Porquê a agroecologia é de interesse para a sociedade mato-grossense? Essa pergunta foi o fio condutor que orientou as apresentações e discussões do Seminário Regional de Comercialização da Agricultura familiar e Agroecológica, organizado pelo Grupo de Intercâmbio em Agroecologia – Gias, nesta quinta e sexta feira (26 e 27) em Cáceres.
Ao longo dos dois dias, representantes da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – Fase, membros da Articulação Nacional de Agroecologia – ANA e representantes de associações camponesas agroecológicas apresentaram o panorama histórico-político de Mato Grosso.
O problema inicial é claro: o modelo que domina as esferas políticas e econômicas de Mato Grosso, imposto pelo agronegócio, é social e ambientalmente insustentável e injusto. O único objetivo é gerar lucro, custe o que custar, mesmo se isso coloca em risco o meio ambiente, a sociedade, a saúde da população, entre outros. Um exemplo é o que acontece hoje com a invasão das monoculturas (soja, cana, algodão, etc.), com a utilização de agrotóxicos e transgênicos e a exclusão de populações com seus direitos e tradições.
No entanto, a pesar dos riscos existentes, o agronegócio continua monopolizando os recursos e o apoio dos governos, em detrimento da sociedade civil, como assentados, indígenas, populações tradicionais, entre outros. Leonel Wohlfahrt técnico em desenvolvimento e planejamento social da Fase, explicou que esse contexto se deve em grande parte a um conjunto de mitos, entre eles o de que este sistema vai garantir a alimentação no mundo. “É com essa desculpa que o agronegócio acabou cooptando os recursos públicos, a legislação e as tecnologias existentes, que constituem os três pilares desse modelo”, disse o técnico. Leonel explica que a solução é apostar na reforma agrária e em um modelo de produção que já fornece cerca de 70% dos alimentos consumidos pela população brasileira: a agroecologia.
Por que a agroecologia
Foi por causa desse panorama que várias organizações e movimentos sociais se mobilizaram e, em 1999, criaram o Gias, a referência estadual de agroecologia. Entre as razões para a criação do Grupo, estão alertar a sociedade mato-grossense sobre os riscos do modelo imposto pelo agronegócio e propor a agroecologia como alternativa viável, já existente e operante.
Nesse sentido, o Seminário Regional realizado em Cáceres visa planejar e incentivar a adoção de um Plano Estadual de Agroecologia e Sistemas Orgânicos de Produção no Mato Grosso, em fase com a Politica Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO. Cerca de 60 pessoas puderam participar de palestras, debates e apresentações culturais, voltadas para a valorização da agroecologia no estado.
No entanto, para que seja possível adotar esse sistema, é necessário informar a população mato-grossense sobre a necessidade de garantir a soberania alimentar, a saúde e a dignidade de todos. A agroecologia propõe por um lado uma forma de fazer agricultura que aposta na diversidade dos cultivos, sem utilização de agrotóxicos, valorizando a terra e o trabalho feito nela. Por outro lado, a agroecologia é muito mais do que um processo produtivo, é um estilo de vida que valoriza a cultura, os conhecimentos e as tradições, buscando estabelecer uma ordem justa para todos. Por exemplo, não é possível considerar a agroecologia sem abordar as questões de gênero e mais especificamente a valorização e o empoderamento da mulher na sociedade.
Flávia Londres, da secretaria executiva da ANA, explicou que para divulgar as vantagens da agroecologia, a sociedade civil e mais especificamente as associações e movimentos sociais precisam se organizar e se articular através da criação de redes como a do Gias. A pesquisadora agregou também que as informações divulgadas precisam ter uma base de dados científicos, para conscientizar a sociedade civil. “O problema é que as entidades de formação, como as universidades, criam profissionais destinados a trabalhar em empresas de produção em grande escala”, lamentou Flávia. Por essa razão, um ponto crucial do processo é a formação de professionais conscientizados, que conheçam os impactos do agronegócio e os benefícios da agroecologia.
Gias, 15 anos de luta e resistência: semeando a agroecologia e a soberania dos povos
O Gias, que através do Seminário está celebrando 15 anos de luta e resistência, é composto por mais de 30 organizações, e muitos outros parceiros, como é o caso da ANA. O Grupo se articula ao redor de três pilares de atuação que são, o apoio e a assistência para a produção e comercialização agroecológica, a organização da comunicação e visibilidade da agroecologia e processos de formação e educação. Para isso, várias ferramentas são utilizadas, como a construção de um Banco de Informações sobre Sementes Tradicionais – BIS para viabilizar uma rede de troca de sementes, além de campanhas, atos políticos, intercâmbios, encontros, seminários, feiras, entre outros.
Dentre os resultados obtidos estão o acesso a Políticas Públicas como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. No entanto, Fátima de Moura, coordenadora estadual da Fase, disse que isso era só um começo, já que os recursos e a assistência técnica para agroecologia e agricultura familiar ainda são muito precários. Ela explicou que o Seminário procura uma maior incidência política estadual através da criação do Plano Estadual de Agroecologia e Sistemas Orgânicos de Produção. “Este evento é o primeiro de vários, onde os membros do Gias em parceria com a ANA tentarão, através de estudos socioeconômicos e debates, elaborar um Plano Estadual focando na valorização, certificação e produção da agroecologia”, disse Fátima. Uma vez elaborado, o plano será apresentado ao governo estadual.