Um painel sobre o atual contexto sócio político e os desafios do movimento agroecológico ocorreu na manhã de ontem (27), em Brasília, durante a Plenária Nacional da ANA que acontece até a próxima sexta-feira (29). Cerca de 70 representantes de organizações de todas as regiões do país estão discutindo o cenário político e econômico atual para construir estratégias de resistências a partir de um diálogo coletivo a partir das experiências nos territórios.
Mesmo com uma aparente vitória do golpe à democracia, avaliou Guilherme Delgado, economista da Associação Brasileira de Reforme Agrária (Abra), há uma psicologia no ar de que os vencedores do impedimento da presidenta Dilma Rousseff estão se sentindo derrotados. O desafio atual dos movimentos é interpretar com clareza a atual conjuntura para incidir com maior eficiência.
“Tínhamos uma experiência nacional desenvolvimentista puxada pelo Estado e os setores agro exportadores com muita exuberância até 2013 do abastecimento do comércio mundial. Essa combinação do setor privado exportador e uma política social do Estado prevendo distribuição era um arranjo de crescimento dito perfeito. Resistiu à crise econômica de 2009, mas esse modelo funcionou só até o governo Lula. Eles estão triunfando na crise porque são partes e peças do golpe, que se dá por três setores fora do controle público: o agronegócio que não cumpre as regras constitucionais, o setor financeiro que é isento de qualquer controle público e o setor midiático com seu oligopólio”, analisou.
Segundo o economista, a marolinha acaba gerando uma estagnação econômica a partir de 2013 por causa da desaceleração da economia chinesa a qual estávamos umbilicalmente ligados à exportação de produtos primários. A crise política estoura quando o governo Dilma assume a agenda neoliberal com o seu ministro Joaquim Levy atendendo as demandas do mercado, complementou. Três ações afundaram a economia, em sua opinião: eliminação dos investimentos públicos do BNDES, desencadeamento da operação Lava Jato desmontando os investimentos da Petrobras e a queda do petróleo, além do campo agrícola que embora com uma crise nas commodities passa por um rearranjo com um pacto de economia política.
“O agronegócio é muito mais protegido, a agricultura capitalista tem um conjunto de compensações e com muito enriquecimento da elite agrária: sistema de crédito público rural não para de crescer, a completa mercadorização da terra à revelia do ordenamento constitucional e um processo de grilagem crescente. Tudo isso com uma situação cambial favorável de 2015 para cá. Mas temos outra agricultura que se denomina camponesa, familiar, agroecológica, dos povos e florestas, que se apoia numa construção de legitimidade social e cultural que vem ganhando força na perspectiva do futuro com uma produção e consumo renovadas”, concluiu.
O golpe e a mídia
Para o diretor da agência de notícias Carta Maior, Joaquim Palhares, o golpe é inevitável e agora é necessário intensificar as mobilizações nas ruas. É preciso ampliar na análise o alicerce de sustentação da base do golpe ao poder judiciário, acrescentou, destacando que existe um condomínio golpista no qual o governo norte americano está no topo da pirâmide.
“Coloco também nesse condomínio golpista o sistema financeiro, as enormes corporações que comandam a política norteamericana. São elas que financiam e ganham as eleições, o sistema de lobby que sustenta o congresso americano que foi incorporado ao sistema ocidental. Tem bancos, fundos, rentistas, indústria química e armamentista, etc, que vêm para cá e fazem a cooptação desses grupos locais. E passa a fazer parte desse condomínio agora de forma aberta o poder judiciário, onde se inclui o Moro, que foi treinado nos EUA. Isso alcança a suprema corte e nos deixa numa situação muito difícil”, alertou.
Segundo o advogado, muitas oportunidades foram perdidas para fazer mudanças e a luta pela comunicação nesse cenário está perdida. Para ele, na época o ministro das comunicações Franklin Martins fez um projeto com base nas 600 resoluções tiradas na Conferência Nacional de Comunicação mas foi engavetado. Se a presidenta Dilma sair do governo, complementou, muitas mídias alternativas serão fechadas por falta de recursos para manutenção dos projetos.
“A Globo estava contra a parede, Franklin poderia ter colocado mais dinheiro na EBC e disputado os profissionais e feito uma equipe de jornalistas no país com um sinal mais abrangente. Isso é fundamental, e perdemos essas oportunidades. O sistema CUT tem ao redor 5 mil jornalistas, e só produz para dentro. Se nos uníssemos, poderíamos ter uma senhora comunicação. O senador Requião foi reclamar ao Lula para fazer uma TV pública e o Dirceu disse que já tinham a deles com a Globo. Saiu esse mostrengo que é a EBC, sugadouro do dinheiro público e às vezes com manchetes piores que as da Globo. E não sei como faz enfrentamento sem mídia, sem contar a história de outra forma”, destacou.
Rearticulação dos Movimentos
A avaliação dos movimentos é que a com o atual cenário político a luta de classes tende a se acirrar e é preciso rearticular as forças populares para fazer suas lutas nas ruas, segundo Alexandre Conceição, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e da Frente Brasil Popular. O que está em jogo para os movimentos do campo, segundo ele, é lutar pela agroecologia e pela democracia ou se entregar ao golpe e aos agrotóxicos.
“Não dá mais para o Lulinha paz e amor voltar querendo fazer conciliação. É preciso ir as ruas com um projeto político e construir nossas alternativas. A extrema direita ganha força nas ruas e adeptos, mas os setores populares não ficaram para trás. São os democratas que saíram a discutir esse país, e é necessário novos instrumentos. Nesse caldo cultural surge a Frente Brasil Popular para além das eleições debater o projeto político do Brasil com movimentos populares. É preciso debater a construção de um programa mínimo, em que a agroecologia é fundamental”, afirmou.
A preocupação atual é com as medidas que o possível governo Temer pode assumir, bem como rasgar direitos trabalhistas, realizar ajustes fiscais, fazer a reforma da previdência e a exploração das nossas terras, dentre outras iniciativas. A interpretação do militante é que a crise econômica está sendo usada para derrubar governos democráticos e se apoderar do suor da classe trabalhadora por meio da super exploração para recuperar sua taxa de lucro e pegar nossos recursos naturais com mais lucro a menos custo.
“Essa crise econômica nos trouxe, junto à ineficiência do executivo, uma grave crise política no Brasil. Aquele ministério montado por Dilma tinha tudo para não dar certo e não deu. Uma crise política sem tamanho pela inabilidade do governo, mas também orientada pelo grande capital, o centro da economia mundial, os EUA. Lava Jato não é nada em relação ao que eles roubam há 500 anos nesse país. O projeto neoliberal volta ao país com o golpe que está se avizinhando, e a crise social com um desmonte da política pública neodesenvolvimentista criada pelo governo Lula. E ainda tem a crise ambiental fruto desse projeto político de direita e conservador, com retomada pelas grandes corporações com livre acesso de transgênicos, venenos e acesso as nossas riquezas”, advertiu.
A luta feminista
O golpe midiático, judiciário e parlamentar vem sendo debatido há muito tempo pelo movimento feminista, afirmou Miriam Nobre, da Marcha Mundial das Mulheres (MMM). A votação do impeachment da presidente Dilma na Câmara no último dia 17 evocando a família foi uma demonstração do que o movimento já apontava, segundo ela.
“Essa família que enquanto feministas combatemos, que se baseia na exploração do trabalho das mulheres e na nossa forma de viver. Muitos falam da família, mas têm amantes. A família e a prostituição são dois lados da mesma moeda do sistema capitalista que vivemos. O modo operandis do capitalismo é uma separação fictícia do domínio econômico, do político e do doméstico. Esse processo contínuo de politizar na esfera pública sempre tem uma contra partida de remetê-las ao particular e ao espaço do doméstico. Reflexo de uma situação que vivemos muito forte na sociedade brasileira”, lembrou.
A reportagem da revista Veja com a imagem da mulher do vice presidente Michel Temer como bela, recatada e do lar e a Dilma como uma histérica que não tem condições de governar o público, foi outro sinal nesse sentido. Para contrapor esse conservadorismo, segundo ela, os movimentos precisam combinar os instrumentos de militância da nova geração com os que já têm um acúmulo de lutas.
“Precisamos unificar as pautas, porque vamos viver uma onda de criminalização dos movimentos. Cada povo isolado será o primeiro a apanhar. O que vai vencer não é o que está escrito no papel, e sim o que está ocorrendo em cada território. As dinâmicas locais de resistências são super importantes e têm um potencial de abrir outra amplitude política. Vemos o grau de intensificação de conflitos nos territórios, o grau de crueldade das elites e da polícia militar, e estamos com dificuldade de responder coletivamente a esse processo. Temos que radicalizar a luta institucional”, concluiu.