Pesquisa e seminário apresentam experiências que mostram a importância da compra de alimentos agroecológicos e da agricultura familiar para a merenda escolar, dias 11 e 12 de abril, na Universidade Federal de Viçosa 

No interior de Minas, refrigerantes foram trocados por sucos de polpas nativas fornecidos por indígenas; no Paraná, o cardápio escolar chegou a ter 67  gêneros orgânicos produzidos pela agricultura familiar; e em Remanso (BA), um grupo de pescadoras introduziu no cardápio escolar espécies de peixes como tucunaré e cari

Com base na pesquisa-ação “Comida de Verdade nas Escolas do Campo e da Cidade: Agroecologia e Alimentação Escolar”, o seminário “O Programa Nacional de Alimentação Escolar: Olhares a partir da Agricultura Familiar e Agroecologia no Brasil” debaterá, dias 11 e 12 de abril, mudanças positivas nos hábitos alimentares das crianças e familiares de nove cidades, de todas as regiões do Brasil, com a inserção de alimentos locais na merenda escolar. 

Participam do seminário Beth Cardoso (MDA), Vanessa Schotz (Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional/FBSSAN e GT Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia), Flávia Londres e Morgana Maselli (secretaria executiva da Articulação Nacional de Agroecologia/ANA), Juliana Casemiro (Professora Adjunta no Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (INUUERJ), Mariana Santarelli (Observatório da Alimentação Escolar), Bruno Nery (Universidade Federal de Viçosa), Irene Cardoso (Associação Brasileira de Agroecologia/ ABA), Gabriel Fernandes (Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata/CTA-ZM) e representantes das equipes que participaram da pesquisa.

A pesquisa foi realizada em nove cidades de noves estados: Morros (MA), São João das Missões (MG), Paraty (RJ), Ubatuba (SP), Remanso (BA), Belo Horizonte (MG), São José do Egito (PE), Cuiabá (MT) e São João do Triunfo (PR), pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN). O objetivo do seminário é analisar experiências que mostram na prática os desafios, avanços e inovações de organizações da agricultura familiar para a implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Criado há quase 60 anos, o PNAE é avaliado como uma das mais importantes políticas públicas de garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) no mundo. Ele é responsável pela oferta de alimentação escolar a todas/os estudantes da educação básica na rede pública de ensino. A Lei 11.947/2009 estabelece que pelo menos 30% do valor destinado à compra de alimentação escolar deve ser proveniente da agricultura familiar, estimulando o desenvolvimento econômico e sustentável das comunidades e alimentação de qualidade.

Em março, após seis anos congelado, o PNAE recebeu aumento do Governo Federal para R$5,5 bilhões. O cálculo para os repasses a cada região leva em conta o número de dias de atendimento, a quantidade de estudantes matriculados em cada rede ou unidade de ensino e o respectivo per capita, e em alguns estados o reajuste chega a 40%. O novo panorama abre inúmeras oportunidades de acesso da produção agroecológica ao PNAE, tornando fundamental também o conhecimento sobre a sua importância não só para a qualidade da alimentação escolar, mas para qualidade de vida no entorno das escolas, ao gerar renda e autonomia para diversas comunidades.

A análise das experiências de aquisição de alimentos agroecológicos e da agricultura familiar na alimentação escolar traz informações sobre temas como manejo de agroecossistemas, economia solidária, cooperativismo, educação e construção do conhecimento e protagonismo das mulheres, que estão disponíveis para consulta na plataforma digital Agroecologia em Rede

Em cada uma das cidades, foram observadas mudanças significativas, como por exemplo: em São João das Missões, no semiárido mineiro, uma aldeia indígena substituiu os refrigerantes por polpas de sucos de frutas nativas, em São João do Triunfo, no Paraná, a diversidade de alimentos se destacou, com a inclusão no cardápio escolar de 67 gêneros alimentícios orgânicos oriundos da agricultura familiar, totalizando cerca de 50 toneladas. 

No Mato Grosso, no Município de Pontes e Lacerda, uma associação para o abastecimento de escolas com produtos como frutas, farinha de mandioca, pães e biscoitos enriquecidos com farinha de babaçu, pequi e cumbaru, teve um aumento de cerca de 40% na renda da associação e abriu um novo mercado, como a entrega de cestas para consumidores solidários em Cuiabá, aproveitando os meios de transporte usados para a entrega dos alimentos nas escolas, 

Em Remanso, na Bahia, um grupo de mulheres pescadoras artesanais introduziu na merenda escolar espécies de peixes como pescada, tilápia, tucunaré e cari como filé, mas também sob outras formas com prazo maior de validade: conserva (peixe cozido em molho de tomate), linguiça, almôndega e hambúrguer de pescado. Além de introduzir essas espécies no cardápio, aumentando a variedade nutricional, estimulou a estruturação e o fortalecimento das ações deste grupo de mulheres, além de valorizar a identidade cultural e alimentar local.

Também foi possível identificar a organização de grupos produtivos e o diálogo da sociedade civil organizada com as/os gestoras/es públicas/os. Segundo Morgana Maselli, integrante da Secretaria Executiva da ANA e do Grupo de Trabalho (GT) de Metodologia da pesquisa-ação, a iniciativa analisou como as experiências de aquisição e fornecimento de alimentos da agricultura familiar para o PNAE podem fomentar a agroecologia nos territórios e promover processos organizativos, além de incentivar ações de educação e comunicação. “É importante dar visibilidade aos benefícios da agroecologia na promoção da alimentação saudável e na interação entre campo e cidade”, explicou.

Morgana acrescenta ainda que “nas experiências onde há diálogo do poder público, por meio do gestor do PNAE, com as organizações da agricultura familiar e da sociedade civil, o funcionamento do programa atingiu melhor desempenho e os índices de compra de alimentos direto dos/as agricultores/as são maiores”.

Texto: Paula Vianna

Foto: Wanessa Marinho