Por Rafael Zanvettor, da Caros Amigos
No dia 3 de dezembro, militantes contra o uso de agrotóxico por todo o mundo irão tomar as ruas no Dia Internacional do Não Uso dos Agrotóxicos, organizado no Brasil pela Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. A campanha é uma articulação permanente entre diversos movimentos sociais, sindicais e setores de toda a sociedade civil contra o uso dos agrotóxicos.
A campanha existe há quatro anos, e começou motivada pela mobilização contra os impactos dos agrotóxicos à saúde pública, que atingem diversos territórios e envolvem diferentes grupos populacionais, como trabalhadores rurais, moradores do entorno de fazendas, além de toda a população brasileira, que de um modo ou de outro acaba consumindo alimentos contaminados. A posição que o Brasil ocupa, desde 2008, como o maior consumidor de agrotóxicos do mundo faz com que a mobilização seja ainda mais pertinente.
Chuva de veneno
Além da óbvia pauta principal, contra o uso dos agrotóxicos, existem cinco pontos que são almejados pelo movimento a um prazo mais curto. O primeiro deles é a pressão contra a pulverização aérea, ou seja, a aplicação de agrotóxicos por avião. O coordenador da campanha, o engenheiro Alan Tygel, afirma que o uso dessa forma de dispersão de substâncias químicas é extremamente prejudicial e já deveria estar proibido, como na Europa, onde a prática é vetada desde 2009.
“A gente sabe que uma pequeníssima parte desse veneno atinge de fato as plantas e o resto contamina rios, o solo e expõe as populações que moram no entorno das plantações a tomar chuvas de veneno, como a gente viu em Goiás, em uma escolinha de Rio Verde, entre outros casos”, disse ele, se referindo ao caso da contaminação de funcionários e alunos de uma escola do assentamento rural Pontal dos Buritis, na cidade de Rio Verde (GO).
No caso, os frequentadores da escola foram envenenados pelo agrotóxico Engeo Pleno, responsável pelo aparecimento, em longo prazo, de câncer, lesões hepáticas, doenças no sistema nervoso, distúrbios hormonais e malformação. Vômitos, dores intensas na cabeça e falta de ar ocorrem de imediato ao contato com o pesticida, sintomas apresentados pelos 92 contaminados.
Segundo ele, houve algumas vitórias parciais em alguns municípios onde a pulverização aérea foi pontualmente proibida. O engenheiro cita o caso em Limoeiro do Norte (CE), quando Zé Maria do Tomé, líder comunitário e ambientalista, foi assassinado por denunciar as consequências da pulverização aérea de agrotóxicos na região da Chapada do Apodi. O militante foi assassinado uma semana após a aprovação da proibição da pulverização aérea, que caiu um mês após sua morte.
Banimento dos “banidos”
Outro ponto reivindicado pela campanha é a proibição de agrotóxicos que já foram banidos no exterior ou que têm comprovadamente efeitos nefastos para a saúde. “Há diversas substâncias que já foram proibidas nos EUA, na Europa, e até na China e aqui segue sendo uma espécie de uma lixeira tóxica”. No Brasil, a pressão pela proibição já conseguiu alguns avanços, mas ainda anda a pequenos passos. Entre 2010 e 2011, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conseguiu encaminhar a avaliação de 14 substâncias, das quais quatro já foram banidas. Infelizmente, há outras dez relatorias da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Nacional do Câncer que foram engavetadas pela pressão da bancada ruralista.
“No ano passado a gente teve o Congresso aprovando a importação de agrotóxicos proibidos no Brasil em caráter de emergência, quando se detectou o surto da lagarta Helicoverpa armigera na Bahia e se disse que a única solução para essa praga seria uma substância, o benzoato de emamectina, uma substância que já foi proibida no Brasil duas vezes por ser neurotóxica, causar danos neurológicos, e o Congresso permitiu a importação dessa substância passando por cima dos órgãos de saúde e meio ambiente que a haviam proibido”, lembra o engenheiro. Após a eleição, o fortalecimento dos ruralistas tornará o cenário ainda mais desolador.
Bancada ruralista
Não por outro motivo, a bancada ruralista no Congresso Nacional é a grande inimiga da campanha, e será o alvo da mobilização do dia 3 de dezembro. “Há uma pressão muito forte vindo desses setores do Congresso que são financiados pelo agronegócio, que agem, portanto, em seu próprio interesse, e agem no sentido de aprovar cada vez mais leis que permitem um uso maior de agrotóxicos”.
Em um caso exemplar, em 2012, um dos gerentes da Anvisa, Luis Claudio Meirelles, foi demitido por pressão do agronegócio, após denunciar irregularidades na liberação de seis agrotóxicos, que foram liberados sem passar pelas avaliações toxicológicas necessárias e com uma falsificação de sua assinatura. “Ele foi demitido porque era alguém que estava lá para cuidar dos interesses da população em termos de saúde”, afirma Alan Tygel.
“Isenção tóxica” e transgênicos
Além da pulverização área e do banimento de alguns agrotóxicos, ainda há a questão da isenção de impostos sobre os produtos. Os agrotóxicos gozam de um regime de isenção inacreditável dado o prejuízo que eles dão para a saúde. Inevitavelmente, não se pode falar do uso de agrotóxicos sem falar de transgênicos. Segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), de 2001 a 2012, a venda de agrotóxicos no Brasil passou de 328.413 toneladas para 823.226 toneladas, o que representa um crescimento de 288,41%. As datas de aumento rápido do uso de agrotóxicos coincidem com o uso oficial e não oficial de transgênicos no Brasil.
Entre 2002 e 2003 começaram as primeiras denúncias de uso ilegal de transgênicos, que entravam pela Argentina. A partir de 2004, com o uso dos transgênicos praticamente consolidado, o governo aprova e regulamenta seu uso.
Para o engenheiro, “a questão dos transgênicos tira completamente a soberania nacional enquanto produtores de sementes. Hoje, se a Monsanto resolve parar de fornecer sementes de milho transgênicas vai haver um caos no Brasil porque quase 90% de nossa produção é transgênica”.
Alternativas
Apesar do cenário difícil, há uma alternativa ao uso do agronegócio imposto pela agroindústria. A engenheira agrônoma Francileia Paula de Castro, do programa da FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional em Mato Grosso, afirma que o Brasil já tem uma ampla experiência no modelo de produção agroecológico. “Nós temos no Brasil várias experiências de produção de alimentos de base orgânica que adota os princípios da agroecologia, utilizados, por exemplo, em alguns acampamentos da reforma agrária”, afirma ela. A agroecologia propõe um modelo de produção sem o uso de agrotóxicos ou adubos químicos, focada no equilíbrio entre a produção alimentícia e a natureza.
Segundo ela, com a experiência acumulada da agroecologia é possível produzir alimentos em larga escala. Visto que 70% da produção alimentícia do país é realizada pela agricultura familiar, não seria difícil implantar os princípios da agroecologia pelo país. Com a agroecologia é possível produzir sem o uso de agrotóxicos, através das chamadas caldas naturais, como extratos de alho, fumo, cavalinha, pimenta, pó de rocha, argila, cinza de madeira etc. Mais importante que isso, no entanto, é a manutenção do equilíbrio natural do ambiente. “A agroecologia propõe o equilíbrio da produção de alimentos. Com esse equilíbrio não há a necessidade de uso de agrotóxicos porque o ambiente está em harmonia, e não há os altos índices de ataques de pragas”, afirma ela.
O coordenador da campanha Alan Tygel cita também como solução a construção de zonas livres de agrotóxicos e de transgênicos. “É fundamental que a gente consiga estabelecer áreas em que seja proibido o uso de agrotóxicos e de transgênicos para que a agroecologia possa se desenvolver de forma plena.”
Falta de incentivo
Por outro lado, o que poderia ser uma solução esbarra na falta de incentivo, crédito e políticas públicas para fortalecer os agricultores familiares. Segundo a engenheira Francileia Paula de Castro, são necessários “mais recursos para pesquisas em tecnologias para aumentar a produtividade dos produtos orgânicos e mecanismos de comercialização para que o produto orgânico não seja caro. Queremos ofertar um produto orgânico pelo mesmo preço do não orgânico, mas para isso o produtor precisa receber crédito e assistência técnica. E, infelizmente, a oferta de assistência técnica hoje ainda é no viés do adubo químico e do agrotóxico, o que dificulta a produção orgânica. E sem crédito e incentivo fica difícil para o agricultor realizar a produção orgânica”.
Segundo ela, é necessário que o governo faça uma escolha do modelo de produção, “porque os dois são incompatíveis. O agronegócio diz que é possível conciliar, mas é impossível, há diversas comunidades que estão sendo impactadas porque ao lado tem uma plantação que acaba contaminando os lençóis freáticos”.
Mais informações podem ser obtidas no site da campanha, clicando aqui.