Osório (RS) – A Caravana Agroecológica e Cultural do Sul iniciou suas atividades na manhã da última terça-feira (01/03) resgatando o histórico da agroecologia na região e dialogando com um representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário. O galpão da capela Santa Rita de Cássia, no Morro da Borussia, abrigou cerca de 50 participantes para debater as políticas locais e estudos territoriais na região. A atividade foi uma realização da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) em parceria com o Centro Ecológico e a Rede Ecovida.
A região do litoral norte do Estado do Rio Grande do Sul é caracterizada pelo crescimento da comercialização de produtos da agricultura familiar, bem como pelo aumento da conscientização ecológica de sua população e interesse pelo consumo de alimentos saudáveis. Esse processo se inicia na metade da década de 1980, período de redemocratização do país, através da atuação da Pastoral Rural na região. A agricultura alternativa, como era chamada à época, é vista nos folhetos dos movimentos com os temas de acesso à terra, gênero e juventude, dentre outros.
“Nesse período o Centro Ecológico aparece a convite da Pastoral Rural para trabalhar com jovens em 1991. Em abril completaremos 25 anos, naquele momento surgiu a Assert (Associação dos Colonos Ecologistas da Região de Torres). Em 1999 além da sede em Ipê, o Centro Ecológico passou também para Serra Gaúcha e surgiram outros grupos de agricultores ecologistas. Foi constituída a Rede Solidária de Produção e Consumo de Produtos Ecológicos do Litoral Norte do Rio Grande do Sul e sul de Santa Catarina, de onde veio se tecendo a Rede Ecovida”, lembrou Laércio Meirelles, coordenador geral da Rede.
O Núcleo Solidário da Rede Ecovida foi criado em 1998, cresceu nas décadas seguintes e hoje é difícil saber em que estágio a agroecologia está na região. A estimativa atual é 25 grupos no litoral norte do RS de agricultores ecológicos, com famílias de 6 a 30 pessoas, sob coordenação da Ação Nascente Maquiné (Anama) e do Centro Ecológico. Há duas OPACs (Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade), que lidam com a certificação participativa de produtos orgânicos registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Existem também duas cooperativas de consumidores, a Ecotorres e a Copet, com centenas de associados.
“Temos contatos com escritórios da Emater, universidades, como a UFRGS, parcerias com o poder público para projetos e atividades. Há aproximadamente 250 famílias nesses grupos, com um aumento anual de participação na produção orgânica além de outras que não estão certificadas. São diferentes estratégias de comercialização, como feiras locais e a de Porto Alegre, supermercados, compras públicas, etc. Temos três agroindústrias legalizadas, duas da agricultura familiar e outra de um empresário que compra os produtos orgânicos, dentre outras iniciativas”, complementou Meirelles.
Segundo suas lideranças, a Rede Ecovida foi tecida apesar das políticas públicas, mas no decorrer do tempo dependendo dos governos eleitos foi recebendo mais ou menos estímulo por parte do poder público estadual e federal. Hoje cooperativas abastecem com banana a Rede Zaffari, a maior de supermercados do estado: começou em 2007 com 70 caixas e hoje são 3000 mil, muitas vezes com preço mais barato que o convencional. Os consumidores foram muito importantes nesse processo, principalmente na ativação da feira ecológica em 1989, em Porto Alegre.
Promovendo Agroecologia em Rede
A Caravana Agroecológica e Cultural Sul está inserida no Projeto “Promovendo Agroecologia em Rede”, executado com o apoio da Fundação Banco do Brasil (FBB) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cujo processo começou nas etapas preparatórias do III ENA, realizado em Juazeiro (BA) há dois anos. Com o mote “Por que interessa à sociedade apoiar a agroecologia?”, os movimentos agroecológicos continuam procurando respostas e evidências para dialogar com a sociedade e ampliar a conscientização ecológica de um público mais amplo. Para aprofundar mais esse debate, estão sendo realizados nesse projeto 18 estudos, em 7 territórios, de Avaliação Econômica e Ecológica de Agroecossistemas.
“Esses estudos nos ajudam a produzir respostas concretas e objetivas àquela pergunta com ênfase nos dados econômicos, que são uma fragilidade no nosso campo. Estamos buscando demonstrar a viabilidade e superioridade da agroecologia em relação ao modelo hegemônico. É uma parceria com a AS-PTA, que há 10 anos vem desenvolvendo o método de análise experimentado. Foram definidos alguns critérios para a seleção dos territórios onde seriam realizados os estudos, garantindo a distribuição por todas as regiões do país”, afirmou Flavia Londres, da secretaria executiva da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Entre os instrumentos do método está a construção coletiva de uma linha do tempo do território, que tem o objetivo de contar a história desses locais que não está nos livros, a partir da visão dos idosos, jovens, mulheres, etc. Nela podemos compreender como as políticas públicas incidiram, que crises ocorreram, dentre outros fatos que foram influenciando a trajetória das famílias e a formação dos tipos de agricultura familiar no território.
“As caravanas são momentos para debater e divulgar esses estudos. São oportunidades de aprofundar nossa capacidade de análise, aprimorar a percepção sobre nossos desafios e fortalezas para avançar na agroecologia. Esse processo tem ajudado também a fortalecer as redes e ampliar sua capacidade de incidência sobre as políticas públicas”, concluiu Londres.
Estudos do Sul
Os territórios visitados durante a Caravana e estudados no projeto estão ligados ao Centro Ecológico e à Rede Ecovida. Foram escolhidos para dar visibilidade à territorialidade que se dá a partir das relações que se estabelecem com os atores locais nas redes. A ideia do estudo, segundo o Gustavo Martins, da Anama e consultor das análises, é entender esses agroecossistemas e como se estruturaram na realidade de cada família.
“Foi preciso buscar a história dessa construção para caracterizá-la. Foram abordadas algumas dimensões, como a de gênero. Na oficina territorial foi possível ver que o espaço geográfico é fruto dessa história, as comunidades reproduzem um modo de viver com sua cultura formando a identidade local. Também nas relações entre as pessoas e com a natureza, podendo resultar em conflitos ou cooperação”, explicou Martins.
Para chegar a essa conclusão, o consultor foi buscar as raízes territoriais que determinaram as diferentes formas de vida desde os indígenas e as colonizações, as ocupações dos vales e áreas ligadas à horticultura posteriormente. Resgatou a importância da dimensão ecológica com uma série de unidades de conservação, que formam um grande mosaico de legislações ambientais afetando a forma da agricultura local.
“É difícil construir uma tipologia a partir das formas e expressões de agricultura no território, os sistemas vão se modificando no decorrer do tempo. Usamos alguns critérios: tamanho da área, grau de especialização, composição da força de trabalho familiar, sistema produção convencional, de transição ou agroecológico. Nosso interesse focou em pequenos e médios com diferentes níveis de especialização, baseados em mão de obra mais mistas e em sistemas em transição ou convencionais na região”, concluiu.
Para Alvir Longhi, da Rede Ecovida, a prioridade destes estudos foi o foco no tema da valorização e uso da sociobiodiversidade. “Discutir as cadeias entre os grupos e estabelecer preços. Dentro do contexto de encontros e socialização entre os atores. Os estudos servem para nos dar mais condições de organização dos nossos agroecossistemas, e dar um passo a mais nos territórios. Complementam os momentos anteriores com dados e elementos para reflexão aos técnicos, associações, dentre outros atores territoriais, para avançar”, afirmou.
Atuação do governo no Estado
Resgatando as falas do Ministro do Desenvolvimento Agrário, no sentido de buscar formas de melhoria à soberania e segurança alimentar com qualidade, Marcos Regelin, Delegado do MDA no RS, reforçou que a agroecologia é o programa que poderá preservar o meio ambiente, a vida e a água. Ele falou sobre a importância de saber como as políticas públicas estão chegando às propriedades e qual o grau de evolução e crescimento nessas localidades para poder avançar mais.
“É preciso ver como nossos agricultores orgânicos conseguem se apoderar das políticas, como o crédito, o Pronaf Agroecologia, a Ater agroecologia, etc. Qual a necessidade para conseguir escalas e atender os programas institucionais, porque ainda não estamos no estágio de atender todas as escolas municipais com produtos naturais. Discutir a comercialização, ver se já estamos organizados ou não para atender o mercado institucional”, destacou.
Se esse ainda é um desafio na região sul, nas outras do país a situação é muito pior, complementou o gestor. É preciso, nesse sentido, avaliar por que não conseguimos colocar crédito ao agricultor agroecologista apesar dos R$ 29 bilhões disponíveis para agricultura familiar.
“Desafio que temos perante a sociedade brasileira de produzir diariamente para abastecê-la com qualidade e soberania e segurança alimentar. Esse debate tem de ser confrontado para avançar na perspectiva de políticas públicas para agroecologia. Teremos dificuldades em recursos públicos, não será tão farta a cesta de políticas nos próximos anos. Por isso, executar com muita qualidade as políticas que estão aí”, afirmou o gestor.
Por outro lado, Flavia Londres, da secretaria da ANA, lembrou as dificuldades já enfrentadas pela agricultura familiar. Ela comparou os bilhões destinados ao agronegócio em relação aos poucos recursos creditados à agricultura familiar. “É preciso dar apoio, recursos, assessoria técnica, etc. Existem trabalhos executados não sendo pagos, porque as chamadas não estão remunerando e equipes sendo desconstituídas e organizações quebrando por conta disso”, criticou.