(Ji-Paraná) – No encerramento da I Caravana Agroecológica e Cultural de Rondônia ocorreu na última sexta (18) a audiência pública A agroecologia no contexto sociopolítico e cultural no Brasil e no Estado de Rondônia, no auditório do Instituto Federal de Rondônia (IFRO), campus Ji-Paraná. Com cerca de quatrocentas pessoas lotando o auditório, a mesa composta por gestores dos governos locais e atores sociais do campo agroecológico da região debateu a implementação e qualificação das políticas públicas para agricultura familiar no Estado. Na ocasião, foi entregue e assinada por todos os gestores uma carta política elaborada pelos integrantes da Caravana.
Esta foi a última das cinco Caravanas Agroecológicas e Culturais que ocorreram em todas as regiões do país nos últimos meses, fruto do projeto Promovendo Agroecologia em Rede realizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) com apoio da Fundação Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Sustentável (BNDES). Também como desdobramento do III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), que ocorreu em 2014 em Juazeiro (BA), foram realizadas 18 análises socioeconômicas de agroecossistemasnosterritórios das caravanas para apresentar à sociedade os benefícios da agroeocologia.
“Vem da necessidade de ter um olhar mais abrangente sobre os territórios para perceber seus desafios, potenciais e possiblidades para ampliá-los. Esse processo de discussão foi orientado pela pergunta ‘Por que interessa à sociedade apoiar a agroecologia?’ Até hoje isso nos move, porque sem a conscientização da sociedade não vamos avançar. A agroecologia tem contribuições em diversas áreas, como na crise hídrica, na produção de alimentos saudáveis, comércio solidário, relações justas de trabalho, etc. Precisamos convencer os outros setores da sociedade sobre essa importância”, explicou Flavia Londres, da secretaria executiva da ANA.
Segundo Francisco de Assis Costa, da Rede Terra Sem Males, que agrega diversas organizações agroecológicas em Rondônia, o estudo se tornou um dos grandes registros do Estado. Após um seminário com entidades da região, houve a construção da linha do tempo junto às comunidades com seu histórico, acrescentou. Acesso a políticas públicas, relações de gênero no trabalho, geração de renda, dentre outros aspectos, foram abordados no trabalho.
“Foi constatada a importância da igreja católica, através do bispo Dom Antonio Possamai, na origem da luta pela terra desses movimentos. Além da diversidade, foi possível ver a participação da família no desenvolvimento da produção garantindo a permanência desses agricultores nos territórios com alimentos saudáveis, criação de pequenos animais, sistemas agroflorestais, estoque fortalecendo sua auto suficiência alimentar e sustentabilidade ambiental. A autonomia do agroecossistema dessas famílias estão em estágio avançado, com poucas dependências do mercado externo. Assim podemos ver quais avanços buscaremos daqui em diante”, afirmou.
De acordo com José Aparecido de Oliveira, músico e membro da ONG Padre Ezequiel, é preciso fazer a agroecologia entrar na pauta para a agricultura do Estado porque os programas têm mudado nas transições de governo. “O cenário brasileiro nos faz ver a necessidade de avançar e inovar para nos firmarmos enquanto cidadãos. Vimos qual poder manda no Brasil e de que lado a justiça está nesse embate político: se opõe à democracia. É preciso dar aos jovens uma nova direção para que aprendam a sonhar uma nova cultura, um novo ambiente, conhecimento, justiça,fé, paz e vida. Essa audiência representa todas as demandas rurais e urbanas para, a partir daqui, fazermos novas caminhadas”, disse.
Com uma fala contundente e indignada, Luciomar Monteiro da Costa, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), lembrou a colonização do Estado na década de 70 com a promessa da terra do leite e mel. Na época, segundo ele, a terra tinha muita abelha e os seringalistas extraiam o leite das árvores para a borracha até os colonizadores destruírem boa parte da floresta.
“Chegou o gado, o agronegócio e agora o hidronegócio destruindo os territórios. Expulsaram milhares de pessoas, como os índios e seringueiros, que perderam suas vidas pela invasão do latifúndio. Esse desenvolvimento não serve para nós, precisamos fazer mudanças profundas nessa realidade amazônica. O agronegócio ainda está envenenando nossos solos, águas e vidas. Contrapomos essa ideia com uma proposta de produzir produtos limpos”, destacou.
A possiblidade da agroecologia, ainda segundo o militante, é viável: 70% dos alimentos que chegam à mesa da população brasileira é fruto do trabalho da agricultura familiar, e não do agronegócio.“Rondônia ganhou o prêmio de Estado com maior índice de assassinatos no campo. E estão desmatando nosso cerrado, onde estão as principais nascentes dos rios no Estado. A população precisa cobrar. Nós da Amazônia precisamos convocar a sociedade para fazer uma reforma agrária massiva, porque quem produz comida sem agrotóxicos somos nós e promovendo a soberania alimentar”, concluiu.
A questão da Educação do Campo também foi alvo do debate, além da denúncia de fechamento de escolas foi destacada a importância das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) no estado. A Associação de EFAS de Rondônia está trabalhando nessa área há 27 anos, lembrou Revelino S. Neto de Freitas, presidente da organização. Para ele, é preciso atenção de toda sociedade porque não se faz agroecologia na sala de aula. “São os nossos agricultores e jovens no campo, e não faremos educação agroecológica com uma televisão substituindo nossos educadores. A agroecologia não se faz no livro, e sim na prática. Desafiamos as autoridades com o curso de agroecologia na EFA Dom Antônia contrapondo o modelo que temos. É preciso mudar nossa educação para alavancar a agroecologia, por isso precisamos das nossas escolas”, afirmou.
Alguns projetos foram apontados como importantes para o Estado, na perspectiva de fortalecimento da agroecologia: O projeto de Sementes Agroecológicas, especialmente para a sucessão dos jovens no campo, Curso de Aprofundamento em Agroecologia e a pesquisa de presença de agrotóxicos na saúde dos agricultores do Estado. É preciso, de acordo com Fabio Menezes, da Fetagro, identificar o grau de intoxicação das famílias.“É gritante a oposição entre agroecologia e agronegócio, assim como democracia e repressão. Agroecologia faz a gente se inserir em outros setores da sociedade, incorpora bandeiras comoa posse da terra, modelo de produção, assistência técnica sócio participativa, etc. Precisamos quantificar e trazer para a sociedade aquilo que falamos e fazemos para multiplicar. Queremos uma feira de agroecologia do tamanho da Feira Rural Show, pois a maioria dos agricultores de Rondônia não são do agronegócio”, reivindicou.
O comprometimento do governo
Segundo Paulo Wagner, representante do Superintendente do Banco do Brasil, sua entidade reforça o compromisso com o desenvolvimento sustentável no estado.“Somos os que mais investimos na agricultura familiar no Brasil. Temos vocação para apoiar, e esse estudo da ANA vai contribuir ainda mais nos nossos projetos no estado apoiando experiências economicamente viáveis, culturalmente diversificadas e ecologicamente sustentáveis. Temos o PRONAF Agroecologia para apoiar esses empreendimentos com linhas de créditos e juros subsidiados pelo governo para que nosso estado cresça”, afirmou.
Uma das políticas públicas implantadas em Rondônia é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Através da compra com doação simultânea esse programa vai ampliar ainda mais suas aquisições no Estado, anunciou Edilson Junior, da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). “Em 2016 vai ampliar com aquisições de produtos agroecológicos a partir dessa caravana, porque pudemos conhecer mais experiências. Os agricultores devem procurar a Conab, e projetos com produtos agroecológicos são prioritários na seleção do PAA”, destacou.
Questionado sobre os preços dos produtos no PAA, Junior falou que em 2016 a metodologia será alterada. “Um acordo de cooperação técnica vai fazer uma pesquisa de preço conjunta com 131 produtos da agricultura familiar mensalmente. Até 2015 eram preços por municípios, agora será para todo o estado. Vamos ter melhor referência e acabar com a diferença de preço por órgãos diferentes no mesmo programa”, esclareceu.
Foi criada em 2011 uma lei, regulamentada por decreto em 2015, que estabelece a agroecologia e a produção orgânica como um dever do Estado. Recentemente também foi lançado o Programa Estadual de Agroecologia, cuja reunião para traçar suas diretrizes já tem data marcada na sede da Fetagro. Não foi o governo que construiu, e sim a sociedade civil organizada que vai executar, observou Manuel Carlos Dantas, coordenadoria de agirculgutura familiar na Secretaria de Estado de Agricultura Pecurária e Regularização Fundiária.
“O estado precisa assumir isso como uma demanda social que gera emprego, saúde e melhora a vida do homem e da mulher do campo. O Estado e a sociedade não conhecem a agroecologia: é preciso dar visibilidade para vermos que é possível e tem resultados positivos. Precisa ser inserido no conjunto de ações do governo, que ainda não compreende bem a Feira Show. Quando foi criada era da agricultura familiar e destemperou. O estado gasta muito dinheiro com o agronegócio, e o governo precisa fazer esse debate”, alertou.
“O agroecologista não pensa no dinheiro, pensa na vida, no processo de tudo aquilo que está à disposição do ser humano. Vocês têm um papel muito importante, têm que cobrar o que é agroecológíco e orgânico nas feiras e mercados. Temos que apresentar essas experiências ao mundo, estão fazendo o que o ministro está pedindo: comida limpa para sociedade”, afirmou Genair Capeline, delegado do Ministério do Desenvolvimento Agrário em Rondônia.
A Reivindicação dos Movimentos
Antes de ler a Carta Política da Caravana, Maria Estelia de Araújo, assentada do Coletivo 14 de Agosto e integrante da Rede Terra Sem Males, repudiou a imprensa brasileira e os políticos que não aceitam dividir com a classe trabalhadora em referência à crise no país. Para ela, essa primeira caravana se tornou um marco da agroecologia em Rondônia e os políticos locais têm o desafio de reverter um Estado que é a favor do agronegócio e do capitalismo.
“Temos os dados que o agronegócio está matando o povo, o câncer invadindo nossos familiares e amigos. Concentra terra e não combina com agroecologia, que não produz em grande escala por falta de terra. Podemos comercializar em grandes circuitos, mas a população está tomando refrigerante, frangos com hormônios, etc. Nosso movimento é para banir e expulsar as multinacionais, como a Bayer, Monsanto, Syngenta, Coca Cola e casas de lavouras que estão em toda esquina nesse Estado envenenando os agricultores, acabando com os solos e mananciais”, desabafou a agricultora.
Entre as pautas na carta política estavam a promoção de mais feiras agroecológicas no Estado, mais políticas de educação do campo e no campo, desburocratização dos créditos para o acesso a políticas públicas, dentre outras. Foi ainda criticado o volume de recursos destinado pelo Estado ao agronegócio, sobrando o que os movimentos chamaram de migalhas para a agroecologia. Denunciaram que a própria Funai tem levado tecnologias com agrotóxicos para populações indígenas na região. A plenária questionou ainda a ausência de deputados, prefeitos e o governador, todos convidados pela Caravana. Também foi anunciado o Programa Camponês com base na agroecologia, que será apresentado ao Estado pela Via Campesina nos próximos dias.