No Semiárido, não é só a Caatinga que se torna verde com as primeiras chuvas após um período de estiagem. As feiras agroecológicas também retomam sua força, tanto no aumento de famílias produtoras, como na variedade de alimentos comercializados. Esse fenômeno pode ser percebido em toda região que passou por uma seca de sete anos – de 2010 a 2017 – e foi considerada uma das mais severas dos últimos 30.
Mas tal feito não aconteceria só com a volta das chuvas se políticas públicas adequadas à convivência com o Semiárido não tivessem sido construídas com influência da sociedade civil organizada e chegado às famílias agricultoras na última década. Entre estas políticas públicas, uma que traz impacto direto no aumento da produção dos feirantes é a que permite o estoque de água da chuva em maior quantidade para aguar os quintais produtivos e oferecer aos animais de pequeno e médio porte e a assistência técnica agroecológica.
No Rio Grande do Norte, as cidades de Umarizal e Caraúbas têm uma feira agroecológica cada. A de Umarizal ficou desativada de 2011 a 2016 e, a partir do ano passado, 10 das 20 famílias que participavam da feira voltaram a vender os alimentos que produzem nas suas propriedades. Segundo Risoneide Lima, assessora político-pedagógica da ONG Diaconia, no Oeste Potiguar, essa reativação aconteceu devido à “chuvada de 2017 e também porque a maioria das famílias conseguiu a cisterna-calçadão”.
Esta tecnologia é disseminada na região pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) com recursos públicos e ação ativa das organizações que fazem parte da rede. Pelo Programa Uma Terra e Duas Águas, a ASA implementou mais de 95,6 mil tecnologias que acumulam a chuva para produzir alimentos e criar animais. Deste total, quase 51,3 mil são as cisternas-calçadão.
A agricultora e vice-presidente da Associação Oeste Verde, Maria Elizabete de Oliveira, 53 anos, é uma das participantes da feira agroecológica de Umarizal e uma das quais passou a ter a cisterna-calçadão. Ele e seu marido conseguem uma boa produção para vender na feira toda segunda-feira: mamão, pinha, cheiro verde, cebolinha, couve manteiga, jerimum caboclo, berinjela e queijo coalho que ela mesma produz a partir do leite das suas duas vacas. Dona Beta, como é chamada, fez questão de citar outros alimentos plantados na horta para serem oferecidos em breve a seus clientes: cenoura, tomate cereja, alface, beterraba e a batata-doce.
Com tanta variedade, dona Beta consegue um apurado de R$ 80 por semana ou R$ 320,00 num mês. “Esse dinheiro ajuda demais. Serve para pagar energia, uma conta, a gasolina. E além disso, a gente não precisa comprar o feijão, a batata e as hortaliças”. Só a renda da feira equivale a mais que o dobro do valor que ela e o marido tinham nos meses de maior aperto da seca.
Na época, eles passavam o mês basicamente com os R$ 132,00 do Bolsa-Família e mais uns R$ 48,00 da venda semanal do leite produzido por uma vaca que conseguiram manter, um total de 180,00. Um valor que colocava a família em situação de extremamente pobres, segundo critérios do Governo Federal. Com a volta da venda direta aos consumidores, somado ao benefício do Bolsa-Família e outras fontes sazonais, a família supera a chamada linha de pobreza.
Em Pernambuco, as feiras agroecológicas apresentam trajetória semelhante. No Sertão do Pajeú, o município de Serra Talhada sedia a feira mais antiga do Sertão pernambucano, que leva o nome da cidade e completa 18 anos no início do mês que vem. Nestes anos de chuvas bem abaixo da média, o número de feirantes passou de 25 para 10 a 12. “Atualmente, as famílias afastadas estão voltando. Uma esteve longe por seis anos e algumas outras, de um a dois anos. Agora a feira está com 22 produtores antigos”, conta Maria Silvolusia Mendes, coordenadora-presidente da Associação dos Agricultores da Feira Agroecológica de Serra Telhada (Afast).
Pesquisa – Há um estudo publicado em 2015 que traça o perfil de famílias agricultoras que participam de feiras orgânicas e agroecológicas no Recife, capital pernambucana, e em toda a Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Intitulada “Feiras Agroecológicas – Institucionalidade, Organização e Importância para a composição da renda do agricultor familiar”, a pesquisa assinada pela Universidade Federal de Pernambuco e ao Instituto de Desenvolvimento do Trabalho, sediado no Ceará, está disponível para download.
Nela, há dados sobre a renda das famílias que participam da feira e comparam estes dados com a renda rural e a geral do município onde o/a agricultor/a mora. Também apresenta dados sobre o sexo, escolaridade, área da propriedade e da produção orgânica das famílias que estão nas feiras. A pesquisa também levanta as feiras e a quais organizações de referência (ONGs, entre outras) elas estão ligadas.
Durante a coleta de dados, em 2013, no Rio Grande do Norte estavam em funcionamento nove feiras, incluindo a de Caraúbas. Vale lembrar que esse período a região estava bem seca. A de Umarizal já estava desativada. Os dados sobre a renda dos feirantes apontam que na de Caraúbas a renda conseguida por mês pelos feirantes superava a renda média per capita rural do município (IBGE/2010). Respectivamente, R$ 254,23 e R$ 227,05. Dos quatro produtores ligados a esta feira no período, duas eram mulheres, a média de idade era 37 anos e três liam e escreviam.
Hoje, são seis feirantes agroecológicos que vendem seus produtos variados na feira de Caraúbas. A Diaconia, que faz parte da ASA Brasil, acompanha a produção das famílias agricultoras com assistência técnica agroecológica. Uma ação mantida, em grande parte, por recursos vindos de agência de cooperação internacional como a alemã Pão para o Mundo e a inglesa Tearfund.
Ater Agreocologia – Uma das principais estratégias de acesso a mercado da agroecologia é a criação de feiras para venda direta aos consumidores. Estes espaços se firmam como práticas de comércio justo tanto para remunerar os produtores, quanto para os consumidores que acessam produtos limpos a preços acessíveis. Confira pesquisa feita pelo Centro Sabiá que compara os valores de cestas de alimentos vendidos nas feiras agroecológicas do Recife com o preço dos produtos cultivados com uso de agrotóxicos e vendidos em feiras públicas de bairros populares e em supermercados.
Para ter feiras é preciso ter excedente na produção das famílias e um caminho que facilita isso é a assistência técnica baseada nos princípios agroecológicos. Como política pública, essa ATER começou a ser oferecida há três anos apenas para famílias agricultoras de todo o Brasil através da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater).
De acordo com Cristina Nascimento, da organização Cetra e do Fórum Cearense pela Vida no Semiárido, que representa a ASA Brasil no estado, o que se percebe é uma grande incidência dos/as agricultores/as assessorados pela Ater Agroecologia na Rede de Feiras Agroecológicas acompanhada pela sua organização. Até porque as famílias selecionadas para receber a assistência eram as que já tinham sido contempladas com as tecnologias de água para produção.
“Esta política passa por uma fase muito difícil. O Governo do Brasil deve cerca de R$ 60 milhões para as organizações contratadas para executar a Ater Agroecologia. O último pagamento feito este ano foi relativo a gastos executados em setembro de 2017. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo) estão tentando articular uma audiência com o Governo Federal”, conta Cristina.
Algumas instituições do Nordeste que executam o Ater Agroecologia e fazem parte da ASA estão articuladas na Rede Ater Nordeste: Cetra (CE), Esplar (CE), Centro Sabiá (PE), Patac (PB), AS-PTA (PB) e Sasop (BA).