Vídeos condecorados pelo Prêmio #AHistóriaQueEuCultivo na categoria “Histórias Locais” apresentam experiências com sementes crioulas
Agricultoras e agricultores familiares de todo Brasil contribuem de diversas maneiras para a preservação da agrobiodiversidade. Uma das principais formas de se fazer isso é selecionar, guardar e compartilhar as sementes crioulas, que são aquelas repassadas de geração em geração. Com esse trabalho, tais sementes se tornam cada vez mais adaptadas aos seus locais de origem, o que é importante para a diversidade alimentar e o meio ambiente.
Além de premiar cinco vídeos, um de cada região do Brasil, o Prêmio #AHistóriaQueEuCultivo¹, idealizado pela Grupo de Trabalho (GT) Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), condecorou 15 produções na categoria “Histórias Locais”². Algumas delas focam nas sementes crioulas, também conhecidas país afora por sementes “da paixão”, “da liberdade”, “da resistência”, “da vida”, “da gente”, dentre outros nomes. Mas algo todas elas têm em comum: são verdadeiros patrimônios genéticos.
Bancos e Casas de Sementes
Uma das estratégias de preservação das sementes crioulas são as Casas ou Bancos de Sementes. Nesses locais, diversas variedades são manejadas por guardiãs e guardiões da agrobiodiversidade, que as catalogam, trocam e restituem tais espaços coletivos de armazenamento com novas sementes crioulas oriundas de suas plantações. Um dos vídeos condecorados pelo Prêmio fala justamente dessa dinâmica no Polo da Borborema, Paraíba.
José Nivaldo, um dos guardiões envolvidos na iniciativa apoiada pela AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, tem pelo menos 13 variedades de feijão e se diz “casado” com elas. A agricultora Rita Isidoro lembra que as “sementes são tesouros da agricultura”. Paulo Alexandre afirma que ser guardião de sementes é ter o conhecimento da variedade do que se planta. Já Euzébio Cavalcante explica que “a semente da paixão é a que eles amam”, é aquela que “plantando dá”.
Outro vídeo premiado conta a história das hortiguardiãs e dos hortiguardiões da Casa da Semente, localizada na região metropolitana de Curitiba, Paraná. Agricultoras e agricultores de comunidades locais recebem capacitações oferecidas pela Associação para o Desenvolvimento da Agroecoelogia (Aopa) desde 2011. Em 2016, conquistaram o espaço, onde armazenam as sementes crioulas com mais infraestrutura e qualidade.
Agroecologia é diversidade
Borrachudo. Vermelho. Roxo. Rosa. Manteiguinha. Carioca. Todos esses são nomes de feijão. Maria Therezinha e Domingos mantêm 12 variedades desse alimento tão amado no Brasil. Tem até um tipo chamado “Come Calado”. Será por ser tão gostoso? O casal mora em Poço Verde, Sergipe, onde guarda sementes crioulas e planta sem veneno. Os dois, que são assentados da reforma agrária, contam que também cultivam sementes de abóbora, amendoim, além de palma e mandacaru, que servem como ração para os animais. Toda essa riqueza é fruto de uma história de luta, conquista e formação de consciência sobre a importância da produção camponesa de alimentos saudáveis.
“As sementes crioulas são essenciais para a produção de alimentos saudáveis por serem adaptadas às características dos locais onde são cultivadas. São mais resistentes às pragas mais comuns de suas regiões, à seca ou à chuva, por exemplo. Então, as sementes crioulas são extremamente importantes para uma produção mais sustentável e mais saudável, ou seja, para a construção da agroecologia”, explica Maitê Maronhas, integrante do GT Biodiversidade da ANA e da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
Animais como sementes crioulas
Cabe ressaltar que são consideradas sementes crioulas não apenas os grãos, mas todas as formas de reprodução da vida. Assim como milho, feijão, amendoim e demais espécies vegetais, como mudas, raízes e ramas, diversos animais também foram apresentados como sementes crioulas nos vídeos condecorados pelo Prêmio #AHistóriaQueEuCultivo.
As sementes crioulas de Marlene Pereira, por exemplo, são suas galinhas de capoeira, das quais ela cuida desde criança. A inspiração e os conhecimentos vieram da sua avó, que era rezadeira, benzedeira e parteira. No vídeo, que também contou com o apoio da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, Marlene conta que suas galinhas são nativas da região onde mora, em Lagoa Seca, Paraíba. Seu trabalho contribui para a preservação da diversidade das raças de aves nativas que, atualmente, vêm sendo substituídas por frangos de granja. Além de oferecer uma alimentação de qualidade aos animais, a agricultora cuida da saúde deles utilizando plantas medicinais.
Outro agricultor que possui criações de animais, assim como cultiva plantas e guarda sementes, é Milton Maria da Silva, de Simonésia, Minas Gerais. Sua família também cria cabritos e patos, mas Milton deu destaque mesmo para a produção suína no vídeo enviado para o Prêmio. Tudo que os animais comem é produzido e colhido localmente. O resultado? A garantia de uma alimentação mais saudável para as consumidoras e os consumidores, além de mais autonomia econômica para a família. É que a venda dos porcos complementa a renda. “Temos uma vida sem aperto”, diz Milton.
O Prêmio #AHistóriaQueEuCultivo prestou homenagem à Emília Alves Manduca (em memória), animadora de sementes crioulas no Mato Grosso que integrava o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Grupo de Intercâmbio em Agroecologia (Gias), dentre outros coletivos. A cada semente que ela catalogava, guardava e trocava em feiras e encontros agroecológicos, também semeava sabedoria.
[1] O concurso recebeu mais de 115 vídeos, dentre os quais cinco saíram como principais vencedores.
[2] Confira mais vídeos condecorados pelo Prêmio aqui.
[3] Texto: Gilka Resende e Luiza Cilente.