Por Juliano Vilas Boas e Priscila Viana

Agricultoras e agricultores familiares e lideranças de movimentos e organizações sociais do campo e da cidade de diversas regiões do país se encontraram na Feira da Agrobiodiversidade, na noite desta sexta-feira (01/06), no Parque Municipal de Belo Horizonte (MG), como parte da programação do IV Encontro Nacional de Agroecologia (IV ENA). A feira se constituiu como espaço para promoção de intercâmbio entre os diversos povos que habitam os biomas Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal, Litoral, Pampa e Amazônia, através da troca de saberes e de sementes crioulas e mudas nativas de cada bioma.

Para Raimundo Nonato Filho, do Assentamento de Reforma Agrária Abril Vermelho, da Região Metropolitana Belém (PA), a tarefa de fortalecer os agroecossistemas está na mão dos camponeses e camponesas. “A gente vem na intenção de trocar a semente e a experiência para fortalecer os nossos agroecossistemas na Amazônia. É necessário impedir que o agronegócio transforme em monocultivo a nossa agrobiodiversidade amazônica. E essa tarefa está na mão dos camponeses. Isso representa a cultura popular, representa o espírito de nossa população camponesa, representa o nosso trabalho, a nossa comunidade”, relata o agricultor.

Mulheres são guardiãs de sementes

A feira também deu visibilidade ao trabalho das mulheres na construção da agroecologia. Durante o evento, mulheres de diversas etnias, como quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco, entre outras, se destacaram pela atuação enquanto guardiãs de sementes da biodiversidade. “Eu planto tudo agroecológico, minhas sementes são colhidas lá mesmo. A importância das sementes está na alimentação pura que levo para a mesa da minha casa e melhora minha saúde, meu bem estar físico, mental e espiritual e eu sou feliz no que eu faço”, afirma a agricultora Catarina das Graças Chagas, moradora do Assentamento Che Guevara, em Campo dos Goitacazes (RJ).

A quilombola Ivanete Ferreira Silva, da Comunidade Quilombola Invernada dos Negros, município de Campos Novos (SC), por sua vez, destaca a importância da troca de sementes para ampliar a diversidade de alimentos produzidos. “Para nós é muito interessante trazer conhecimento da nossa região, do nosso povo e levar mais conhecimento sobre as plantas. Na nossa região, como é um clima temperado, tem muitas coisas que para nós não dá. Agora estamos trabalhando na nossa área com alimentos. A gente planta grãos sem agrotóxico. A gente veio em busca de conhecimento, experiência e está sendo muito bom”, afirma.

A simbologia da ancestralidade também está presente na troca de sementes e na cultura dos povos presentes no IV ENA. Segundo a camponesa Cida Francisco, que atua no Grupo Interdisciplinar em Agricultura Sustentável (GIAS), em Mato Grosso, a transmissão de conhecimentos de geração a geração compõe a riqueza simbólica das sementes. “No GIAS nós resolvemos arrumar mulheres para serem multiplicadoras, animadoras de sementes. Então eu sou uma delas e aqui tem mais três delas”, comemora Cida, que, desde 2005, vem desenvolvendo o cuidado com as sementes. “A gente está tentando resgatar, e já resgatamos, muitas sementes que tinham se perdido. Aqui mesmo no ENA, tem gente que não conhecia magarito. Isso é uma planta que eu resgatei já há mais de 10 anos. Minha mãe que plantava. Então ela é a nossa batatinha e a gente não compra batatinha de mercado”, diz.

Para Cida o resgate de sementes crioulas é a garantia de uma alimentação saudável. “Eu tenho 66 anos e ainda aguento o serviço de roça. Tenho um sítio onde planto e tenho 200 variedades de árvores frutíferas porque eu quero viver na vida saudável até enquanto puder andar, trabalhar. Para ser uma animadora de sementes, a gente tem que amar o serviço que faz e conhecimento também. Tô feliz porque as mulheres estão em peso nesse evento aqui, falando a mesma língua, da Agroecologia”, conclui.  

Juventudes

Além das mulheres, juventudes de diversos territórios se destacaram na Feira da Agrobiodiversidade como guardiões de sementes. “As sementes crioulas tem um papel muito importante na agroecologia porque mostra que a gente não precisa depender das grandes empresas que vendem as sementes. A gente tem uma riqueza de sementes crioulas em todo o território brasileiro”, afirma o estudante de Agroecologia do Instituto Federal de Sergipe (IFS), Rafael Fernandes Ezequiel.

Ezequiel lembra que a juventude herda os bancos de sementes dos seus pais e avós e percebem a importância das sementes crioulas quando vão aos encontros e atividade de formação que participam. “Sempre tem um momento das sementes crioulas. Aí a pessoa vê o quanto é valioso aquele momento e o quanto é valioso ter a própria semente sem depender de ninguém. A juventude precisa ser guardiã da semente, porque se não tiver os guardiões jovens, no futuro a gente não vai ter nada disso”, alerta o estudante.

A representante do Núcleo Mucuri de Agroecologia, no Vale do Mucuri (MG), Kátia Maria, destaca a importância do seu papel de mulher jovem e guardiã de sementes. “Ser mulher e ser jovem como guardiã da semente é muito importante, porque, além de ser filha de agricultores familiares, eu também sou estudante e acho que as coisas têm que caminhar bem juntas. Sou estudante universitária e estamos lá na luta, caminhando junto com os agricultores, partilhando as sementes. Semente é soberania, é um direito, e a gente se empoderar disso”, destaca Kátia.

Ao fim, animados/as pelas culturas, cantos, encantos, sorrisos, abraços e trocas de saberes, de sementes e mudas diversos gritos foram ecoados num grande círculo. A Feira da Agrobiodiversidade evidenciou a necessidade coletiva da defesa das sementes como direito, como patrimônio dos povos, à serviço da humanidade e como possibilidade de construção de um outro modelo, que garanta a soberania destes povos.

Edição: Luciana Rios