adeliaAdélia Oliveira de Farias se diz uma camponesa agrônoma, ou uma agrônoma camponesa. É assentada da reforma agrária, já passou pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), e milita na questão de gênero. Atualmente é uma das representantes da Organização de Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado de São Paulo (OMAQUESP).

 

 Na entrevista, realizada durante o seminário sudeste de agroecologia da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que ocorreu entre os dias 09 e 11 de junho, na Universidade Federal de Viçosa (UFV), ela falou sobre a importância de um projeto inovador que envolve as mulheres e os quintais de suas casas. E também destacou a necessidade de educação para capacitação de lideranças femininas no meio rural.

Como é a questão do conflito de terras na região de vocês?

A OMAQUESP foi fundada há 12 anos. O conflito de terra na nossa região é nas áreas federais, porque acabou a ferrovia e as terras ficaram abandonadas. Os usineiros plantam cana nelas, é um pedacinho de terra de nada mas eles invadiram. As mulheres com sua luta resolveram ocupar essas terras para fazer um trabalho de agroecologia. O fazendeiro não pode pedir uma ação de despejo, e o governo acha que essas áreas têm de ser ocupadas para alguma coisa só que entrou com muita polêmica na questão ambiental falando que poderia ter incêndio. E quando a Polícia Militar foi lá colocou todos como réu do processo, inclusive eu que estava fazendo uma visita. Tem meninos de 16 anos no banco de réu, e a Agata com 2 anos e sete meses. O policial foi colocando as pessoas e perguntou o nome da menina, enquadrou ela como quem diz enquadro qualquer um. É uma coisa inédita no país, ninguém nunca colocou uma criança no banco de réu e agora quem será ousado para tirar? A audiência já foi feita, foi julgada à revelia, porque não foi nenhum oficial da justiça levar intimação a ninguém. E a Agata ficou como se não tivesse ido depor.

Qual a sua avaliação sobre o seminário da ANA no sudeste?

Saio mais iluminada daqui, principalmente com a ideia da “Casa, Terreiro e Quintal”. É o nosso espaço agroecológico que vem de nossas mulheres, nossas avós, que nos ensinaram a criar galinha, trabalhar a horta, o pomar. Falta o recurso hídrico de pôr uma caixa d’água em cima da casa e irrigar todo o espaço, porque é nele que sai a subsistência da família. E envolve até o jardim, o belo, que segura a família no campo. Tem pesquisa feita apontando que a família de agricultores familiares quando planta bastante não abandona o campo, porque os mais velhos e aquelas rosas lembram alguém, aquele pé de acácia ou ipê. Mas agricultura que não é permanente a pessoa vai embora quando sente vontade. E a mulher coloca um espaço estável, se ela se sente rainha deixa ela feliz naquele espaço. Se outras querem deixar de ser rainhas e ser apenas liderança, que sejam também. Temos que dar valor a essa mulher, porque ela trabalha o queijo, o processamento de alimentos,  tudo na cozinha. Então propomos nesse evento uma ideia inovadora de fazer um projeto de fomento às mulheres chamado “Casa, Terreiro e Quintal”, aonde elas ganham dinheiro sem precisar aumentar as suas horas trabalhadas e sem o endividamento. Depois de fazer um bom fomento em volta de casa, convidá-las a trabalhar com os bancos e o sistema financeiro. Não podemos colocar uma dona de casa diretamente no sistema financeiro, é covardia, tem que passar esse processo anterior.

Quantos títulos de terra foram conquistados na região ou estão em processo?

Desde o começo não trabalhamos o título de terra, porque temos companheiras de vários movimentos de luta pela terra. Nos formamos como entidade de gênero, a MAQUESP nasceu para contrapor os que acreditam que mulher agricultora não é feminista ou nunca foi. Eu já passei na luta pela terra, mas sou minoria frente a outras companheiras: fazemos o movimento de mulheres para a mulher comum. É importante fomentar esse movimento porque ele fomenta a luta, nenhum movimento de mulher divide a luta de classes. É o oxigênio que leva a luta de uma mulher que está preparada para o debate. Não dá para ter uma estimativa de áreas ocupadas por mulheres, não tem como fazer luta pela terra só delas.

E no movimento tem quantas mulheres envolvidas?

Não ligamos para o número que faz parte, e sim pelas regiões. Então a gente tem de Ribeirão Preto, Jaboticabal, Araras, é toda aquela região aonde envolve a cana. Priorizamos a educação, estamos no III Projeto de Educação de Eixo. Fizemos o primeiro com 11 salas de aula, e depois com 16. Estamos esperando outro do PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária) com 30 salas de aula. Só que esse é inovador com ênfase em agroecologia, é inovar Paulo Freire porque trabalha temas geradores. Ensinar o letramento da agroecologia, e outro trabalho junto à pedagogia da terra realizada em São Carlos. Quando formamos a entidade não tínhamos nenhuma mulher com estudo universitário, e agora já temos a segunda turma de mulheres pedagogas e também mulheres engenheiras agrônomas. Uma delas sou eu. Quero ser agrônoma educadora, acho que temos de ter na agronomia um olhar em relação à filosofia, sociologia, e os nossos pés como educação. Se der tempo a pesquisa, mas da educação não podemos abrir mão. O agrônomo é da área de humana, não sei em qual período a agronomia fugiu tanto disso. Eu sou uma educadora, mas em primeiro lugar uma mulher camponesa: uma agrônoma camponesa ou uma camponesa agrônoma.

Foto: Mateuzinho Pereira/Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM).