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Agricultores familiares se organizaram em Santa Catariana para viabilizar pequenos empreendimentos. Com a necessidade, foram criadas cooperativas para produção de alimentos vegetais e minerais. Hoje são centenas de negócios, que se tornaram referência nacional, em diversos municípios da região. Projetos de agroindústrias do Ministério do Desenvolvimento Agrário são baseados nas experiências desses territórios, por exemplo.

Diva Vani Deitos, diretora da Associação dos Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense (APACO), explica como os agricultores vêm se organizando e quais produtos eles comercializam. A APACO foi fundada em 1989, com sede em Chapecó (SC), e tem como objetivo estimular e assessorar o desenvolvimento da agricultura familiar na região Oeste de Santa Catarina. Em entrevista a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), ela fala sobre a certificação participativa dos produtos, a geração de renda local e a proposta de fazer a juventude permanecer no campo.

Vocês trabalham com várias cooperativas, como se fosse uma rede?

A APACO é uma ONG e dentro dela foram criados vários programas: agroindústria, agroecologia, crédito solidário, etc. Dentro dela temos uma base de serviços que veio pelas necessidades. As nossas cooperativas deram certo por causa da necessidade. As pessoas que estão nas agroindústrias ou nas cooperativas são as excluídas da ave, suíno e do leite. O leite era uma alternativa da agricultura familiar na nossa região.

Diante das propostas da APACO, chegamos à necessidade de discutir a agroindústria. Elas foram surgindo com a lei de fabricação artesanal, em Santa Catarina, e hoje são em torno de 200 agroindústrias em cerca de 60 municípios. Então tivemos a necessidade de uma marca, a Sabor Colonial, e dentro dela vieram os serviços também: veterinário, engenheiro de alimentos, contadores, administrativo, a parte burocrática. Criamos uma base, que se chama Unidade Central das Agroindústrias Familiares (Ucaf).

Pensávamos que todas as agroindústrias deviam entrar na questão dos orgânicos. Mas leite e carne não são fáceis de certificar, por causa de toda a cadeia produtiva. A gente usa certificação participativa, e processamos todo o excedente que produzimos. Um porco, por exemplo, precisa alimentar para industrializar, daí a torta de soja. Hoje a gente tenta trabalhar uma estratégia que se aproxima mais do orgânico que todo o lado da Aurora, Sadia, Seara. Nosso produto é diferenciado.

As agroindústrias são no meio rural, e usam como guarda chuva as cooperativas, que fazem todo o trabalho burocrático. Elas cedem o CNPJ e fazem todo esse processo. As cooperativas singulares fazem a comercialização nos municípios, e tem uma cooperativa central de todas as indústrias que já opera a nível estadual com o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). Dentro de tudo temos um programa de agroecologia, com o núcleo da Rede Ecovida, de certidão participativa.

O que é uma certidão participativa?

A gente mesmo quem faz. Hoje o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e os Sistemas Participativos de Garantia (SPGs) entram juntos, dentro do governo é dividido. Tem uns sistemas de auditagem que eles exigem vários tipos de taxas, e a nossa taxa dentro da Rede Ecovida é a participação. Temos um núcleo dividido em três municípios, onde a cada dois meses é feita uma reunião que sempre tem um técnico e o consumidor é convidado. Tem uma equipe de ética dentro do núcleo, que faz toda a avaliação. E agora tem o MAPA, que junto com o selo da Rede coloca o de orgânicos Brasil.

O desafio é estruturar a administração para tocar o negócio em maior escala?

Só em Santa Catarina tem hoje em torno de 1.500 agroindústrias, tanto no processo vegetal como animal. Temos açúcar mascavo, panificados, geleias, etc, que não é tão burocrático, mas quando entra no processo da origem animal, que vem desde o mel, embutidos, queijos, ovos, daí já complica. Porque a Cidasc (Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina), que fazia a inspeção estadual, foi privatizada. Legalizávamos a agroindústria dentro do padrão, temos uma lei artesanal estadual conquistada pelos movimentos, mas agora privatizaram a inspeção. Hoje o custo dela se elevou, e quem faz é uma cooperativa descentralizada dentro da Cidasc.

A questão de implantar a certificação participativa como estratégia não entrou de graça para nós, mas tem dado certo para a agricultura familiar. Hoje temos uma renda a mais na propriedade, muitos até deixaram de produzir outras coisas e se especializaram para viabilizar a agroindústria. A gente falava que não podia abrir agroindústrias no meio de tantas indústrias grandes, e tem dado certo.

Em termos de números, como é essa questão da comercialização?

O nosso produto é conhecido no mercado e hoje é mais caro. A nossa estratégia é não vender em grandes supermercados, e sim em feiras, pequenos mercados nos bairros. E vende muito, mesmo sendo caro. As pessoas já sabem de onde vem o produto, a qualidade dele, é artesanal, tem todo um sabor, as pessoas lembram da família, essa é nossa estratégia. Hoje falta produto, nossa demanda está grande. Com a fundação da cooperativa central, estamos entrando em editais da prefeitura e vendendo excedentes para eles. Mas estamos preocupados, porque nos próximos editais do segundo semestre não estaremos com DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf), que é até R$ 9 mil de cada produtor e tem que ter para vender ao PNAE. Além disso, as que são agroecológicas têm 30% acrescentado a mais do valor pela certificação.

Na questão econômica, gera muita renda?

Gera. Fazemos jantares com produtos das cooperativas Sabor Colonial, em alguns lugares fazemos mais de 40 pratos. Vamos às feiras como uma forma de divulgação. O governo também quer que a gente vá e mostre sua cara, porque no começo tivemos muitos projetos dele. O pessoal vai também para vender e demonstrar o produto, para as pessoas verem que tem coisas diferentes. Somos empreendimentos da economia solidária, o oposto do que está aí. Tem várias cooperativas diferentes usando a mesma marca, existem produtos diferentes da mesma matéria prima. Salames, por exemplo, usam a mesma marca de lugares diferentes. Não é um produto padronizado com o mesmo sabor, mas todos seguem os mesmos princípios. São produtos da agricultura familiar com o mesmo processo desde a produção, passando pela industrialização até a comercialização.

Vocês estão crescendo na região?

No estado organizações até copiaram o nosso modelo, é uma maneira de subsistência da agricultura familiar. Nossa estratégia ajuda a manter o pessoal no campo e na renda familiar. Ajuda também na sucessão do jovem, tem gente que fez faculdade e hoje está lá dentro. Tem algumas agroindústrias que os filhos saíram, fizeram faculdade de alimentos, contabilidade, e se encaixaram nas empresas. Um filho meu fez contabilidade e está trabalhando dentro de uma cooperativa. Nas cooperativas é uma estratégia nossa fazer a contabilidade, porque as de fora são caras e quase ninguém quer. Acham complicado por causa das filiais. Nós temos o retorno de ICMS, e na forma de cooperativa o pessoal também não pede o direito de assegurado especial. Continua com a aposentadoria da mulher aos 55 anos e do homem 60. Os impostos são menores. Tem muitas vantagens, poderíamos ter uma micro empresa, mas eles optaram por estar na cooperativa porque sabem que também são donos delas.

Quanto a APACO movimenta em dinheiro?

A APACO não movimenta dinheiro, ela ajuda a fomentar, dá suporte técnico. Hoje seus técnicos são pagos pelas cooperativas, dividem os custos, sentam e decidem, tem uma coordenação. Eu estou na coordenação, mas sou produtora orgânica. Não moro em Chapecó, mas tenho tempo para ficar lá e no estatuto o meu mandato é de até dois anos. A maioria das pessoas volta para a propriedade, porque nosso objetivo não é ficar na entidade. Em relação à movimentação financeira, uma agroindústria no ano passado movimentou mais de R$ 2 milhões, era um grupo que entrega para a PNAE. Nós temos cooperativas que já faturaram por mês em torno de R$ 40 mil reais.

Na feira do Rio de Janeiro, em 2009, chegamos a vender R$ 60 mil em menos de uma semana. Na nossa região já tem nota eletrônica, nós não vendemos sem ela, tem que estar registrada. Prestamos conta de tudo certinho, você já sai de casa com o seu produto com nota sabendo onde vai vender. Até os mercados já têm nossos produtos cadastrados, e você não pode entrar sem o cadastro. Nossa forma de venda é bem legal, porque tem toda uma discussão de que o pessoal sofreu para ter isso e hoje não dá valor. Conforme vem a legislação ele vai tentando se adequar.

O mais difícil já passou depois de montar a engrenagem?

Nós recebemos muitos intercâmbios para conhecer nossa experiência. Em 2010 veio toda a estrutura do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), as Emater (Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado), alguns governos de estado, etc. Tendo abertura política, é possível viabilizar o empreendimento. Se você entrar no site do MDA vai ver que os perfis das agroindústrias foi a APACO quem escreveu. E apenas duas das nossas quebraram. Fazemos o estudo da viabilidade, e não temos a conversa direta com o produtor lá na ponta, sempre tem que passar por uma cooperativa. Se ele não está, a gente dá essa orientação. Damos também informação para formar uma cooperativa. Porque o nosso objetivo não é instruir e depois largar, pois sabemos que não é simplesmente ter uma agroindústria porque tem toda uma burocracia que vem pela frente.