O ato público realizado em Solânea faz parte de um processo de mobilização das famílias rurais para debater os impactos do modelo industrial da geração de energia
Por Verônica Pragana / Integrante da Coletiva de Comunicação da Articulação Nacional de Agroecologia e do Núcleo de Comunicação da ASPTA
O céu nublado segurou a chuva grossa como se esperasse que as agricultoras dessem o giro pelas ruas de Solânea na 13ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, realizada na última segunda-feira, dia 02 de maio. Foram cerca de cinco mil mulheres vindas, principalmente, dos 13 municípios que fazem parte do Polo da Borborema, mas também de outras regiões da Paraíba, do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Rio de Janeiro e Paraná.
Elas encheram o centro de Solânea cantando, marchando e levantando bandeiras coloridas. E suas vozes reafirmavam que, com seus corpos, elas seguirão defendendo o território onde vivem daquilo que ameaça a continuidade e expansão da agricultura familiar agroecológica. A exemplo dos parques eólicos e das usinas solares que, quando instalados, promovem uma série de perturbações para as famílias rurais, tirando delas o sossego, a saúde e a autonomia para gerir a sua terra.
“Com a Marcha, queremos debater com a sociedade o que acontece com as comunidades rurais a partir do olhar das mulheres que vivem no campo. Queremos também dialogar com nossos governantes sobre o modelo de geração de energia que a gente quer no nosso território. A gente não é contra as energias renováveis, mas contra a indústria energética que se instala pertinho das nossas casas, nos nossos roçados, nas nossas comunidades”, comenta Maria do Céu Silva, uma das lideranças do Polo da Borborema e do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Solânea.
Nos momentos iniciais do ato público, antes das mulheres saírem em Marcha, as paraibanas assistiram uma cena que, com a chegada das empresas eólicas no território, tende a se tornar comum na região. Numa esquete teatral, se desenrolaram alguns diálogos curtos que arrancaram das espectadoras gritos com conselhos para os personagens.
Depois de um casal de agricultores conversar, no café da manhã, sobre a dificuldade financeira pela qual passa e sobre a saudade dos filhos que migraram, eles recebem a visita de um representante da empresa eólica que apresenta um cenário maravilhoso para que aceitem a instalação das torres na sua propriedade. Na cena seguinte, após a saída do representante da empresa, chega uma sindicalista alertando para os perigos não ditos na conversa anterior.
Margarida ouve atenta a sindicalista e resolve ser prudente, enquanto o marido Biu se agarra à promessa do dinheiro fácil, sem esforço, como se não tivesse um custo por isso. Margarida, cabreira, resolve ser prudente e não arriscar seu pedaço de chão, suas pequenas criações, seu quintal produtivo em troca de promessas. E as mulheres presentes na Marcha a incentivam com gritos e orientações.
Após a esquete, as agricultoras de territórios onde os parques eólicos foram instalados falaram da sua realidade. “Eles prometem o mel e entregam o fel”, sustenta Soraia dos Santos de São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte. “Pra falar a verdade, na nossa comunidade, já faz seis anos que os parques eólicos foram instalados, e pra receber R$ 600 tá na justiça. E aquele pedaço de chão muitos não têm o direito de passar por lá. Muitos também já perderam até gado porque as porteiras se quebram, as empresas não consertam, e o gado vai pra mata e se perde”, comenta Tatiana Muniz, do município de Tibau, também no Rio Grande do Norte.
Em seguida, as Mulheres saíram em Marcha, de uma forma que orgulharia o educador pernambucano Paulo Freire na sua última entrevista em vídeo, em 17 de abril de 1997: “Meu desejo é que outras marchas se instalem nesse país. Marcha dos que se rebelam. Marcha dos que querem ser e estão proibidos de ser. Eu acho que as marcha nos afirmam como gente, como sociedade, querendo democratizar-se.”
Após o circuito pelas ruas centrais de Solânea, sob chuva forte, as mulheres voltaram a se reunir na frente ao palco armado numa das ruas ao redor da praça 26 de novembro. Suas vozes e seus cantos seguiam se espalhando pela cidade. Assim como as batidas dos instrumentos que tocavam a ciranda entoada pelas cirandeiras pernambucanas Severina e Dulce conhecidas como “Filhas de Baracho”, que há anos animam as Marchas das mulheres paraibanas em companhia de Lia de Itamaracá, que esse ano não pode estar presente.
Antes do encerramento, a coordenação da Marcha apresentou a Carta Política e assumiu o compromisso de transformá-la em instrumento de incidência junto ao governo da Paraíba, deputados estaduais e prefeitos para o diálogo e construção de um projeto de produção de energia que leve em consideração a qualidade de vida da população do campo.
O documento reafirma os potenciais do território que conquistou sua soberania alimentar e declara, ponto por ponto, porque as mulheres se atravessam na frente das indústrias eólicas que querem se instalar no território.
A Carta Política, ao final, ressalta a necessidade de medidas protetivas que o Estado deve adotar para proteger as famílias rurais das violações de seus direitos. Destaca também a necessidade de ampliar o debate na sociedade sobre a geração de energia que também contemple a visão das mulheres agricultoras defensoras dos territórios e da biodiversidade.