Um pai amoroso, um esposo presente, um companheiro comprometido e muito trabalhador. Esses foram alguns dos muitos relatos que representantes do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) ouviram sobre o agricultor Zaqueu Fernandes Balieiro, executado aos 45 anos de idade. A visita das autoridades aconteceu no último dia 11, no lote da vítima, em Tambori, acampamento de trabalhadoras/es sem terra, localizado na comunidade de Gameleira, região Norte de Minas Gerais, a 720 quilômetros da capital Belo Horizonte. Participaram do diálogo mais de 100 acampados que pediam por justiça.
Integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Zaqueu era uma forte liderança local na luta pela terra e por justiça social na localidade em que vivia. Desde que ocuparam a terra improdutiva onde montaram o acampamento, Zaqueu passou a sofrer ameaças de pessoas de alto poder econômico interessadas em grilar a área ocupada pelos sem terra. De propriedade da empresa Siderprata, que possui dívida de mais de R$ 70 milhões com os cofres públicos, a fazenda, de 14 mil hectares, que foi ocupada pelos agricultores em 2021, estava abandonada há mais de 50 anos, não produzindo nenhum alimento durante esse período. O latifúndio em questão não cumpria a Função Social da Terra, que está expressamente prevista na Constituição Federal de 1988.
Por ser liderança no município, Zaqueu colocou seu nome à disposição nas eleições municipais deste ano e estava concorrendo ao cargo de vereador com muita aprovação e reais chances de eleição. Uma semana antes do pleito, ele foi covardemente assassinado e encontrado morto no dia 30 de setembro, dentro de seu veículo, com cinco tiros na cabeça, ao ser parado numa estrada, na entrada do povoado chamado “Brejo dos Mártires”. O principal suspeito, que também era candidato, já está preso com provas robustas, obtidas através de imagens de câmeras de segurança, e em sua casa a polícia encontrou várias munições de diversos calibres. Mas muitas evidências apontam que houve um mandante maior do crime, principalmente pelas ameaças que Zaqueu recebia antes de entrar na política. O caso teve repercussão nacional pela grande violência e covardia sofrida por Zaqueu.
Ao chegar ao acampamento, as representantes do governo federal e da ALMG puderam ver com os próprios olhos a diversidade e a quantidade de alimentos que Zaqueu cultivava. Pinha, banana, goiaba, acerola, manga, abóbora, caxixe, andu e laranja são apenas alguns dos muitos plantios existentes, reforçando o propósito da reforma agrária.
Segundo a Diretora do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários e responsável pela Ouvidoria Agrária Nacional do MDA, presente no acampamento, Cláudia Maria Dadico, “a perda do Zaqueu repercute em cada um de nós. A luta pela terra é a luta mais legítima num país de tanta desigualdade como o nosso. Quando a vida de uma liderança é ceifada, o que o latifúndio quer é que nós nos acovardemos, que a gente fique com medo. Mas o legado do Zaqueu tem que ser honrado e [isso será feito] com o título [da terra] na mão de cada um de vocês. Esse acampamento [foi] criado para cada um de vocês ter o seu pedaço de chão para produzir alimento. É para isso que estamos aqui”, comprometeu-se.
Leninha, deputada estadual e vice-presidenta da ALMG, afirmou que é preciso honrar a história de Zaqueu fortalecendo suas lutas. “A melhor forma de honrar a memória e a luta do Zaqueu é fazer justiça, garantindo direito à terra e ao território, a efetivação da reforma agrária e a garantia das condições de acesso a políticas públicas para que vocês tenham condições de produzir alimentos com dignidade.”
Michela Calaça, coordenadora geral de mapeamento do MDA, reiterou o compromisso do Governo Federal e da Ouvidoria Agrária Nacional, setor que tem a responsabilidade de acompanhar os casos de violência. “A gente sabe que lutar por terra é importante. Essa é uma luta que resolve muitas questões para o nosso país. A gente veio aqui mostrar que vocês têm com quem contar, que o governo está de olho, que a luta de vocês muda o mundo e ela é importante para o nosso pais”.
Para Bruno Pêgo, militante do MST, o Estado tem grande responsabilidade pelo assassinato de Zaqueu. “O companheiro enfrentou o latifúndio em defesa da dignidade das pessoas, da liberdade, do trabalho, do meio ambiente e da justiça social. Foi morto por lutar por direitos fundamentais que cabia ao Estado zelar. A visita do MDA e da deputada é importante para que possamos firmar essa rede de forças para garantir a justiça que Zaqueu, sua família e os trabalhadores rurais acampados merecem: a prisão definitiva do assassino, a prisão dos mandantes e a garantia da reforma agrária na região,” afirmou.
Durante a visita, as famílias sem terra compartilharam relatos comoventes sobre as dificuldades e os abusos que enfrentam. Para elas, a expectativa é de que a visita das representantes do governo federal e da ALMG não apenas leve à investigação, mas também resulte em medidas efetivas que assegurem justiça e combatam a impunidade. Um agricultor que não quis se identificar, afirmou que “nós, famílias acampadas, seguiremos firmes na luta e na resistência por nossos direitos, pela reforma agrária na região e, agora, em defesa do legado de Zaqueu”.
O crime de que Zaqueu foi vítima é uma forma cruel de intimidação de pequenos agricultores e sem terra. Segundo o Atlas da Questão Agrária Norte-Mineira, estudo organizado pela Universidade Estadual de Montes Claros ( Unimontes), a região responde por 33% dos casos diretos de conflitos agrários registrados nas duas primeiras décadas do Século XXI no estado. A pesquisa é feita com base em dados oficiais dos censos agropecuários do IBGE (2006 e 2017) e do acervo sobre o campo da Comissão da Pastoral da Terra (CPT). Além do MDA, o Ministério dos Direitos Humanos também está atuando no caso.