Por Eduardo Sá (ANA), Gleiceani Nogueira (ASA) e Rodrigo Carvalho (CTA-ZM/MG) e Laudenice Oliveira (Centro Sabiá/PE)
Entre os dias 2 e 4 de dezembro, aconteceu em Tamandaré, na Mata Sul de Pernambuco, o Seminário “Promoção da Agroecologia nos Territórios” realizado pela da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Na oportunidade, representantes de 40 organizações de todas as regiões do País discutiram como ampliar a articulação entre movimentos que atuam na dinamização de redes de promoção da agroecologia em diferentes territórios, e como qualificar a atuação dessas entidades a partir dos novos projetos viabilizados pelo edital Redes Ecoforte, da Fundação Banco do Brasil, e as chamadas de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) para Agroecologia.
Uma das estratégias do seminário foi levar os participantes a conhecerem algumas experiências de agroecologiana Zona da Mata Sul e como elas resistem e se expandem frente ao agronegócio na região, caracterizado pela monocultura da cana-de-açúcar e, mais recentemente, pelo Complexo Industrial Portuário de Suape, um dos principais polos de investimentos do País. Todas asexperiências são assessoradas pelo Centro Sabiá, entidade que atua para a promoção da agroecologia e que integra a ANA.
Experiência da agricultora Bete – Tamandaré
A agricultora Elizabete Silva, conhecida na comunidade como Bete, do Assentamento Jundiá de Cima, em Tamandaré, iniciou o processo de transição agroecológica há quatro anos, quando passou a fazer parte do Projeto “Trabalho, Renda e Sustentabilidade no Campo” executado pelo Centro Sabiá, com patrocínio da Petrobras.
A diversidade da propriedade de Bete é surpreendente. Ela cria galinhas de capoeira e atualmente tem 46 em postura e 250 pintinhos que comercializa em feiras. Na propriedade também tem um sistema PAIS, que integra a criação dessas galinhas e a produção de hortaliças. Com o esterco delas produzido no sistema, ela faz a compostagem que utiliza para adubar as diversas culturas existentes em sua propriedade.
A agricultora também tem um sistema agroflorestal onde cultiva inúmeras frutíferas, plantas ornamentais e medicinais, e um sistema de captação de água de chuva para irrigação dos cultivares e produção de urucum que ela destaca: “a produção do Urucum dá mais dinheiro do que a cana-de-açúcar, vendo a semente triturada a R$ 5,00 o quilo, com menos esforço e em uma área muito menor”.
Cansada de observar o fatigante trabalho dos boias-frias na colheita da cana-de-açúcar, além do constante uso de drogas por eles e do baixo retorno financeiro, Bete desistiu de plantar cana, uma cultura que explora a mão-de-obra e oprime o trabalhador rural.
Para Lilian Teles, técnica do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA), de Minas Gerais, “ela [Bete] nos ensina a transformar uma realidade, a ter esperança em mundo melhor, pois transformou um mar de cana-de-açúcar em uma linda experiência de agroecologia”.
Bete participa da Associação Comunitária de Agricultores/as de Jundiá de Cima e do grupo Sabor e Vida que realiza a Feira Agroecológica de Tamandaré toda sexta-feira, onde ela comercializa o excedente de sua produção.
“Eu mudei como pessoa. Depois que a gente para e observa o comportamento das plantas, a gente aprende a observar o nosso comportamento também. Na agroecologia a gente deixa de ser eu para sermos nós”, relata Bete.
Produção e Comercialização de polpa de frutas na mata atlântica de Pernambuco
Há 12 anos a comunidade no Assentamento Engenho Conceição está desenvolvendo seu sistema agroflorestal no município de Sinhaém, na mata atlântica de Pernambuco, em meio ao monocultivo de cana-de-açúcar característico da região. Sua Unidade de Beneficiamento de Polpa de Frutas Maria Zumira de Freitas está em funcionamento desde 2012, cuja comercialização já está integrada ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), nas feiras agroecológicas e ao restaurante de Dona Cristina, da própria comunidade. A proposta era envolver principalmente as mulheres e jovens, além de fortalecer as agroflorestas e aumentar a escala do trabalho, que antes era feito manualmente pelas famílias. A Unidade de Beneficiamento é fruto de um projeto executado pelo Centro Sabiá com o patrocínio da Petrobras.
A comunidade ocupa 32 parcelas vendidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). No momento, sete pessoas fazem a gestão do empreendimento e estão envolvidas no processo de agroindustrialização. Despolpadeira, frízeres e máquina de selagem fazem parte dos equipamentos adquiridos pelo projeto para produção da polpa e o armazenamento dos produtos. Há quatro meses que o trabalho na unidade de beneficiamento está parado por falta de energia, devido ao transformador que quebrou e, apesar das solicitações, a companhia de energia do estado ainda não fez a troca. Além do trabalho com beneficiamento de frutas, as famílias criam animais e plantam hortaliças para consumo e venda nas feiras, inclusive através do Programa Agroecológico Integrado e Sustentável (PAIS).
“Depois de lavada, a fruta é pesada e vai para despolpadeira antes de embalar e ser armazenada no freezer. As embalagens são de 200g, 1/2 kg e 1 kg, com preço de R$ 7,80. É pouca polpa em relação à quantidade de pedido. Não chega a 100kg por dia. Fornecemos no PNAE cerca de 80kg por mês cada família, na época de safra”, explicou Alisson, jovem que trabalha na comunidade.
A unidade foi conquistada com muita luta e reuniões. As polpas mais produzidas são de cajá, acerola, graviola, mas também tem pitanga, maracujá, açaí, entre outras. Para não parar a produção, a preparação da polpa está sendo realizada manualmente, assim como a embalagem dos produtos. O custo com energia varia de R$ 200 a R$ 250 por mês. Poucos da comunidade participam da comercialização da produção que acontece na feira livre e na feira agroecológica do município. A prefeitura apoia com um transporte para buscar os produtos na comunidade.
O funcionamento do empreendimento varia de acordo com a safra, e cada um ganha segundo seu trabalho pessoal. A estrutura é coletiva, mas a produção, no momento, é familiar. Todos e todas têm freezer em suas casas para manter os produtos, mas quando um termina ajuda o outro, complementou o jovem agricultor. Os custos são todos divididos igualmente. A grande dificuldade é a falta de uma câmara fria, pois atualmente não conseguem estocar polpa suficiente para a demanda que lhes chega. “A gente é tudo família e trabalha em união, se quebra alguma coisa ou precisa de mais reunimos todos para resolver”, afirmou.
A agroindústria é autorizada pela Vigilância Sanitária Municipal para beneficiar suas polpas. O nome da Unidade de Beneficiamento de Polpa de Frutas Maria Zumira de Freitas foi uma homenagem a avó da família, que sempre sonhou com esse trabalho e fazia todo o processo manualmente mas morreu antes, aos 65 anos.
Experiência da comunidade quilombola Engenho Siqueira – Rio Formoso
A comunidade Engenho Siqueira, localizada no município de Rio Formoso, foi reconhecida como quilombola no dia 08 de março de 2005. O território chama atenção pela grande diversidade ecológica, uma vez que é cortado por área de mangue e de Mata Atlântica. Apesar de estar numa região dominada pela monocultura da cana-de-açúcar, a comunidade não cultiva essa cultura e não tem o histórico de uso de veneno, mas a queimada era uma prática comum entre os moradores. A mudança no modo de produzir começou há cinco anos, com o apoio do Centro Sabiá.
Atualmente, das 140 famílias que vivem em Siqueira, a maior parte já pratica a agroecologia. Uma delas é a família de Joeli da Silva, de 28 anos. Ela cultiva frutíferas, através de sistema Agroflorestal, plantas medicinais, ornamentais, e cria galinha de capoeira. Joeli também trabalha com a pesca artesanal e o beneficiamento da produção através de bolos, polpa de frutas, pimentas em conserva, azeite de dendê, azeite de coco e lambedores. O excedente da produção, Joeli e outros quilombolas vendem em eventos e na Feira Agroecológica de Rio Formoso toda quarta-feira.
“A minha vida mudou totalmente. Hoje tenho mais força pra tá trabalhando, mais incentivo, mais consciência, mudou totalmente. Eu me sinto bem aqui”, diz a quilombola que também é sócia do Sindicato dos Trabalhadores de Rio Formoso e secretária da Associação da Comunidade Quilombola dos Agricultores de Siqueira.
A inserção e a participação da comunidade em espaços políticos vêm fortalecendo o processo organizativo dos moradores de Siqueira e, consequentemente, o acesso às políticas públicas. Desde 2012, a comunidade vem lutando para fornecer os alimentos para as escolas, através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). O assunto já foi pauta de várias reuniões nos Conselhos de Desenvolvimento Rural Sustentável e da Merenda Escolar, em diálogo com as secretarias de educação e da agricultura do município. Um dos principais desafios foi comprovar que eles tinham produção suficiente para fornecer ao programa. Essa etapa foi vencida e agora eles aguardam a chamada pública para acessar a política.
“Antes a gente vivia isolado, sem nenhuma expectativa. Mas hoje estamos sendo mais vistos, mais visados, podemos acessar as políticas públicas pelo fato de sermos quilombola. Toda reunião a gente é chamado pra participar porque somos a única comunidade quilombola reconhecida na região. Hoje, a gente já tem o diálogo com a sociedade. Somos aceitos nos espaços. Somos visto com outro olhar, não mais como pobres coitados, mas como um povo de grandes expectativas”, diz com orgulho Cláudio de Freitas Pageú, presidente da associação comunitária e integrante do Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável.
Ater Agroecologia – Quarenta famílias de Siqueira estão participando do projeto ATER Agroecologia executado pelo Centro Sabiá na região. A chamada de ATER Agroecologia é uma conquista da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) e visa consolidar e ampliar processos já existentes de promoção da agroecologia e possibilitar o desenvolvimento dos sistemas de organização de famílias agricultoras. As chamadas estão sendo executadas em todas as regiões do País por diversas entidades da sociedade civil ligadas à Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Intercâmbio para conhecer outras realidades e fortalecer a economia solidária
Agricultores e agricultoras que comercializam na Feira Agroecológica de Rio Formoso, Zona da Mata Sul de Pernambuco, receberam visita de intercâmbio de representantes de organizações de diversas regiões do Brasil e que fazem parte da Articulação Nacional de Agroecologia.
A visita aconteceu no segundo dia do Seminário, onde os representantes dialogaram com os/as feirantes, tiraram dúvidas sobre os produtos comercializados, provaram dos alimentos beneficiados como bolos, beijus e tapiocas, além de partilharem suas experiências sobre economia solidária vivenciadas nos seus territórios de origem.
O agricultor do assentamento Amaraji, José Luiz, que faz parte da coordenação da feira, falou para os/as visitantes sobre a importância dela para a famílias que comercializam. “A gente traz o que produzimos na nossa propriedade, oferecemos produtos de qualidade para a população e divulgamos o que fazemos”.
A agricultora Magali, da Comunidade Quilombola de Siqueira, Rio Formoso, destaca o papel da feira na geração de renda para as famílias, em especial para as mulheres. “Ela é muito importante pra gente que não tinha nenhuma atividade para ganhar algum dinheiro. Depois da feira isso mudou, ajudou muito, inclusive na formação dos meus filhos, porque eu tive uma renda que nunca tive antes”, explica ela. A Feira Agroecológica de Rio Formoso faz parte da Rede Agroecológica da Mata Atlântica (RAMA), que reúne organizações de assessoria e de famílias agricultoras do território.
O grupo que realizou a visita avaliou de forma positiva a organização das famílias para estimular o consumo de alimentos agroecológicos pela comunidade local. Viram também como desafiante a missão desses agricultores e agricultoras que rompem barreiras num território comandado pelo agronegócio da cana-de-açúcar onde parcelas dessas famílias são cercadas pelos plantios de cana das usinas da região.