Xavante e Romkokamekra (Canela), se mobilizaram para lutar, demarcar e garantir parte de seu território tradicional, às custas de muito sacrifício, suor e sangue. Portanto, nossa luta é a mesma, sempre sofremos violências dos grandes por causa de terra. Sempre foi assim nossa história de luta para garantir nosso cerrado, nosso babaçu, nossas águas e nosso território do Bem Viver para presentes e futuras gerações. O 3º Encontro de Agroecologia é a continuidade e afirmação dessa resistência dos povos do Bico do Papagaio. É incidência política em favor do Bioma Cerrado, da palmeira babaçu, do pequi e do bacuri. E a doação de Vidas pela Vida.
Esses ideais e objetivos das lutas travadas pelos povos indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco e camponeses presentes nesse III Encontro se misturam e se confundem na mesma causa comum. Movidos pelo senso universal do sagrado direito a existência e pela consciência em defesa da vida, buscamos a liberdade; lutando contra a escravidão do corpo e da alma, nos insurgindo contra a violência e a tirania do latifúndio. Queremos um mundo livre de muros e cercas, uma sociedade mais tolerante e um Brasil mais soberano, independente e altivo. Exigimos a demarcação dos territórios indígenas, quilombolas e nos manifestamos contra a corrupção, o abuso de poder e o golpe dos ruralistas. Com essa força e teimosia, nos levantamos em defesa das águas e da vida da Mãe Terra. Enfrentamos juntos as dificuldades e as imposições daqueles que querem nos provocar, dividir e enfraquecer.
Esse III Encontro é sustentado e alimentado pelas experiências de nossos anciãos, a força de nossa juventude e a esperança de nossas crianças. As diversas oficinas temáticas realizadas significaram trocas de experiências e formas vivas e divertidas de se alegrar, transmitir conhecimentos e desenvolver saberes. Espaço para compartilhar, aprender e ensinar. A união da diversidade, intercâmbio cultural e celebração do Bem Viver. Lugar de pluralidade, de cantoria, de alegria e da amizade. Momento de poesia, de canção e de sabedoria. Encontro do maracá, da sanfona, do violão e do tambor. Momentos únicos de magia e simpatia das mulheres guerreiras, meninas morenas, indígenas, quilombolas e quebradeiras. Encontro de celebrar a mística da terra para plantar, do sol para brilhar, do vento para soprar, das águas para molhar e dos povos para revolucionar.
A labuta incansável e diária das mulheres indígenas é a mesma das mulheres quilombolas e quebradeiras de coco; sofredoras na mesma dor, mas também guerreiras e batalhadoras que nunca se entregaram e se deixaram escravizar por ninguém. Como a própria Mãe Terra, mulheres são geradoras da vida e reparadoras, que fazem brotar das cinzas a vida que foi queimada e destruída. Senhora absolutas da fertilidade e animadoras da esperança. Mulheres, presentes no lar, na política, nas salas de aulas, na roça, nas artes e na luta social. Mulheres valentes e presentes no 3º Encontro Tocantinense de Agroecologia.
Nossa relação e diálogo com a natureza é de Paz, harmonia e reciprocidade. Nesse encontro, vozes proféticas denunciaram as hostilidades e a guerra injusta do agronegócio contra a Mãe Terra. Repudiamos o uso do veneno nas plantações, a expansão das monoculturas de soja e eucaliptos, o desmatamento, os incêndios florestais e os assassinatos de ativistas e ambientalistas; práticas criminosas e desprezíveis atribuídas aos ruralistas que devem ser combatidas.
Os empresários do agronegócio não conseguem compreender a natureza que pede socorro e precisa viver. Alguns homens interromperam de vez sua ligação com os elementos vitais do Planeta e o sagrado, de forma ingrata não querem mais conhecer e valorizar a chuva. Insensatos se recusam a ouvir e sentir a voz do vento. Arrogantes, ignoram e não querem ver a luz e o brilho do sol. Imprudentes, envenenam as águas. A falta de sabedoria os leva a desprezar a espiritualidade da terra aonde pisam. Tudo isso movidos pela lógica do desenvolvimento econômico, da acumulação de capital e da cegueira em busca de lucros sem limites. Por causa do dinheiro, essa classe político-empresarial despreza princípios e valores humanos, esquece de Deus e perde a razão.
Diante dessas ofensivas, a própria natureza está reagindo para ser respeitada e ouvida. Antes que o Sol responda, nos perguntamos: Quantos rios precisam secar para que entendam e parem de desmatar? Até que aprendam o sentido do Bem Viver, quantas árvores atingidas pela ação criminosa dos tratores irão morrer? Quanta hipocrisia e mentiras irão ser repetidas a todo momento, antes de afirmarem a verdade declarando que veneno não é alimento?
Continuaremos firmes na prática da produção sustentável de alimentos agroecológicos, pois o ato de se alimentar é celebração da vida. No fortalecimento e garantia da Segurança Alimentar e Nutricional dos povos e suas comunidades. Defendemos a recuperação de áreas degradadas e proteção dos mananciais de águas. Estaremos sempre pró ativos participando da Campanha em Defesa do Cerrado e contra o desmatamento e o MATOPIBA. Nossos povos continuarão sempre atentos e mobilizados contra os projetos de hidrelétricas planejados nas bacias dos rios Tocantins e Araguaia, que afetam e ameaçam povos indígenas, ribeirinhos e camponeses. Esse desafio é nosso!
Enfim, esse foi o Encontro da pluralidade de ideias e pensamentos, da afirmação étnica, da diversidade cultural, das sementes, do artesanato, das expressões corporais, das pinturas, das artes, danças, corridas de toras, atividades que fizeram parte das apresentações agroecológicas e culturais do III Encontro Tocantinense de Agroecologia. Momentos que vão ficar na história e na memória dos participantes desse Encontro.