Por Eduardo Sá
Edição Viviane Brochardt
Nas pesquisas realizadas pela campanha Agroecologia nas Eleições, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) em todas as regiões do país, o município de Botucatu, no interior de São Paulo, onde moram cerca de 140 mil habitantes, destacou-se pelas diversas experiências da agricultura familiar que ocorrem nos territórios da região. Localizado numa área de transição entre o Cerrado e a Mata Atlântica, embora ocupado pela hegemonia de monoculturas do agronegócio (cana, laranja, eucalipto e pastagens), o município também abriga dezenas de políticas públicas e iniciativas da sociedade civil que têm potencializado o desenvolvimento sustentável e contribuído para a segurança alimentar e nutricional da população local.
Organizações da sociedade civil, agricultores (as) familiares e demais setores populares têm pautado suas demandas nos conselhos municipais de Meio Ambiente, Segurança Alimentar e Nutricional e de Desenvolvimento Rural, além de atuarem na Câmara de Vereadores. A regulamentação de um Plano Diretor Participativo também favoreceu essa incidência política. Abastecimento alimentar, agricultura urbana, inclusão social produtiva com segurança sanitária, proibição de transgênicos na merenda escolar, alimentação escolar e cesta básica durante a pandemia e o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) são alguns exemplos neste sentido.
De acordo com Rodrigo Machado Moreira, representante do Instituto Giramundo Mutuando e presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMSAN), as ações do campo agroecológico têm sido colocadas na pauta municipal a partir desse conselho e dos eventos de participação popular. Também pesquisador do Centro de Ciência e Tecnologia para Soberania e Segurança Alimentar (INTERSSAN/UNESP), Rodrigo afirmou que “a última conferência de SAN realizada pelo município incorporou mais de 22 ações que irão impulsionar a transição agroecológica no município de Botucatu”.
Fruto do diálogo entre sociedade civil organizada e o poder público local nas instâncias de participação social, diversas políticas públicas que favorecem a produção sustentável e mecanismos de preservação ambiental foram viabilizadas e potencializadas. A partir da mobilização da Rede de Promoção e Defesa da Alimentação Saudável, Adequada e Solidária (Rede SANSs), composta por diversos setores, foram criados o Conselho Municipal e a Câmara Intersetorial de Segurança Alimentar e Nutricional. Após a realização de três conferências municipais e da criação de um banco de alimentos, a sociedade civil organizada acompanhou cada vez mais as iniciativas e participou ativamente da construção do Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, em 2018.
A segurança alimentar e nutricional tem ganhado cada vez mais espaço nas políticas municipais por meio dos recursos das secretarias de Educação, Agricultura e Meio Ambiente, Assistência Social e Saúde. Desde 2009, há uma lei municipal proibindo o uso de transgênicos na merenda escolar. Durante a pandemia, por exemplo, a prefeitura voltou a comprar alimentos da agricultura familiar para a alimentação escolar. A distribuição de alimentos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) atendeu, num primeiro momento, cerca de 13 mil crianças da rede pública de educação. Doações de cestas básicas com alimentos frescos e de refeições prontas também foram garantidas desde o início da pandemia, por meio do decreto Nº 11.1957.
Segundo Adriana da Silva Sousa, chefe da Divisão da Proteção Social Básica, a Secretaria de Assistência Social já aplicou, entre março e agosto de 2020, cerca de R$ 1,7 milhão, beneficiando diretamente 18.591 famílias com 409 toneladas de alimentos. Cerca de 36.654 refeições prontas foram distribuídas a pessoas em situação de rua ou que não têm condições de cozinhar em casa.
Durante a pandemia, também foi aprovado na Câmara de Vereadores o Programa Municipal de Aquisição de Alimentos (PAA), que está em consultoria jurídica para sua publicação e é uma demanda de agricultores e agricultoras e de suas organizações por meio dos conselhos e da III Conferência Municipal de SAN, realizada em agosto de 2019. O PAA Municipal poderá beneficiar cerca de 62 unidades familiares que possuem a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). Através desta política, é ampliada a possibilidade de compra de alimentos produzidos pela agricultura familiar local.
Premiado pelo Consea-SP, em 2018, o Programa Municipal de Hortas Comunitárias de Botucatu tem garantido alimentos a preços acessíveis e com produtos agroecológicos saudáveis. Formalizado em 2016 pela lei Nº 5849, é dividido em cinco projetos: Horta Comunitária; Jardim Comestível; Horta Escolar; Pomares Urbanos e Agricultura de Cerca. Atualmente, 14 hortas comunitárias oferecem verduras, raízes, legumes, frutas e flores e existem planos de ampliação em diversos bairros.
A prefeitura subsidia com água, sementes, mudas e esterco, assim como direciona toda matéria seca de poda das árvores da cidade como rico material de cobertura morta para canteiros. A gestão é centralizada na Secretaria do Verde.
De acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA), a Secretaria Verde dispõe, para o ano de 2020, de R$ 3,3 milhões. Segundo Márcio Piedade Vieira, secretário da pasta, cerca de R$ 150 mil são investidos por ano em insumos, mudas, transporte e água no Programa de Agricultura Urbana, beneficiando 60 agricultores/as e 1.250 consumidores/as, com aproximadamente 20 mil verduras/mês. Mas, muitos colaboradores auxiliam no financiamento das iniciativas, como a Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA/UNESP), que tem parceria na produção de mudas, além de outros apoiadores que ajudam na capacitação dos hortelões, produção de composto e outras iniciativas.
As hortas comunitárias ocupam cerca de 77 mil m² e não vêm de hoje, algumas delas existem na cidade há 15 anos, mas o Programa Agricultura Urbana é desta gestão e o que tem acontecido hoje, principalmente na pandemia, são pessoas que querem trabalhar individualmente, complementou o secretário. Agricultura de cerca, pomar urbano, horta comunitária, jardim comestível, mandala medicinal e horta na escola são algumas das opções de trabalho.
“A pessoa tem que deixar a área bonita e pagar a água, enquanto a prefeitura ajuda cedendo a área, cercando o local e, se preciso, fornecendo composto, sementes e mudas, dentre outras necessidades. O importante é não utilizar agrotóxicos, embora até o momento não conseguimos lançar o certificado de orgânico. O importante é que, normalmente, acontece na periferia da cidade. Então, estamos levando segurança alimentar porque se vende mais barato, mais fresco e perto da casa das pessoas, ajudando a mudar seus hábitos alimentares. Isso muda a cara da cidade e a forma como as pessoas olham para ela”, afirmou o secretário.
No âmbito da preservação do meio ambiente, graças à mobilização social e ao poder público municipal, também ocorreram muitos avanços nos últimos anos. Estão em curso o Sistema Municipal de Inspeção (SIM), o Programa de Qualidade Ambiental e os Pagamentos por Serviços Ambientais. Dentre vários outros benefícios, essas políticas vão, respectivamente, fortalecer a produção artesanal e o fortalecimento da sucessão familiar na área rural, proibir o consumo de madeira de origem ilegal e destrutiva pela Prefeitura e promover renda aos produtores rurais que conservarem e recuperarem seus recursos naturais.
Através do Plano Diretor Participativo, o movimento agroecológico tem pressionado pela instituição do Plano Municipal de Redução de Agrotóxicos; ajustes na normativa de pulverização aérea de agrotóxicos e pela implementação da Política Municipal de Agroecologia e Produção Orgânica. O Plano Diretor Participativo pereniza, ainda, a existência de uma política municipal de segurança alimentar e nutricional.
A retomada do Fundo Municipal de Desenvolvimento Rural, que apoiava associações da agricultura familiar e era operado pela Secretaria de Agricultura até 2015, a partir de recursos do Imposto Territorial Rural (ITR), também voltou a ser pautado neste ano pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural.
As ações, programas e políticas públicas encontradas em Botucatu foram construídas nos últimos 20 anos, contendo, de um lado, a “pegada” das diversas gestões que passaram pela prefeitura municipal e de agentes públicos de carreira e de outras organizações públicas que auxiliam no avanço de políticas de interesse público a partir dos conselhos. De outro, o conjunto dessas políticas contém o “DNA” da sociedade civil organizada, que vem incidindo, de maneira sistemática, por meio dos conselhos, campanhas, oficinas de formação, encontros, congressos, projetos de desenvolvimento, embates públicos e, por fim, por meio de proposituras construídas junto às lutas socioambientais e populares do município.
Matéria originalmente publicada no Mídia Ninja. Para acessar, clique aqui.