20160226_103748Caracterizado pela diversidade das suas plantações, o sítio Carapuí, no interior de Ouricuri (PE), sustenta uma família em meio a vizinhos que aplicam agrotóxicos em seus terrenos. Os 5,5 hectares abrigam cinco casas da família de seu João Apolinário, de 59 anos. Desde 1995 nenhuma gota de veneno é utilizada em seus cultivos, que são consorciados com a criação de 18 cabeças ovelhas. Frutas, legumes, hortas, forragem e pasto são alguns dos elementos que compõem seu habitat.

“Trabalhamos com orgânicos sem nenhum produto químico. Ganhei essa visão com meu pai, é muito difícil mas mesmo na seca a gente tem tirado alimento. Quem é que não quer viver bem? Ter uma alimentação saudável? Sabemos que há outra forma de produzir sem veneno. Muitos agricultores da região já têm essa visão, mas é muito difícil chegar a todos, porque tem o capitalismo e eles só pensam no lucro independente da qualidade”, disse Marcos, agricultor filho de Apolinário.

20160226_103152Muitas vezes as pessoas de fora têm uma imagem de miséria do nordeste, lembrou Francisco, outro agricultor da família, explicando que não é bem assim e eles já aprenderam a conviver com a seca e vão se adaptando. “Tem um sentimento de viver aqui”, reforçou. Começaram a plantar em 1985, quando herdaram da mãe de Apolinário o terreno com mandioca e feijão vendendo nas feiras. Na década seguinte experimentaram melancia, frutas, bovinos, que logo desistiram pela falta de terra e alimento, e começaram a acessar algumas políticas como o Bolsa Família, as cisternas para o estoque de água e o Programa NAcional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), dentre outras. A partir deste desenvolveu seu sistema com ovelhas utilizado até hoje.

Ao conviver com a seca nos últimos anos, a pior desde 1993, foram aprimorando algumas das suas técnicas. O acesso ao programa Brasil sem miséria, a construção de barreiras, e a cisterna calçadão, que permite o armazenamento de 52 mil litros d’água, viabilizaram o sustento da família. A partir de 2002 mudou o sistema de produção de forma a qualificar a vida da família, graças também ao apoio de organizações como a ONG Caatinga.

20160226_091656Seu Apolinário mora desde que nasceu no sítio, e muito do que hoje se tornou prosperidade para família não lhe agradava. Foi convencido por sua esposa a plantar coentro, que é a principal folha vendida. “Com a seca perdemos até a semente da macaxeira e paramos de plantar em 2011, queremos voltar mas a chuva não está ajudando. A seca ninguém combate, tem que aprender a conviver com ela. Depois da cisterna tudo melhorou”, afirmou.

Suas ovelhas foram fruto de um sorteio, cuja televisão premiada foi vendida para comprar um boi. Chegou a ter sete cabeças, produzia leite, mas acabou com a roça e com seca teve de mudar. Logo depois tentou os porcos até chegar às ovelhas, começou com 11 e já chegou a 40. Varia de acordo com a fartura da terra e o clima. Com a experiência conseguiram utilizar melhor suas terras e ampliar suas formas de venda. Não têm uma contabilidade precisa sobre os gastos e lucros, porque consomem e reutilizam muita coisa no terreno.

Marcos é presidente da Copagro, a cooperativa local, e é através dela que comercializa para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Também compra da vizinhança quando falta algum alimento, assim como seus vizinhos recorrem aos seus produtos. “Plantamos mamão, maracujá, acerola, laranja, coco e umbu. Só compramos banana e manga sem veneno. Guardamos algumas poupas para o período de seca. Também deixamos de comprar no mercado alface, cebolinha, rúcula, coentro, feijão, dentre outros alimentos”, explicou Marcos.

20160226_102715Não choveu ainda neste ano no sítio, o que talvez prejudique a colheita de feijão e milho. Quase toda sua água vem do poço, teve um gasto de R$ 7 mil para aprontar o sistema de irrigação. E as pragas são controladas com urina de gado, óleo e detergente para matar o mosquito. Mas têm que passar com frequência, e pensa em utilizar outras formas no lugar de detergente. Também têm plantas medicinais no terreno, e usam nim e pimenta para proteger as folhas. A ração dos bichos às vezes são compradas, mas é toda orgânica. A palma é outra forte fonte de renda, no terreno de Marcos já chegou a vender 10 toneladas recebendo mais de R$ 4 mil numa tacada só. É da convivência com o semiário e a caatinga que retiram seu sustento de vida.

A visita de técnicos e agricultores fez parte da Caravana Agroecológica e Cultura do Araripe, realizada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e a ONG Caatinga, no dia 26 de fevereiro, e proporcionou o intercâmbio entre os participantes e a família do sítio.