Por Eduardo Sá, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) / Mídia Ninja

A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) lançou hoje o mapa da iniciativa Agroecologia nos Municípios georreferenciando 59 experiências de incidência política em todo o território nacional. Muitas políticas públicas foram identificadas nesse processo, como dez planos municipais de agroecologia em nove estados do país. No link você tem informações sobre as atividades de incidência política protagonizadas por 26 consultorias em 38 municípios brasileiros, assim como a participação popular na construção de políticas públicas em 21 municípios.  

De acordo com Sarah Luiza Moreira, Cientista Social, doutoranda do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ) e integrante da Coordenação do GT Mulheres da ANA, após dez meses da iniciativa é possível verificar ações concretas nos territórios em diálogo com o poder público local e no fortalecimento da articulação das organizações e movimentos da sociedade civil. Segundo ela, trata-se de uma iniciativa inovadora que potencializa a incidência política nos municípios a partir das realidades locais e processos já em curso, e que seguem se desenvolvendo, a partir e agora também em diálogo com a mobilização da ANA “Agroecologia nas Eleições 2022”.

“No sentido de debater e propor políticas públicas de agroecologia, agricultura familiar e soberania e segurança alimentar, a iniciativa foi um sucesso. Em todos os estados, a Iniciativa conseguiu contribuir para o fortalecimento de processos de mobilização coletiva locais que vinham desarticulados, aproximando organizações que estavam com seus diálogos fragilizados, principalmente a partir do contexto da pandemia em virtude do distanciamento social. Na maioria dos municípios conseguimos apoiar processos de construção de estratégias de incidência política, assim como planos e programas em diálogo com as prefeituras e secretarias ou projetos de lei com o poder legislativo, contanto, inclusive, com algumas aprovações”, afirmou.

Além de fortalecer projetos e retomar conselhos, que já vinham desarticulados, foi possível também focar em políticas que estavam abandonadas ou fragilizadas, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que foram objeto de análise, reflexão e cobrança. A manutenção ou cobrança desses processos nos municípios e demais mecanismos de comercialização, como a realização das feiras, foram explorados em muitos locais. Outro destaque foi a busca pelo envolvimento e engajamento das mulheres, da juventude, dos povos e comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas, na articulação e diálogo em torno da agroecologia. Em vários municípios, suas necessidades foram apresentadas em termos de políticas públicas a partir de seus protagonismos e necessidades.

Experiências exemplares Brasil afora

Muitas das centenas de experiências listadas na plataforma Agroecologia em Rede serviram de inspiração para organizações e movimentos, a fim de ampliar ainda mais essa relação com o poder local e de políticas públicas nas cidades das capitais e do interior do país. Vários temas envolvem cada uma delas, como produção e comercialização de alimentos saudáveis, preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável, assistência técnica e extensão rural, dentre muitos outros.

É o caso da construção sociopolítica da agroecologia no município de Murici (AL), onde um assentamento de reforma agrária em meio ao monocultivo canavieiro conquistou seu mercado e hoje tem estrutura para garantir a sua segurança e soberania alimentar e nutricional, além de conservar a biodiversidade, por meio de políticas públicas e fomento. Após anos de lutas dos movimentos em parceria com ONGs, institutos e universidades, dentre outros setores, conseguiram promover a agroecologia com muita capacitação e acessar mercados sem a utilização de agrotóxicos. A Articulação Alagoana de Agroecologia (Rede Mutum) nasce desse processo atuando e executando projetos para a agricultura familiar local.

Hoje agricultores(as) do Assentamento Dom Hélder Câmara produzem alimentos agroecológicos e orgânicos e são cadastrados no Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), como um Organismo de Controle Social (OCS), e participam da construção do Sistema Participativo de Garantia da qualidade Orgânica – SPG Bem Viver. A Associação Mulheres do Dom, por sua vez, comercializa produtos da sociobiodiversidade na Feira da Agricultura Familiar de Murici e em feiras orgânicas de Maceió. As lutas fundiárias na região continuam e há um embate em relação à pulverização área com agrotóxicos, mas a Rede Mutum e a Comissão de Produção Orgânica do Estado de Alagoas (CPORG/AL) lançaram um Projeto de Lei contra esse modelo de produção.

Ao longo da iniciativa no território foram realizados alguns atos públicos, uma audiência, diversas reuniões e foi possível verificar a aproximação da sociedade civil para dialogar sobre agroecologia com secretarias e gestores da prefeitura, além de parlamentares da Câmara Municipal. Essa organização  social suscitou o interesse de outros municípios na região em expandir ações semelhantes, e o surgimento de canais institucionais para a interlocução com os governos.  Até o momento, o espírito coletivo da participação social envolvendo o campo e a cidade, representantes dos setores público, privado e movimentos para a proposição de soluções para a região, tem dado certo.

Políticas Públicas para o fortalecimento da agroecologia

O exemplo do Plano Municipal de Apoio e Promoção ao Extrativismo Sustentável (PMAPES) em São Francisco de Paula (RS) também é muito significativo. Assim como outras experiências, também é fruto de conflitos nos territórios e muito diálogo entre os atores sociais envolvidos. A prática do uso da sociobiodiversidade nativa como forma de conservação ambiental, sobretudo com o apoio dado pelo Centro de Tecnologias Alternativas Populares (CETAP), é uma das características do trabalho realizado pelos grupos de agricultores familiares, extrativistas e demais instituições da região junto à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS). São mais de, segundo as organizações locais, 700 iniciativas no território.

A prática do extrativismo do pinhão, característico na região, ampliou o aspecto econômico, social e ambiental com um sistema de produção agrícola fundamental para centenas de famílias do entorno. Toda a economia gira a partir da comercialização, do consumo e ao garantir a soberania alimentar e nutricional das pessoas na região. Nesse contexto nasce o PMAPES, decidindo coletivamente vários pontos de atuação: infraestrutura, segurança dos trabalhadores(as), comercialização, capacitação, regeneração das espécies nativas, etc. Várias secretarias foram envolvidas, sobretudo a de Desenvolvimento Social, e também o CONDESUS (Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável dos Campos de Cima da Serra), que abarca doze municípios e tem sido um espaço importante de discussão do plano municipal.

Consta entre os desafios, no entanto, a falta de reconhecimento social dos extrativistas, já que muitos até hoje não têm suas terras e por isso os acessos aos latifúndios estão cada vez mais restritos ou negociáveis. A produção do plantio convencional também pressiona com a utilização de agrotóxicos trazendo transtornos produtivos, ecológicos e culturais, por isso os (as) agricultoras (as) buscam um Projeto de Lei para amparar as produções certificadas como orgânicas.

Com a disponibilização do mapa e das informações sobre as experiências na plataforma Agroecologia em Rede, a iniciativa Agroecologia nos Municípios apresenta um importante conjunto de relatos que ressaltam a importância da participação popular na construção de políticas públicas que fortalecem a agricultura familiar, a agroecologia e a segurança alimentar e nutricional. O objetivo dessa publicação é fortalecer a luta por democracia  e apontar caminhos para a superação da fome e da crise econômica no país, demonstrando como os territórios têm se organizado para resistir aos retrocessos e construir alternativas que perpassam pela participação da sociedade civil na política. Para mais informações, acesse o Agroecologia em Rede e navegue pelas experiências cadastradas.

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