Localizada próxima a Usina hidrelétrica de Mascarenhas, no município Baixo Guandu, No Espírito Santo, a Vila de Pescadores Mascarenhas, com cerca de 1200 habitantes, foi dramaticamente afetada pelo rompimento da barragem da empresa Samarco/Vale. Moradores denunciaram aos participantes da Caravana Territorial da Bacia do Rio Doce, na manhã de ontem (14), que estão completamente desassistidos pelo poder público e a empresa. Policiais e um segurança da Vale chegaram ao local, alegando que receberam uma denúncia de que a reunião seria para interromper a linha ferroviária, mas não houve confusão.
Muitos moradores sobrevivem há mais de 50 anos da pesca nas águas do Rio e estão sem saber o que fazer, outros lamentam a perda de lazer das crianças e das famílias. Estimam que tiravam até R$ 4 mil com a pesca, valor muito superior ao cartão disponibilizado pela empresa que só chegou um mês após a tragédia. O hábito é tão forte que muitos pescadores continuam navegando no Rio. Uns ganhavam até R$ 70 no quilo da lagosta, outros vendiam camarão por um bom preço, além das várias espécies de peixes.
A ficha ainda não caiu, pois ainda não entendemos que o rio acabou, desabafou a maioria acha que vai melhorar e voltar a ser o mesmo, por isso não está brigando. Acho que só quando faltar água que vão perceber, e já vai ser tarde demais. As pessoas receberam dinheiro e não pensam na água, nos peixes e na nossa vida futura”, disse.
Os moradores estão sem coragem de dar às crianças e beber a água disponível na comunidade, disse o pescador Delcimar. “A Samarco nunca nos deu água. Na audiência, a empresa falou que tinha de botar psicóloga, assistência social, etc, e essas pessoas que estão aqui não sabem de nada e não dão nenhuma informação”, criticou.
“A água está com muito flúor, muito forte, estamos cheio de manchas, coceira, etc. Pegam do Rio Guandu e misturam com a deles, mas muito perto do Rio Doce e do esgoto. E a gente vai ao Sistema Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), do município, e não adianta nada. Tem muita picuinha entre os prefeitos também”, acrescentou o morador Fabio Carlos.
De acordo com Juvenal, também pescador, os moradores estão com uma despesa de até R$ 200,00 em água. “O Dr. Bruno da Samarco não quis assinar o novo TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) e disseram que a água está liberada, mas temos fotos de peixes com mancha vermelha. Não temos coragem de dar a água deles para nossos filhos e beber. O pescador morre juntamente com o Rio Doce”, desabafou.
Antes da tragédia as pessoas iam à comunidade pescar e comprar os peixes dos moradores, e desde então ninguém mais apareceu, lamentou o pescador Paulo Renato Maciel. “Nem capivara vai à beira da água mais. Antes a gente atravessava o rio e saía limpinho, e hoje você sai com o pé cheio de minério que está no fundo. Falaram que pode pescar, mas para quem? Ninguém compra. Os peixes estão tipo com câncer, doentes, temos fotos. Só olham para a gente quando paramos a linha do trem, e ainda assim só falam de cartão e boca pra fora. E ainda estão dizendo por aí que se parar a linha do trem vai tomar tiro de borracha”, denunciou.
“Não quero dinheiro, quero o rio. Às vezes até ganha pouco, mas é prazeroso pescar. Pegávamos peixes de até 30kg, e muito camarão”, complementou Paulo.
“Liberaram a pesca, só que não recomendam pescar. No mar teve dente presa pescando bem mais longe, mas aqui pobre ribeirinho pode comer peixe contaminado enquanto na praia para rico não. A Samarco está pisando em todo mundo, tem juízes e políticos ao lado deles. Só vêm procurar nós para voto”, criticou Jorge Grameliche, do assentamento Sezinio de Jesus, do MST, em Linhares.
Os pescadores pegavam até 100kg por dia de dourado, e todo tipo de peixe que garantia o consumo dos moradores. “Era muito mais do que estão pagando para a gente, e agora como vamos sobreviver? Há mais de 6 meses ninguém vende peixe. Muitas reportagens só ficam no papel, passam por aqui mas não temos respostas de nada. Daqui a pouco eles param de dar esse trocado e cesta básica, e ficamos sem nada”, afirmou Dercio Gonçalves.
Na época da tragédia a usina ficou parada três meses, e agora só passa água pelas máquinas. Como está no período de seca na parte de baixo da usina, onde fica a comunidade, o rio está bastante vazio. Os agricultores estão sem água para irrigar suas plantações, e as fazendas no entorno não estão empregando pelo mesmo motivo. Com a pescaria ninguém passava fome ou ficava desempregado, disseram muitos moradores. O turismo da pesca esportiva acabou.
“Vou ter de procurar outra coisa para fazer, mas já estou velho. Pesco desde criança, mas não vai dar mais. E o rio vai ficar só na saudade, nas fotos. Tinham que arrumar outro caminho para tocar esse resto de vida que a gente tem”, lamentou seu Ivo.