mariana samarcoPor Rodrigo Noleto,

A quem interessa um complexo sistema de licenciamento ambiental? Deveria ser de interesse de toda a sociedade. Quando bem instruído, ou seja, submetido a todas as etapas que precedem a emissão da licença que autoriza o empreendimento (licenças prévia, de instalação e de operação), deveria evitar ou reduzir danos sociais, econômicos e ambientais. Além disso, estabelecer compensações ou mitigações quando impactos negativos forem inevitáveis.

A legislação brasileira é, sem dúvida, avançada em relação à necessidade de estabelecer critérios e limites para os empreendimentos que poderiam causar significativos prejuízos socioambientais e, consequentemente, econômicos. Além disso, os grandes empreendimentos movimentam significativos interesses, inclusive do estado. Neste caso, a legislação ambiental cumpre o papel de proteger a sociedade e evitar abusos do poder econômico, estabelecendo
até mesmo consultas públicas para criar mecanismos de transparência. Entretanto, o estabelecimento destas regras pelo estado é recente. A norma que criou o padrão atual para o licenciamento de empreendimentos, por exemplo, é a Resolução CONAMA 237/1997, defendida à risca pelos ainda instáveis órgãos públicos do sistema nacional de meio ambiente (SISNAMA).

Nos últimos anos, apesar dos avanços surgidos, a imagem comum sobre a legislação ambiental, em especial sobre o sistema de licenciamento, é que este se tornou uma grande barreira ao desenvolvimento econômico do país. Com isso, o governo brasileiro, buscando atender aos interesses econômicos e políticos, apoiou o esfacelamento do órgão central (IBAMA), descentralizando aos estados o poder de licenciamento dos grandes empreendimentos. Esta
ação pode ser considerada irresponsável, em muitos casos, pois em alguns estados há ainda uma completa desorganização técnica e administrativa para que possam assumir tais responsabilidades.

Entretanto, é interessante e necessário o movimento de autonomia aos estados, para que possam legislar e adotar uma postura de proteção e uso sustentável dos recursos naturais. Porém, além da cultura institucional, ainda em formação, e das dificuldades administrativas, pode haver um conflito de interesses entre os entes federativos. E isso poderia diminuir os critérios de salvaguarda ambiental para estabelecimento de grandes empreendimentos em
seus territórios. Um exemplo recente pode ser visto com os impactos causados pela empresa SAMARCO, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

Além disso, há o desvirtuamento do sistema, que segrega e impede o desenvolvimento de empreendimentos de baixo impacto, marginalizando os setores produtivos mais necessitados, como a agricultura familiar. Para exemplificar, recentemente uma pequena associação comunitária no estado do Mato Grosso, recebeu recursos do Fundo Amazônia para construção de uma casa de farinha artesanal. Na ocasião foram informados pelo órgão ambiental do estado que necessitavam realizar os procedimentos para o licenciamento ambiental. A associação precisou contratar uma empresa especializada (R$ 4.150,00), pagar as taxas de licenciamento LP, LI e LO (R$ 3.383,22) e CREA (R$74,37), totalizando R$ 7.533,22. Além disso, uma série interminável de documentos foi solicitada para o cumprimento das exigências do órgão ambiental. Esta condição imposta a uma frágil associação do meio rural é incoerente com o risco do empreendimento e fica patente a necessidade de distinção pelo estado.

Assim, é evidente que a burocracia estabelecida para impor regras de salvaguarda ambiental está distante do seu objetivo. Com o enviesado interesse no estabelecimento de grandes empreendimentos, alguns estados impõem o mesmo burocrático sistema para organizações comunitárias ou empreendimentos de pequeno porte, quando são financiados por bancos públicos ou privados. Estas exigências são injustificáveis, pois as iniciativas realizam atividades de uso e conservação dos recursos naturais, por meio de populações tradicionais, povos indígenas ou agricultores familiares, que continuam à margem da, ainda, confusa legislação ambiental brasileira.

Cabe lembrar que o próprio CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) estabelece regras para o licenciamento simplificado de agroindústrias de pequeno porte (Resolução 385/2006), onde cria o mecanismo da Licença Única de Instalação e Operação (LIO). Em alguns casos, os estados também criaram mecanismos de simplificação da legislação, buscando atenuar os procedimentos burocráticos. Como é o caso da legislação do estado do Maranhão¹, que disciplina o licenciamento simplificado para uma série de atividades e cria um sistema eletrônico, que facilita o empreendedor que tem acesso à internet. Porém, o objetivo desses regulamentos, em geral, ainda é orientado aos processos de produção e beneficiamento e não preveem as demais atividades de pequenos projetos socioambientais, como extrativismo sustentável, recuperação de áreas degradadas, plantio de sistemas agroflorestais, processos agroecológicos, entre outras iniciativas que promovem a educação e a sustentabilidade ambiental, todas são passíveis das exigências administrativas de licenciamento ambiental.

Por fim, cabe sugerir aos órgãos reguladores que a legislação ambiental possa ter o papel fundamental de garantir as condições mínimas de manutenção, conservação e apoio ao patrimônio socioambiental nacional. É urgente uma revisão dos procedimentos de licenciamento para estabelecer diferenciações entre pequenos e grandes empreendimentos e entre aqueles que causam prejuízos e os que, por meio de ações socioambientais e econômicas, apoiam o processo de transição agroecológica, reafirmando o papel das comunidades na manutenção e uso sustentável dos ambientes naturais. Afinal, o que se espera de um sistema justo é o reconhecimento das práticas de uso e conservação adotadas por comunidades agrícolas e tradicionais. Caso contrário, a política nacional de meio ambiente aprofundará o fosso entre as práticas tradicionais e as possibilidades de apoio e fomento formais, condições imprescindíveis para o resgate socioambiental.

* Rodrigo Noleto, Engenheiro Florestal, trabalha com assessoria de organizações comunitárias há 15 anos. Assessor do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). Foto: Agência Brasil/EBC.

(1) Portaria SEMA/MA n. 123 de 06 de novembro de 2015.

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