Processo de sistematização acontece pela plataforma Agroecologia em Rede, um instrumento político e científico do movimento agroecológico.

Um novo processo de sistematização pela plataforma Agroecologia em Rede foi lançado na terça-feira (07/07), durante o seminário virtual Tecendo Redes de experiências em Saúde e Agroecologia. O objetivo é identificar as práticas territoriais desenvolvidas por muitas organizações e coletivos.  A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) e a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) foram as organizadoras do evento de lançamento. Participaram diversos representantes do movimento agroecológico e o encontro  contou com a mediação do poeta pernambucano Caio Meneses, que também faz parte do GT Comunicação e Cultura da ABA-Agroecologia.

O lançamento celebrou o início de um processo coletivo de mapeamento e colheita de informações que visa fortalecer diversas redes em torno de uma unidade, explicou André Búrigo, assessor da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) da Fiocruz, onde a agenda de Saúde e Agroecologia da instituição está sendo desenvolvida. A iniciativa é um esforço em dar visibilidade às experiências locais e colocar seus atores e atrizes em contato para potencializar as redes. É um acúmulo de mais de quinze anos, tendo como momento marcante o II Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), na perspectiva do fortalecimento do movimento nacional de agroecologia.

“Nesse processo foram criadas várias redes, que se interligaram no primeiro Encontro Nacional de Diálogos e Convergências: Agroecologia, Saúde e Justiça Ambiental, Soberania Alimentar, Economia Solidária e Feminismo (ENDC), realizado em 2011”, exemplifica Búrigo. 

“O Agroecologia em Rede foi uma plataforma importante para analisar onde estavam as experiências de agroecologia e o que elas nos diziam. Em 2018, o projeto foi retomado para contribuir com as redes de agroecologia e trabalhar o que vem sendo pautado nos encontros e congressos brasileiros  de agroecologia e a Fiocruz se soma a esse processo”, afirmou o assessor da Fundação. 

Além da ANA e da ABA-Agroecologia, organizaram e participaram do ENDC o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a Marcha Mundial de Mulheres (MMM), a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) e a Rede Alerta contra o Deserto Verde (RADV).   

No processo de sistematização temático da Saúde e da Agroecologia, foram realizados testes com os cadastros de vinte experiências e a proposta é que, nos próximos dois meses, as organizações estimulem um processo descentralizado de inserção de dados na ferramenta. Todo o material também será traduzido para o espanhol, a fim de possibilitar um diálogo com as experiências dos países latino-americanos. A partir da análise destas informações, serão realizados produtos de comunicação e eventos para consolidar ainda mais estas experiências sistematizadas no mundo virtual em conexão com as práticas reais nos territórios. 

Conexão de ciência e política: uma plataforma de ecologia de saberes

Desde a profusão de experiências conectadas ao movimento agroecológico, há mais de quarenta  anos, que culminou  na formação da ANA e, posteriormente, da ABA, a concepção que norteia suas atividades sempre retratou um campo político e científico ancorado nas práticas sociais. Todos os encontros, congressos, intercâmbios e demais ações sempre tiveram como ideia chave a centralidade das experiências territoriais. É através delas que nascem o conhecimento e a força política para superar o sistema hegemônico, tanto no mundo acadêmico quanto no agrário e institucional, que regula as formas de organização dos sistemas alimentares.  

Com base nestas reflexões, Paulo Petersen, do núcleo Executivo da ANA e ex-presidente da ABA, ressaltou a importância do lançamento desta ferramenta como um instrumento de luta e produção do conhecimento coerente com a concepção política e pedagógica do movimento. A partir da visibilidade das experiências, Petersen acredita que será possível refletir sobre seus significados, pois não se trata só de uma questão tecnológica e sim de uma rede virtual com forte conexão nas redes reais.

“A agroecologia é uma perspectiva do local, por isso falamos tanto em território como uma unidade e lugar onde os saberes são construídos em integração direta com a natureza. Significa falar também em grande heterogeneidade, não há um receituário agroecológico, estamos falando de uma imensa diversidade. E combater a invisibilização é um aspecto muito importante na nossa construção política, porque essas práticas sociais são institucionalmente invisibilizadas”, afirmou Petersen.

Daí, a necessidade de ampliar as diferentes vozes, reconhecer e valorizar essas diversidades como um instrumento coletivo de luta. Construir uma identidade em torno de princípios e valores, que engajam as redes em processos de transformação. São movimentos que questionam a forma como a academia se organiza e se coloca perante a sociedade como portadora de uma verdade absoluta e inquestionável. Por isso, essa plataforma é também chamada de ecologia de saberes, pois se não houver outra perspectiva de entender o conhecimento, não será possível avançar politicamente, argumentou Paulo Petersen. 

“Essa interfecundação entre agroecologia e saúde tem sido muito virtuosa desde o seu encontro. Precisamos internalizar esse debate no SUS. Só será institucionalizado esse tipo de saber se tivermos o entendimento de que a saúde se promove através dos territórios e seus saberes e práticas populares. Nesse momento, a gente questiona as soluções padronizadas e universalizantes, que são formas de colocá-las no mercado. Estamos na luta contra a mercantilização da vida. A saúde e o alimento não são mercadorias. O Agroecologia em Rede tem fundamento ético e político”, concluiu Petersen.

A importância dos Saberes Tradicionais

Uma das propostas da plataforma é valorizar e dar visibilidade ao conhecimento tradicional. Através do relato de Aparecida Arruda, conhecida como Tantinha, raizeira de Minas Gerais, foi possível verificar a importância desses saberes. Embora tenha tido uma avó parteira, só após enfrentar dificuldades para recuperar a saúde de seu filho, ela passou a valorizar as plantas medicinais no seu quintal. Após curá-lo à base dessas ervas, já que no sistema convencional de saúde não obteve sucesso, ela inscreveu seu quintal em um projeto. Em pouco tempo, a área virou uma farmácia popular, com mais de 170 espécies. Foi expandindo seu trabalho em rede e estabelecendo parcerias e, hoje, é uma das integrantes da Articulação Pacari, referência sobre o tema no Cerrado.

“Percebemos que a Farmacopéia Popular Brasileira era uma linguagem acadêmica, então, buscamos outra forma de regularizar e buscar uma linguagem melhor dos conhecimentos populares. Elas trouxeram visibilidade ao Cerrado junto aos raizeiros. O livro levou nove anos para edição, ganhou prêmio da ONU e hoje é um instrumento para validar nosso trabalho”, afirmou Tantinha.

Buscando dar qualidade a essas práticas, foi estabelecido um protocolo que garante o direito consuetudinário com base nos costumes dos povos tradicionais. É uma ferramenta em defesa destas práticas e na proteção do Cerrado, visando a valorização dos seus trabalhos. Hoje, Tantinha tem o Ervanário São Francisco (MG) e comercializa diversas plantas nativas em feiras, de modo a promover a produção e o consumo conscientes, além de dar palestras e cursos em universidades.  

Os desafios desta ciência cidadã também foram destacados pela coordenadora do Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares (OBAH)/Fiocruz Brasília, Denise Oliveira e Silva, que, entre outras ações, realiza trabalhos com comunidades quilombolas no Cerrado. Segundo ela, foi um longo caminho para compreender a importância da agroecologia na saúde e no consumo alimentar. O trabalho em rede, potencializando toda uma diversidade étnica, que vai contra o racismo estrutural, é extremamente valioso para desenvolver saídas aos problemas no nosso país. 

“Acompanhando as ações de comunidades tradicionais, como os quilombos dos Kalungas, no Cerrado, verificamos que são elas que têm responsabilidade com o desenvolvimento social e humano, atuando como guardiões. Isso fico invisível e desvalorizado, sendo vítimas de racismo. Atuar com essas comunidades tem sido a forma como a gente entende o processo de alimentação humana. Essa plataforma [Agroecologia em Rede] vem apontar esse caminho frente a um modelo industrial que nos trouxe tantos danos”, ressaltou a pesquisadora. 

Como funciona a Agroecologia em Rede?

Exatamente pela diversidade e polifonia, muitas ações e pesquisas em curso nos territórios não reconhecem ou denominam suas práticas,  necessariamente, como experiências agroecológicas. Voltado para povos e comunidades tradicionais, coletivos, movimentos sociais e populares, instituições, ONGs, grupos de pesquisa, dentre outros setores, esse formulário facilitará a identificação da diversidade de estratégias construídas pelos grupos que atuam na interface entre saúde e agroecologia no Brasil e na América Latina. De forma descentralizada, será possível realizar um processo de mapeamento de acordo com os tipos e temas das experiências. Os cadastros serão analisados por uma equipe de curadoria, dando qualidade e legitimidade à pesquisa.

De acordo com Lorena Portela, que faz parte da equipe do Agroecologia em Rede, a expectativa é que sejam cadastradas, nestes dois meses, experiências de práticas integrativas e complementares em saúde (PICS,) como hortas junto às unidades da atenção básica do SUS, de soberania e segurança alimentar e nutricional, de luta contra agrotóxicos, de valorização dos saberes, de produção e comercialização de produtos agroecológicos, de defesa dos territórios camponeses e de comunidades tradicionais, de saneamento, de promoção de territórios sustentáveis e saudáveis, dentre outras práticas. Cursos, eventos, encontros, seminários e pesquisas, atividades artísticas, culturais e de comunicação popular também podem ser cadastrados.

“O cadastro pode ser por dois caminhos: pelo computador ou via aplicativo para celular android (ODK Collect).  Além de uma interface robusta e de fácil utilização, a vantagem do aplicativo é que dá para fazer todo o preenchimento offline e enviá-lo apenas quando tiver conexão. O processo de cadastramento leva em torno de uma hora. Recomendamos, fortemente, a leitura completa do “Manual de Uso”, disponível no site, que traz instruções detalhadas sobre os procedimentos de cadastro e o processo de sistematização das experiências”, explicou Portela.

A interface de cadastro foi desenvolvida pela EITA (Cooperativa de Trabalho Educação, Informação e Tecnologia para Autogestão), que atua com tecnologia da informação em software livre. . A segurança e proteção dos dados dos participantes é uma das principais questões que concernem à plataforma do AeR. 

Para dar suporte ao cadastro das experiências,  está disponível no site contato de e-mail e whatsapp. Acesse mais detalhes e saiba como participar aqui: https://www.agroecologiaemrede.org.br

O papel da Fiocruz no processo

Através da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS-Fiocruz), a agroecologia se tornou, há alguns anos, uma agenda estratégica da instituição. O formulário do Agroecologia em Rede é lançado quando a Fiocruz completa 120 anos e, durante a pandemia, ficou ainda mais evidente a importância do papel das políticas públicas, não só na perspectiva sanitária mas também humanitária. É nesse espírito, segundo Marco Menezes, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) da entidade, que a disseminação e o compartilhamento de conhecimentos e tecnologias são estimulados em busca da qualidade de vida das nossas populações.      

“Temos trazido dados científicos, nesse momento em que o papel da ciência é muito questionado, que revela uma crise humanitária. O projeto vem combater o lado da desigualdade mais perversa, que é a fome, e retomar a discussão da distribuição da terra, que tem ficado fora das grandes agendas institucionais”, alertou Menezes. 

Estas ações vão marcando o papel institucional da Fiocruz e aprofundam, cada vez mais, a comunicação da instituição com a sociedade, complementou o gestor. É um trabalho coletivo tentando entender a agroecologia como ciência, prática e movimento, promovendo o encontro de diversas áreas e o diálogo com pesquisadores. “Simboliza como a gente vê essa ação dentro de uma instituição pública e o papel do Estado. Toda essa discussão passa por refletirmos sobre ‘qual sociedade queremos?’, por resgatarmos a cultura das populações tradicionais, pela urgência de fortalecermos o SUS e pela discussão dos dados científicos. É um encontro com os movimentos sociais muito importante”, concluiu.

Tecendo Redes de experiências em Saúde e Agroecologia

Vídeo do Seminário Virtual de lançamento disponível no Youtube da ABA-Agroecologia:

Para entrar em contato com a equipe de coleta de informações em saúde:

Lorena: (21) 97508-7115

[email protected]

Instagram | Plataforma do Agroecologia em Rede (AeR)

Foto: Imagem ilustrativa do seminário Virtual de Lançamento do Tecendo Redes de experiências em Saúde e Agroecologia;