Por Gleiceani Nogueira (ASA)
O incentivo do plantio de café na Zona da Mata Mineira, na década de 70, pelo Instituto Brasileiro do Café (IBC) fez com que diversas sementes crioulas de milho – cultivadas e guardadas pelos agricultores familiares a gerações – se perdessem ao longo dos anos. Segundo Romualdo José de Macêdo, da Rede Juçara (REJU), os técnicos do IBC propagaram a falsa informação de que o milho não poderia ser produzido junto do café. “A partir de 1995, através do CTA em parceria com a rede APTA (Apoio a Projetos de Tecnologias Alternativas) foi feito um trabalho de resgate dos milhos crioulos e vários agricultores conseguem hoje manter essa tradição”, afirma Romualdo.
O resgate das sementes crioulas é um dos elementos da construção da agroecologia presente no território da Zona da Mata de Minas Gerais, que foi apresentado na manhã deste sábado (17), como parte da programação do segundo dia do III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA). Outros 14 territórios foram apresentados em sessões simultâneas. O objetivo das sessões foi levantar os aspectos comuns da agroecologia nos diferentes territórios e os elementos que dificultam que ela se multiplique.
Além de garantir a soberania e segurança alimentar, as sementes são uma forma de resistência das famílias ao agronegócio que avança na região, seja através dos minerodutos, das barragens ou da pulverização aérea de agrotóxico nos monocultivos de café. “Os trabalhadores vão driblando o agronegócio que está se enraizado na nossa região. Não abrimos mão das nossas sementes, da nossa terra. Isso é muito forte no nosso bioma”, diz Sebastião Estevão (Farinhada), do Fórum Mineiro de Entidades Negras e representante do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Espera Feliz.
A monocultura também é uma ameaça aos assentamentos e comunidades indígenas que ocupam 80% de Santarém, no Pará, e do Baixo Amazonas. Lá, o que predomina é a soja. Além disso, as famílias estão apreensivas com a construção de grandes barragens pelo Rio Tapajós e de uma ferrovia para a exportação, por onde deve passar mil carretas por dia, de acordo com Ladilson Amaral, secretário de Politicas Agrárias e Meio Ambiente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém.
“Milhares de comunidades serão bastante prejudicadas. Primeiro, porque o Rio Tapajós é um rio grande, mas ele não é profundo e, com a construção das barragens, com certeza existe a possibilidade do rio secar e, com isso, os igarapés (braços do rio com pouca profundidade), que pertencem às comunidades também vão secar. Com certeza, vai ser difícil para as famílias continuarem produzindo porque, para produzir ecologicamente, você precisa da água pra trabalhar, principalmente, a questão das hortaliças”, ressalta Ladilson.
Mas assim como as comunidades da Zona da Mata Mineira, as famílias de Santarém e de outras regiões que estiveram presentes no debate têm na agroecologia a base para a construção de um modo de vida que respeita a natureza, as pessoas e têm respostas concretas aos males de hoje.
“A nossa alimentação é toda orgânica. Estamos trabalhando bem organizados e aquelas (comunidades) que estavam mais distantes estão se aproximando, porque estão vendo que está dando certo. Santarém tinha muita queimada, era muito agrotóxico. Quando foram criadas essas unidades de conservação, mudou a cabeça das famílias”, diz Ladilson.
Ao final do debate, todos foram convidados a falar em uma frase curta o que significa a agroecologia. Entre as falas destaca-se “Manutenção da sociobiodiversidade e justiça social”, “Respeito a nossa ancestralidade”, “Uma nova forma de ser e viver no campo e na cidade” e “A salvação do planeta”.