Os moradores do assentamento Sezinio Tavares de Jesus, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Linhares (ES), fecharam em novembro a rodovia S-248 para reivindicar ao poder público e à Samarco uma barragem para os rejeitos tóxicos do Rio Doce não afetarem suas lagoas. Foram fortemente reprimidos pela polícia, segundo os moradores, apesar da manifestação pacífica. Tem vídeos e fotos registrados por eles com os secretários de Agricultura e de Segurança municipais sendo chamados pelos policiais para liberar a repressão com bombas e tiros sem machucar ninguém do governo.
Na ocasião, foi assinado pelos representantes um documento assumindo a responsabilidade de fazer o serviço para liberar a pista. Neste momento a polícia começou a agir, ao lado de uma escola infantil, que atualmente está sem água por causa do crime da Samarco no Rio Doce. Vários camponeses ficaram feridos com balas de borracha, embora já estivessem fora da pista, conforme comprovado nos registros dos assentados.
As denúncias foram feitas na Escola Estadual de Ensino Fundamental Paulo Damião, que fica no assentamento, durante a Caravana Territorial da Bacia do Rio Doce, na última quarta-feira (13). Segundo a diretora, “as pessoas estavam esperando o momento de cheia para utilizar a água para as suas irrigações e não tiveram essa alegria, então passaram a se mobilizar para as lagoas não serem tomadas. Foi muito triste a forma como aconteceu, porque nem as crianças foram respeitadas pelos policiais”, criticou.
“As barragens foram mal construídas. Qualquer acréscimo do volume de água vai encostar no aterro, e filtrar pela areia que tem no canal: tira a impureza, mas a contaminação continua a mesma. Tem de fazer núcleos, e jogar terra do morro misturada com areia para conter a água“, propôs o agricultor Manuel.
“Além da surra, logo a água ocupou o encontro com a lagoa e teve uma perda de várias toneladas de peixes. Os técnicos da Samarco diziam que se tivessem como pegar os mortos salvaria. Os órgãos fingiram que estava resolvido, e as famílias que usavam a vazante ficaram desamparadas. Mandavam carro pipa, como se resolvesse. 80% dos assentamentos dependem dessas lagoas, e os órgãos ambientais não dão respostas”, observou Equias Rodrigues, morador do assentamento.
O próprio serviço realizado pelo poder público já foi retirado, disse Jorge Grameliche, liderança dos pescadores no assentamento, afirmando que eles só queriam esconder os peixes mortos para não chamar a atenção. Essa mudança é urgente e os assentados correm risco de tomar mais tiros para resolver de novo, acrescentou.
“Era uma comporta provisória, então toda vez que o rio enche vai cair para dentro da lagoa. A prefeitura, Incra e Samarco não falaram mais nada, mas nós temos uma proposta de barragem. Eles acabaram fazendo aquela cagada que a água passou por cima”, criticou.
Ainda segundo a liderança, a preocupação do governo não era salvar os peixes vivos para reprodução. “Era tirar os mortos para que ninguém pudesse registrar que a água estava tirando vidas. Toda essa briga foi justamente para fazer essa barragem. Foi feito um poço perto da escola, mas foi constatada que a água está imprópria para o consumo humano”, denunciou.
O agricultor Eraldo, também assentado, reconheceu que a tragédia acabou com tudo e não dá para voltar atrás, mas apresentou uma alternativa. “Se fizermos berçários nas lagoas, depois podemos transportar os peixes para o rio. Não é de tanque, é para povoar para termos peixe com fartura. Todos estamos interessados em ajudar o estado”, disse.
“Não devemos esperar muita coisa, não. Em Regência eles simplesmente pegaram dinheiro e jogaram no mar, as barreiras foram caras e não foi por falta de conhecimento que não deu certo. A água veio e carregou todas as barreiras. Trabalho em vão e dinheiro jogado fora”, denunciou Rogério, da comunidade Povoação no litoral capixaba.
Defesa da Caravana em órgãos internacionais
Toninho, índio guarani da aldeia Boa Esperança, de Aracruz (ES), falou sobre a importância de recorrer a organismos internacionais para denunciar a empresa Samarco/Vale. Segundo ele, é fundamental que as comunidades estejam organizadas para resistir à pressão dos governos e grandes empresas. Lembrou que quando sua aldeia enfrentou a Aracruz, a juíza disse a eles que não tinham condições de manter a terra.
“Por isso lutamos a nível internacional, e hoje faremos o mesmo porque as empresas são multinacionais. Temos que divulgar o que a Vale está fazendo. Seus donos moram em outros países, e quem sofre com a consequência das grandes destruições que eles fazem somos nós. Não estão nem aí pra gente, por isso precisamos fazer acontecer. Não aceitamos esse tipo de degradação da vida, dos animais, do ser humano, da natureza. Estamos aqui para cuidar dela e não destruí-la”, afirmou.
Os integrantes da Caravana estão colhendo denúncias de violações de direitos para produzir um documento a ser encaminhado aos sistemas internacionais para buscar justiça. Segundo Eduardo Barcelos, da comissão organizadora do evento, é importante levar em consideração que a Vale e a Billiton são as duas maiores empresas de extração de ferro do mundo. É o maior rompimento de barragem do mundo, e o Brasil tem os maiores complexos de mineração em Minas e Carajás, disse.
“Estamos falando de poderes transnacionais: empresas que têm um poder de dominação nos estados e países muito forte. E em Minas Gerais tem uma história de mais de 300 anos de mineração, então a cabeça das pessoas está condicionada a naturalizar isso. Vamos denunciar não só a empresa, mas também o estado brasileiro. A mineração precisa de licenças ambientais, e o mesmo que libera é o que pune. Se passaram 5 meses e a Samarco não pagou nenhuma multa, foi notificada 39 vezes pelo Ibama e recorreu a todas”, concluiu.