Osório (RS) – O Brasil é o país da diversificação de povos, de culturas, de territórios, de sistemas de produção da agricultura familiar. Esta é uma das características das Caravanas Agroecológicas que a ANA organiza: mostrar as diferentes realidades do país, seus conflitos e suas vitórias diante do agronegócio e da modernização agroquímica do campo. O Rio Grande do Sul tem mais de 378 mil famílias, é um dos mais tradicionais modelos de agricultura familiar, porque decorre da herança europeia, das imigrações de portugueses, alemães e italianos. Ocupam 30% da área agrícola. A Caravana Agroecológica percorreu morros e vales do litoral Norte, região composta por 23 municípios cortados pela BR-101, de um lado o Atlântico Sul e de outro a Serra Geral. O local do evento, que também serviu como plenária para a Rede Ecovida de Agroecologia foi o salão paroquial da Capela Santa Rita de Cássia, no Morro da Borússia, a quase 500 metros de altitude.
Estavam presentes representantes de várias regiões do estado, principalmente do Núcleo Solidário e também gestores públicos do MDA, da CONAB e da Fundação Banco do Brasil, que apoia o programa Promovendo Agroecologia em Rede, junto com o BNDES. É uma região produtora de banana, a principal renda das famílias, mas que ao longo dos últimos 30 anos têm expandido e diversificado sua produção incorporando uma das árvores mais devastadas da Mata Atlântica – a palmeira Juçara, variedade que produz açaí e também o palmito. Está em extinção, uma trágica realidade da Mata Atlântica, que começa na Bahia e se estende até o Rio Grande do Sul e que hoje resta em torno de 7% da vegetação original.
Banana consumo nacional com agrotóxico
O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de banana – 7 milhões de toneladas – a maior parte consumida no mercado interno. Infelizmente o sistema de produção inclui o uso de agrotóxicos, inclusive no próprio cacho da banana, para render uma padronização futura, como tamanho da penca e a cor amarela. A banana orgânica é diferente, um pouco menor e de cor amarelo mais escura, às vezes, com pontuações marrons. Mas não tem veneno. O casal Paulo Cesar e Cláudia, onde foi realizada a visita de campo planta dois hectares de banana na encosta do morro e há dois anos tem certificação de produto orgânico. A área ainda está em nome do pai, têm 10 hectares e constitui um sistema agroflorestal, com mata atlântica nativa, e árvores e arbustos, gramíneas em meio ao bananal.
Paulo não tem mais dor de estômago, problema que ele atribui ao uso do veneno e também dos 80 sacos de adubo que precisava aplicar no bananal duas vezes por ano. Uma caixa de banana convencional de 20 kg custa em torno de R$12 a R$15, enquanto a banana orgânica custa R$28. Porém, a transição para a agroecologia demora em torno de dois anos, a produtividade cai e os intermediários não aceitam comprar o produto, pelo aspecto diferenciado. Este é um processo comum a centenas de famílias que aderiram aos princípios da agroecologia na região. Um trabalho que contou com a persistência de técnicos, ativistas de organizações sociais, ambientalistas e de algumas ações de governos em épocas específicas. As duas organizações mais citadas são o Centro Ecológico que tem uma sede em Dom Pedro de Alcântara, perto de Torres – a outra fica na Serra no município de Ipê – e a Ação Nascente Maquiné (ANAMA).
Formação de cooperativas de produtores e consumidores
A expansão envolve a capacitação de agricultores e agricultoras, a busca de novas formas de produção, produtos locais, como as frutas nativas – não é uma região produtora de grãos -, a manufatura da matéria prima e a comercialização. No fundamento disso a educação e o envolvimento das prefeituras de municípios como Mampituda, Três Cachoeiras, Três Forquilhas, Morrinhos do Sul, Osório e Santo Antônio da Patrulha. Também inclui a formação de cooperativas de produtores e de consumidores, que pagam uma mensalidade fixa e compram verduras, frutas e processados pelo preço de custo.
E as políticas públicas como PNAE, PAA, PRONAF e agora o ECOFORTE, dentro do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica com 18 projetos no RS, envolvendo desde o processamento do pinhão, frutas nativas como açaí, butiá, araçá, ou de legumes e verduras, com miniprocessadores, para picar as sobras da feira, embalar ou produzir sopa. Tanto para merenda escolar, como redes de supermercados.
Rede Ecovida de Agroecologia
A maior experiência neste sentido é a Rede Ecovida de Agroecologia que integra 28 núcleos, 4,5 mil famílias, mais de 200 feiras ecológicas, pontos de comercialização diferenciados, até mesmo na CEASA, caso de Florianópolis. A Ecovida integra as famílias em grupos, que depois se organizam em núcleos – desde 1998. Funciona através de um sistema de seis rotas, integrando municípios de diferentes regiões, intercambiando produtos, baseados nos princípios da economia solidária e da agroecologia. As rotas levam a quatro capitais: Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba e São Paulo. Criou uma diversificação grande de produtos, mais de 100 itens, desde verduras e frutas in natura, até processados e produtos industrializados, como sucos e bebidas.
Além disso, criou o seu próprio sistema de certificação, baseado na participação coletiva – agricultores e agricultoras, técnicos e consumidores (as). O Sistema Participativo faz parte da legislação brasileira de produção orgânica, o Brasil foi o primeiro país do mundo a criar este tipo de instrumento. Como diz Laércio Meirelles, do Centro Agroecológico, um carioca que está desde 1999 na região:
“- A Rede Ecovida é uma espaço de articulação e promoção da agroecologia, baseado na troca de experiências entre produtores, técnicos e consumidores e as organizações sociais. Nós criamos a metodologia de certificação na década de 1990. Ela tem um custo muito menor do que a auditoria externa, mas sobretudo é uma forma de intercâmbio de conhecimento. Embora a gente preencha papéis para enviar ao Ministério da Agricultura, é uma forma de certificação que avalia e avaliza mutuamente.”
Resgate do açaí
Atualmente 30% dos certificados de produtos orgânicos do Brasil são da Rede Ecovida. Outro aspecto da Rede Ecovida é a prioridade da segurança alimentar das famílias e da composição dos preços, que é discutida entre os associados. As associações que vendem também são obrigadas a comprar produtos de outras entidades. Garante o intercâmbio de produtos entre os núcleos regionais, além da regularidade e da quantidade.
A grande novidade para quem vem de fora certamente é a expansão do açaí. O biólogo Sidilon Mendes, que já foi secretário da agricultura de Três Cachoeiras e hoje é o presidente da Cooperativa de Consumidores do município é um dos participantes desse movimento. Em 2015, foram processados no litoral norte sete toneladas de açaí juçara. Segundo Sidilon para 2016 o número pode quase triplicar – 20 toneladas. A história do aproveitamento do fruto da juçara, que anteriormente caminhava para a extinção por conta da procura pelo palmito, onde a palmeira é cortada, começou em 1988. A paraense Edith Pessete, que vivia no litoral sul de Santa Catarina, identificou a palmeira Juçara, como idêntica a do Norte – são duas espécies diferentes. Fez o que todo paraense aprende há séculos.
Teia de Educadores ambientais e merendeiras
Um engenheiro florestal, Jorge Vivant, muito conhecido na região espalhou a novidade. Em 2003, ocorreu o primeiro processamento no Rio Grande do Sul e em 2009 as crianças da rede pública de Três Cachoeiras começaram a comer vitamina de banana com açaí totalmente agroecológica. Vários outros municípios do litoral norte adotaram a receita. Sidilon conta que descobriu uma processadora – para retirar a polpa – telefonando a uma ferragem no interior do Pará. Hoje existem três processadoras de açaí legalizadas na região e outras que estão em processo de legalização. E muitas toneladas de sementes foram plantadas na Mata Atlântica.
As organizações sociais juntamente com os agricultores e agricultoras familiares também criaram uma rede de conhecimento sobre a palmeira Juçara – integrada por vários estados -, além de uma Teia de Educadores Ambientais, na sua maioria professores, que ajudam não apenas a conscientizar as crianças, mas também participam de visitas a campo, conhecem os sistemas agroflorestais e diversificaram as receitas do açaí. Trabalho de conscientização que envolve as merendeiras das escolas, responsáveis pela execução da merenda escolar. Periodicamente, são levadas em grupos de até 40 pessoas para conhecer os sistemas agroflorestais da agricultura familiar agroecológica.
Para quem não sabe o açaí é rico em antocianinas, que são antioxidantes, ou seja, conservam o organismo humano.
Foto: Ivan de Paula