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No início de abril, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) realizou um seminário em Luziânia (GO) para elaborar um documento com propostas para a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Foram sistematizadas aproximadamente 40 propostas, que foram encaminhadas ao governo federal no dia 23 de abril. A previsão é que a Presidenta Dilma Roussef assine o decreto que institui a política no dia internacional do Meio Ambiente.

Neste contexto, entrevistamos Eugênio Ferrari, engenheiro agrônomo, membro do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata de Minas Gerais (CTA-ZM) e do Núcleo Executivo da ANA. Ferrari é liderança do campo agroecológico no Brasil e aponta quais as expectativas dos movimentos em relação ao governo. Segundo ele, o seminário nacional foi muito importante para a reflexão do movimento agroecológico e consolidação das suas propostas. Mas, por outro lado, o agrônomo deixa claro que o governo privilegia os interesses econômicos do agronegócio.

Como vocês, após décadas da luta dos movimentos agroecológicos e nestes dez anos de construção da Articulação Nacional de Agroecologia, vêem a possibilidade de ser criada uma Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica? Quais são as expectativas?

Entramos neste debate da proposta de uma Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica com clareza: de que não estamos diante de uma oportunidade de mudança radical no modelo de desenvolvimento hegemônico, baseado na matriz tecnológica e política da “Revolução Verde”. Pelo contrário, o mesmo governo que propõe esta política permite a ampliação do consumo de agrotóxicos e a violação dos direitos territoriais; libera os transgênicos; aprova as mudanças no código florestal; paralisa a Reforma Agrária, etc. Há percepções de um enfraquecimento do setor governamental mais próximo das concepções da agroecologia, que tem dificuldades para confrontar as incoerências de outras ações ou políticas.

Ao mesmo tempo em que o governo reafirma a necessidade de produzir mais alimentos, existe ainda um grande preconceito com relação ao potencial da agricultura familiar responder ao desafio do aumento da produção, e menos ainda em bases agroecológicas. Isso é uma leitura ideológica associada aos interesses econômicos do agronegócio. O que percebemos é que a concepção de agroecologia que o governo vem assumindo não questiona esse modelo e privilegia a idéia de espaços de nicho de mercado.

Assim temos a clareza de que uma política de agroecologia terá limites claros, neste contexto. Até onde poderemos avançar neste processo, em que negociamos os avanços possíveis, é o que buscamos neste diálogo com o governo. Mas sem perder nossa autonomia e nosso papel de tensionamento em relação a temas estruturais, como os mencionados anteriormente. Há uma convergência em nosso campo de que é necessário buscar avanços, mesmo que pequenos e parciais, nas políticas do Estado, fortalecer programas, como o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que atingiram escala e demonstraram que dão certo.

Qual o papel da sociedade civil numa Política Nacional de Agroecologia?

Para a ANA esta é também uma oportunidade de politizar o debate entre Estado e sociedade. Há segmentos de esquerda que compreendem que o Estado está cumprindo o seu papel e a tendência dos programas governamentais é trazer responsabilidade só para o Estado. Fragiliza-se a visão dentro do governo de que a sociedade civil organizada tem um papel fundamental na elaboração e também na execução de políticas, especialmente quando se fala em uma política de agroecologia. Procuramos deixar claro, nesse debate, que as inovações que se construíram no campo da agroecologia sempre foram fruto da mobilização da sociedade civil, muitas vezes apesar das políticas públicas ou sem nenhum apoio governamental, e que a ampliação de escala das iniciativas em agroecologia só se dará com o apoio às organizações dos agricultores e das entidades de assessoria.

Qual a sua análise do seminário nacional “Por uma Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica” realizado pela ANA?

Independente do que resultará este seminário, em termos da incorporação, pelo governo, das propostas que formulamos para a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, consideramos que o seminário foi um momento importante para a ANA, para o campo agroecológico no Brasil. Fazia tempo, desde o II Encontro Nacional de Agroecologia (II ENA), que sentíamos a necessidade de um esforço coletivo de reflexão das organizações e movimentos sociais do nosso campo em torno dos conceitos que norteiam nossa prática e em torno de propostas concretas e mais articuladas para a promoção da agroecologia. Os grupos de trabalho temáticos da ANA realizaram ações importantes nos últimos anos, visando à formulação de propostas e a incidência política a partir dos aprendizados que as experiências agroecológicas demonstravam concretamente junto às famílias e comunidades. No entanto, sentíamos a necessidade de articularmos melhor os diferentes temas e formular um conjunto coerente de propostas de políticas voltadas para a viabilização e a disseminação da agroecologia como uma alternativa de organização socioeconômica, tecnológica e ambiental do mundo rural brasileiro. O processo de debate, que iniciou em uma oficina da ANA com representantes do governo, se desdobrou depois na realização de cinco seminários nas diferentes regiões do país e teve no seminário nacional um momento de síntese. Foi, sem dúvida, muito importante nesse sentido.

A ANA entregou ao governo um documento para ser levado em consideração na construção dessa política. Quais são as prioridades reivindicadas por vocês?

Apresentamos ao governo um documento com 40 propostas prioritárias para a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Estas propostas estão relacionadas a nove diretrizes para a política, que formulamos em nosso seminário nacional: i) Assegurar o direito humano à alimentação adequada, bem como a soberania e a segurança alimentar e nutricional, considerando a sustentabilidade e a diversidade das culturas alimentares locais / regionais; ii) Desenvolver e incentivar a estruturação de circuitos de produção, processamento e consumo adaptados às necessidades da agricultura familiar camponesa e dos povos e comunidades tradicionais, nos campos, nas florestas e nas cidades, dando preferência aos mercados locais, regionais e institucionais, ampliando o consumo de produtos de base agroecológica.; iii) Garantir a autonomia e gestão da agricultura familiar camponesa, urbana e periurbana e dos povos e comunidades tradicionais na conservação e no uso sustentável dos recursos naturais para a manutenção da agrobiodiversidade e da sociobiodiversidade; iv) Internalizar a perspectiva agroecológica nas instituições de ensino, pesquisa e extensão rural, assegurando a participação protagonista de agricultores/as, povos e comunidades tradicionais nos processos de construção e socialização de conhecimentos; v) Implementar políticas de estímulos econômicos que favoreçam a produção orgânica e em bases agroecológicas, assim como o acesso da população a estes produtos; vi) Reconhecer e valorizar o protagonismo das mulheres na produção de alimentos saudáveis e agroecológicos, fortalecendo sua autonomia econômica e política; vii) Reconhecer e valorizar o protagonismo da juventude nos espaços de gestão, organização social e atividades produtivas de base agroecológica; viii) Ampliar e assegurar o acesso à terra, aos territórios e à água, implementando a reforma agrária e garantindo os direitos territoriais, tanto em áreas rurais, como urbanas e periurbanas e ix) Promover o trabalho digno de homens e mulheres na produção agropecuária e extrativista e nas demais atividades relacionadas à produção, processamento e consumo de alimentos e matérias primas, assegurando valorização econômica, segurança no trabalho, saúde e reconhecimento do trabalho produtivo e reprodutivo.

Veja o documento “Propostas da ANA para a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica”