Aproximadamente 30 participantes do XV Encontro Regional de Agroecologia Nordeste (ERA) visitaram na última sexta-feira (01/05) o Memorial das Ligas Camponesas na comunidade Barra de Antas, no município de Sapé, na Paraíba. O local é a antiga casa de João Pedro e Elizabeth Teixeira, agricultores da região que deram suas vidas em defesa da luta pelas terras e a autonomia dos trabalhadores do campo. Na ocasião, os estudantes tiveram a oportunidade de conhecer melhor a história do assassinato do agricultor e sobre o nascimento das organizações do campo na região.
O memorial tem uma diretoria composta por algumas organizações sociais do Estado, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), e hoje luta pela construção de uma Escola Família Agrícola (EFA), modelo de ensino voltado para a realidade rural local. A partir de 2012 o terreno de 7 hectares foi desapropriado e passou para administração do memorial. Existe a plantação de 14 famílias no terreno, e tem uma comunidade com 150 famílias de Barra de Antas no entorno. A maioria dos moradores vive da construção civil e bicos na região: mais de 50 anos depois ainda ninguém é dono da terra.
A história da família Teixeira ficou conhecida graças ao documentário Cabra Marcado para Morrer, do cineasta Eduardo Coutinho, que começou a ser filmado antes do golpe militar em 1964. João Pedro Teixeira ainda estava vivo, mas o vídeo só foi concluído na década de 90. As filmagens quase foram destruídas pelos militares, e o cineasta conseguiu não só recuperá-las como também encontrar Elizabeth Teixeira, que ficou 17 anos morando em São Rafael, no Rio Grande do Norte, sem revelar sua identidade a ninguém.
A história é marcada por tragédias, pois não só João Pedro Teixeira foi assassinado numa emboscada como também alguns de seus filhos morreram. Uma de suas filhas se envenenou após a morte do pai, por exemplo. Tudo começou quando Teixeira começa a organizar os trabalhadores para acabar com o “cambão”, sistema que obrigava o morador a trabalhar de graça um ou dois dias para o proprietário. A briga com proprietários já vinha desde seu pai, que também foi assassinado pelo mesmo motivo. Os dois policiais que mataram João Pedro a mando do fazendeiro Agnaldo Veloso Borja, coronel que era deputado estadual, foram presos mas não chegaram a ficar dois meses na cadeia.
“As Ligas aqui em Sapé se preocupavam com o povo, os agricultores mal eram enterrados, a prefeitura emprestava o caixão só até o cemitério: nem na hora de morrer o pessoal tem dignidade. De lá para cá tem muitos registros de pessoas assassinadas do MST, CPT na luta pela terra. Todo dia 02 de abril fazemos uma atividade de reivindicações para ter mais atividades e estrutura ao memorial, além do apoio à luta dos camponeses e o resgate de sua história”, disse Cândido do Nascimento, da diretoria do memorial.
Ele contou que a Liga tinha mais de 10 mil associados nessa época, e eles lutavam pela indenização das terras dos camponeses. João Pedro era pobre e negro, trabalhava numa pedreira do sogro, que era um pequeno proprietário. Ganhou um pedaço de terra para calar a boca e interromper suas lutas, mas nunca parou: Levou Elizabeth para Recife, onde conheceu o advogado Francisco Julião. Pernambuco foi seu incentivo de luta, e passou ainda por Goiás e Rio Grande do Norte.
Já havia um movimento no Engenho Galileia, em Pernambuco, mas João Pedro disseminou as lutas. Após sua morte muitas pessoas aderiram, e fizeram protestos nas ruas. Sua mulher continuou seu legado, foi perseguida e ameaçada de morte, até chegou a ser presa. Elizabeth tentou lançar sua candidatura à deputada na época, mas como Assis Lemos era mais conhecido ele se elegeu. Viu que seria assassinada e renunciou à candidatura. Hoje ela tem 90 anos em João Pessoa, e ainda vai a várias atividades.
“Aqui não é um memorial como outro qualquer, porque colocamos todos em comum quando chegamos para tentar sentir como foi a vida desses guerreiros. Nesses recortes de jornais da época você sai enriquecido sobre a história. Sabe, por exemplo, que um vereador chamado João Pedro Diniz foi preso e ninguém nunca mais achou. De um modo geral vem muito estudante, inclusive gente de fora do país”, relatou o diretor.
De acordo com Ítalo Diego, estudante de gestão de políticas públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que acompanhou a visita, esse tipo de oportunidade é excelente para o estudante ter acesso a esses conhecimentos e trocas de saberes que não têm dentro da universidade.
“É fundamental porque em situações dessa você tem acesso a informação e histórias que não estão em livros, documentários ou sala de aula. Essa história da Liga me choca ainda pelo fato das famílias que moram no local até hoje não serem donos de terra, mesmo após mortes, lutas e tudo mais ainda trabalham numa terra cedida ou ocupada. E num país essencialmente agrícola é fundamental para produzir, viver, se relacionar. São privados desse aspecto fundamental do meio rural que é a terra”, disse o estudante.