Caracterizado pela diversidade das suas plantações, o sítio Carapuí, no interior de Ouricuri (PE), sustenta uma família em meio a vizinhos que aplicam agrotóxicos em seus terrenos. Os 5,5 hectares abrigam cinco casas da família de seu João Apolinário, de 59 anos. Desde 1995 nenhuma gota de veneno é utilizada em seus cultivos, que são consorciados com a criação de 18 cabeças ovelhas. Frutas, legumes, hortas, forragem e pasto são alguns dos elementos que compõem seu habitat.
“Trabalhamos com orgânicos sem nenhum produto químico. Ganhei essa visão com meu pai, é muito difícil mas mesmo na seca a gente tem tirado alimento. Quem é que não quer viver bem? Ter uma alimentação saudável? Sabemos que há outra forma de produzir sem veneno. Muitos agricultores da região já têm essa visão, mas é muito difícil chegar a todos, porque tem o capitalismo e eles só pensam no lucro independente da qualidade”, disse Marcos, agricultor filho de Apolinário.
Muitas vezes as pessoas de fora têm uma imagem de miséria do nordeste, lembrou Francisco, outro agricultor da família, explicando que não é bem assim e eles já aprenderam a conviver com a seca e vão se adaptando. “Tem um sentimento de viver aqui”, reforçou. Começaram a plantar em 1985, quando herdaram da mãe de Apolinário o terreno com mandioca e feijão vendendo nas feiras. Na década seguinte experimentaram melancia, frutas, bovinos, que logo desistiram pela falta de terra e alimento, e começaram a acessar algumas políticas como o Bolsa Família, as cisternas para o estoque de água e o Programa NAcional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), dentre outras. A partir deste desenvolveu seu sistema com ovelhas utilizado até hoje.
Ao conviver com a seca nos últimos anos, a pior desde 1993, foram aprimorando algumas das suas técnicas. O acesso ao programa Brasil sem miséria, a construção de barreiras, e a cisterna calçadão, que permite o armazenamento de 52 mil litros d’água, viabilizaram o sustento da família. A partir de 2002 mudou o sistema de produção de forma a qualificar a vida da família, graças também ao apoio de organizações como a ONG Caatinga.
Seu Apolinário mora desde que nasceu no sítio, e muito do que hoje se tornou prosperidade para família não lhe agradava. Foi convencido por sua esposa a plantar coentro, que é a principal folha vendida. “Com a seca perdemos até a semente da macaxeira e paramos de plantar em 2011, queremos voltar mas a chuva não está ajudando. A seca ninguém combate, tem que aprender a conviver com ela. Depois da cisterna tudo melhorou”, afirmou.
Suas ovelhas foram fruto de um sorteio, cuja televisão premiada foi vendida para comprar um boi. Chegou a ter sete cabeças, produzia leite, mas acabou com a roça e com seca teve de mudar. Logo depois tentou os porcos até chegar às ovelhas, começou com 11 e já chegou a 40. Varia de acordo com a fartura da terra e o clima. Com a experiência conseguiram utilizar melhor suas terras e ampliar suas formas de venda. Não têm uma contabilidade precisa sobre os gastos e lucros, porque consomem e reutilizam muita coisa no terreno.
Marcos é presidente da Copagro, a cooperativa local, e é através dela que comercializa para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Também compra da vizinhança quando falta algum alimento, assim como seus vizinhos recorrem aos seus produtos. “Plantamos mamão, maracujá, acerola, laranja, coco e umbu. Só compramos banana e manga sem veneno. Guardamos algumas poupas para o período de seca. Também deixamos de comprar no mercado alface, cebolinha, rúcula, coentro, feijão, dentre outros alimentos”, explicou Marcos.
Não choveu ainda neste ano no sítio, o que talvez prejudique a colheita de feijão e milho. Quase toda sua água vem do poço, teve um gasto de R$ 7 mil para aprontar o sistema de irrigação. E as pragas são controladas com urina de gado, óleo e detergente para matar o mosquito. Mas têm que passar com frequência, e pensa em utilizar outras formas no lugar de detergente. Também têm plantas medicinais no terreno, e usam nim e pimenta para proteger as folhas. A ração dos bichos às vezes são compradas, mas é toda orgânica. A palma é outra forte fonte de renda, no terreno de Marcos já chegou a vender 10 toneladas recebendo mais de R$ 4 mil numa tacada só. É da convivência com o semiário e a caatinga que retiram seu sustento de vida.
A visita de técnicos e agricultores fez parte da Caravana Agroecológica e Cultura do Araripe, realizada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e a ONG Caatinga, no dia 26 de fevereiro, e proporcionou o intercâmbio entre os participantes e a família do sítio.