eloirLábrea (AM) – Há mais de 30 anos estudando agroecologia, o agricultor Eloir Bernardon, morador da Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, está convencido que o sistema agroflorestal é a solução para a agricultura familiar. Ele foi instrutor na semana passada do mutirão agroflorestal e da troca de sementes na terra indígena Caititu, aldeia Novo Paraíso, que fica em Lábrea, no Amazonas, próxima à rodovia Transamazônica. O trabalho foi realizado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) com os povos da etnia Apurinã e recebeu a visita de indígenas do Mato Grosso e do Acre, estimulando a troca de saberes e o fortalecimento da diversidade alimentar da região.

 

Bernardon produziu por mais de duas décadas hortaliças orgânicas em seu Sítio Jamacá, onde atua hoje o grupo Semente de formação para sistemas agroflorestais, até conhecer o trabalho de Ernst Goeth, um dos pioneiros dessa técnica. Há doze anos visitou algumas experiências no sul da Bahia e começou a aprofundar seus estudos e práticas sobre os sistemas. Participou de alguns cursos avançados com o guru da agrofloresta, e foi aperfeiçoando seus métodos sem passar pela academia. Seu mais novo desafio é desenvolver esse trabalho junto às tribos indígenas, cujos resultados já podem ser vistos nalguns territórios. Na entrevista para a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) ele fala sobre os sistemas agroflorestais, a importância dos indígenas para agroecologia e a formação dos agrônomos.

Quando começou seu trabalho com os indígenas e quais são suas avaliações?

Em 2012 surgiu uma oportunidade de trabalhar com povos indígenas, e desde então trabalhei com muitos e gostei da experiência. Fico muito feliz quando esses povos, que têm uma tradição milenar de queimar a roça, de repente passam a não mais queimar suas áreas. Muito feliz de ter passado essa informação, e de eles perceberem que agrofloresta dá certo mesmo em áreas degradadas. No caso aqui com furão (capim no solo ácido), por exemplo, existe há mais de 15 anos e eles não plantam mais nada ficando uma área inútil. E a gente conseguiu transformar essas áreas sem aporte de nenhum adubo, calcário ou agrotóxico, com esse sistema agroflorestal e vencemos o furão transformando essas áreas de sapê em produtivas.

Quais são os princípios técnicos que dão base ao sistema utilizado por você?

eloir em campoAté 2009 usava-se o sistema que o Ernst chamava de muvuca, misturava tudo às sementes e a terra. Mas ele viu que não dava certo, porque o solo estava tão pobre que essa muvuca com um monte de plantas, que era para podar depois de fazer o solo, não satisfazia porque essas plantas não se desenvolviam. Então a partir de muitas pesquisas em 2009 apareceu o sistema de canteiros florestais, que é fazer um plantio concentrado num corredor deixando um espaçamento que varia de 4 a 8 metros dependendo da situação. Nesse espaçamento a gente planta adubação, normalmente com um capim elefante e margaridão, mas as sessões no caso de um solo muito ácido nenhum deles desenvolve. No caso aqui percebemos que o urucum além deles colherem forma uma massa muito boa, então pode usar para adubação e ainda colher. Constantemente tem que ser podado, daí rebrota dessa massa que poda e ajuda a enriquecer de matéria orgânica os canteiros.

Quais os desafios e benefícios em trabalhar com indígenas na agricultura familiar?

Com os indígenas precisamos estar mais preparados, porque cada um tem seus costumes então antes de chegar a uma aldeia temos que saber um pouco mais sobre o povo. Mas não tem muita diferença, não.

Você não passou pela academia, mas estudou essa área. O que pensa sobre a formação dos agrônomos? É a partir dali que vem o subsídio teórico das empresas.

Pratiquei e pesquisei muito, acho que a academia é válida mas a gente percebe que limita muito as pessoas. Elas saem da academia meio bitoladas naquilo que aprenderam. Hoje o curso de agronomia está totalmente voltado ao agronegócio, então às vezes é difícil você conseguir um agrônomo – a gente dá curso no meu sítio sobre SAF e agroecologia – para fazer o curso. Geralmente são alunos da biologia, engenharia florestal, mas de agronomia é meio raro.

Como você vê nas viagens que faz Brasil afora a agroecologia de 30 anos atrás para hoje?

Nesse meu percurso de aprendizado viajei vários estados para visitar produtores e fazer cursos, e com certeza está crescendo. As pessoas estão se conscientizando do que estão comendo: já existe uma consciência grande, cada vez maior, de pessoas que perceberam que no produto orgânico o sabor é diferente, a durabilidade e, consequentemente, a saúde melhor.

Estudei muito agroecologia mas o sistema agroflorestal foi o que bateu, porque é muito mais fácil de produzir porque já que não precisa estar toda hora cuidando. Se não der tempo ele também espera, não vai perder nada, enquanto as hortaliças que eu trabalhava não tinha um final de semana ou feriado livre. Tinha que estar constantemente no trabalho, e na agrofloresta posso viajar e quando volto manejo e colho meus frutos. Sempre muita colheita, a gente nunca volta de mãos vazias, sempre tem alguma coisa para colher porque é uma diversidade muito grande. Uma fartura e uma riqueza, e cada vez mais você planta frutos que vão produzir de 5 a 30 anos e sempre vai ter alguma coisa para colher.

E por que realizar a troca de sementes crioulas entre os povos indígenas?

É muito emocionante, no momento em que estamos de híbridos e transgênicos e você vê aquela riqueza de sementes. Isso para mim vale ouro, e aqui apesar de ser uma pequena feira de sementes houve uma interação muito grande e todo mundo está levando uma semente diferente para sua roça.