renata rondoniaO Estado de Rondônia é praticamente invisível na mídia nacional. Para entendermos um pouco as características da região, assim como seus avanços e desafios, conversamos com Renata Garcia, comunicadora do Projeto Padre Ezequiel, que desenvolve trabalhos com a agricultura familiar e os povos e comunidades tradicionais da região. Ela estava participando da Oficina Nacional Sobre Avaliação Econômica e Ecológica de Agroecossistemas, realizada pela ANA e AS-PTA entre os dias 26 e 29 de maio de 2015, em Ouricuri (PE).

 

Na entrevista, a jornalista fala sobre os impactos dos grandes empreendimentos no Estado, apresenta a Rede de Agroecologia que está se consolidando localmente, analisa as políticas públicas e a geração de rendas dos pequenos produtores. Garcia também relata a experiência das organizações através da ANA Amazônia, e descreve o que está sendo pensado para a caravana agroecológica prevista ainda neste ano.

Quais são as características e trabalhos desenvolvidos na sua região?

O Estado de Rondônia é hoje tomado pela pecuária. É um dos estados mais desmatados do Brasil, e isso se reflete diretamente na vida do camponês. Tem muitos conflitos por terra, de muitas lutas e conquistas. Temos vários assentamentos, e dentro deles conseguimos desenvolver trabalhos de agroecologia. O projeto Padre Ezequiel, por exemplo, já trabalha nessa linha há 27 anos. Antes outros projetos também atuaram junto, como o Terra Sem Males, que era pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Passaram-se uns anos e o pessoal sentiu a necessidade de trabalhar em rede, então foi criada a Rede de Agroecologia Terra Sem Males.

Essa rede é composta por várias organizações?

Tem o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento dos Atingidos por Barragens MAB), Projeto Padre Ezequiel, Cooperativa de Produtores Rurais Organizados Para Ajuda Mútua (Coocaram),Fetagro, Aefaro- Associação de Escolas Família Agrícola de Rondônia (EFAs), são mais de 20 entidades. Os trabalhos são desenvolvidos principalmente no interior do estado, na região central. Trabalhamos a questão do extrativismo, mas sobretudo as hortas mandala do projeto PAIS (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável).

Tem muita política pública para as populações de Rondônia?

Bastante, inclusive dinamizadas pelo próprio projeto Padre Ezequiel. Atuamos em quatro setores: criança e adolescente, cidadania, agrícola e saúde. A parte de cidadania tem uma formação continuada em políticas públicas para capacitar as lideranças, que é uma parceria do projeto, a Universidade Católica de Brasília e o Instituto Agostinho Castejon de Cuba. Essas lideranças atuam nos conselhos, fóruns e espaços de lutas para tentar levar informação à população em busca de captação de recursos.

O que mais gera renda ao pequeno produtor na região?

Hoje temos 19 feiras agroecológicas no estado. Se não agroecológicas, com espaço só para os produtores agroecológicos. Eles produzem através das hortas, fazem roça, tem também as polpas e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programação Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

O fluxo das águas dos rios determina as dinâmicas territoriais?

Chove muito e a água não é problema, porque a maioria das propriedades tem bom recurso de água. Não é como aqui (sertão pernambucano), essa luta. Eles plantam e trabalham com o calendário biodinâmico.

E a questão dos grandes empreendimentos, como as hidrelétricas Santo Antônio e Jirau?

Isso é uma situação que envolve todos os movimentos, porque as pessoas atingidas ainda estão buscando os recursos. Tiveram de sair das suas terras e casas, e ninguém recebeu indenização ainda. Além desses grandes empreendimentos em Porto Velho, a gente enfrenta a construção das pequenas usinas no interior do Estado. Na região de Alta Floresta, por exemplo, foram construídas seis PCHs (Pequena Central Hidrelétrica). Quando construíram a primeira e a segunda tudo bem, só que com a construção das seis num espaço geográfico pequeno isso mudou completamente. Os agricultores tiveram que vender as terras, os povos indígenas que vivem na beira do rio Branco simplesmente não conseguem trafegar porque o transporte deles é através da água: não tem estrada nas terras deles. Na outra região, onde está começando uma nova fronteira de produção de soja, que é mais para o norte do Estado, em Machadinho D’Oeste, onde há muito conflito e os agricultores sofrem muita ameaça, já teve história de assassinato por causa de terra. E lá também será construída uma PCH, inclusive haverá a 10ª Romaria da Terra e das Águas, que é uma luta também para mostrar isso: os impactos com a presença dos povos indígenas nessa luta. A Pastoral Indigenista, o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e outra organização da pastoral luterana também fazem parte da Rede.

Como é o funcionamento da ANA na Amazônia e em Rondônia?

A ANA é fundamental na história da Rede. O fato de fazermos parte da ANA Amazônia significou demais para o movimento agroecológico no estado de Rondônia. Porque a oportunidade de conviver com outras entidades e discutir o que está acontecendo no Brasil em termos de políticas públicas, nas lutas e embates, fortaleceu muito o movimento. Nossas reuniões são programadas com um ano de antecedência, são quatro ou cinco por ano. É tudo bem organizado, e o pessoal está colocando muita fé nessa participação e forma de organização.