rsz mesa era capaA mesa de abertura do XV Encontro Regional de Agroecologia Nordeste (ERA), realizada na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), campus Bananeiras, na manhã de ontem (30/04), estimulou os mais de 400 estudantes presentes à mobilização social e uma formação acadêmica crítica. Com o tema “A formação sociocultural na transformação política e social na vida do campo”, pesquisadores, estudantes e representantes de movimentos debateram a pesquisa nas universidades e a aproximação dos técnicos com os atores sociais envolvidos.

 

De acordo com a presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Irene Cardoso, é uma emoção grande ver tantos jovens envolvidos numa luta que vem sendo travada há mais de 30 anos pela agroecologia. A professora informou ainda que a ABA foi criada em 2004, formada por profissionais e estudantes, e promove o Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), que neste ano será em Belém (PA). A ABA também organiza o Seminário Nacional de Educação em Agroecologia, cujo segundo evento está em discussão.

Ela defende o engajamento dos estudantes na luta política não só ambiental ou espiritual, mas nas relações com a natureza de forma articulada com os movimentos de agricultores (as). É preciso pensar a agroecologia enquanto movimento, prática e ciência, diz. O conhecimento dos camponeses é extremamente valioso, e sem ele não é possível fazer o manejo agroecológico, acrescentou.

“São eles que têm competência, isso significa que agroecologia também é prática. A revolução verde entrou dizendo que os técnicos e cientistas que tinham conhecimento, mas esse conhecimento dos agricultores é extremamente importante. Isso tem vínculo com a educação popular, baseada no Paulo freire. O movimento e a prática começam como agricultura alternativa, mas com influência da América Latina se torna agroecologia e enquanto ciência vem dos EUA. No Brasil se fortalece com a ABA, o marco referencial da Embrapa em 2006, e a formação de bacharelados, técnicos e núcleos no país”, contextualizou.

A professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV) ainda destacou a importância da apresentação de trabalhos por partes dos estudantes, garantindo o espaço científico no encontro. É preciso, segundo ela, de uma boa técnica para contextualizar as respostas e saber interpretá-las, além de saber estruturar o trabalho e direcioná-lo de forma coletiva.

rsz mesa longe“Metodologias com processos criativos e coletivos para o desafio da produção e da luta política. Primeiro mobilizar, depois pensar a relação natureza e cultura locais, e com as perguntas e respostas vão surgindo pesquisas. Também muito importante a sistematização da experiência, uma tarefa que a universidade precisa assumir junto às ONGs e agricultores. O olhar investigativo deve estar em todos os lugares, precisamos ousar e ser criativos”, explicou.

O semiárido é marcado pelo histórico da seca, que é um fenômeno de todos os semiáridos do mundo, mas a mídia e o governo sempre criaram uma imagem de região sofrida, miséria e pobreza. Para explicar o histórico de lutas no Estado, Marcelo Galassi, coordenador da AS-PTA, falou sobre o desenvolvimento de métodos de convivência por parte da população nativa com o semiárido.

“Essa história do semiárido vem com a privação de direitos de sua população, um modelo de desenvolvimento pautado em grandes projetos de irrigação pouco pensando na forma de vida e convivência que aquelas populações tinham há milênios. Em 1906 já teve o Açude no Ceará com 120 milhões de m³, e muitos outros depois. Essa era a solução dos governos, o combate à seca, com a retirada da mata e animais nativos adaptados. Um modelo de desenvolvimento que olha o semiárido a partir das suas limitações e não potencialidades”, disse.

É neste contexto que a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) começa a pautar as soluções dos moradores, que sofriam muito pelas questões estruturais, como concentração de terra. A agroecologia entra como base científica em parceria com a caatinga, diz Marcelo. Hoje diversas políticas públicas atendem a região levando em consideração as práticas de suas populações: são 800 mil cisternas favorecendo 4 milhões de pessoas.

“A agricultura familiar foi marcada pelas suas relações de dependência e subordinação. Mas os movimentos sempre lutaram por seus direitos, como as ligas camponesas na década de 60 e depois os sindicatos. Na seca de 1993 houve a ocupação da SUDENE, que foi um marco. Nesse processo de inovação que as famílias começaram a estocar seus recursos, e a partir de um agricultor construindo piscinas em SP bolou uma tecnologia da cisterna de placa. Essa tecnologia social está em todo semiárido. A ASA conseguiu colocar esse modelo num evento da ONU, e a partir de 2001 o governo começou a dar apoio”, contou.

Para falar sobre a luta da agricultura familiar na América Latina, o colombiano Pedro Guzman, da Coalização dos Povos pela Soberania Alimentar (PCFS), criticou a falta de participação das populações tradicionais e camponesas nas mesas de decisões internacionais entre os países. Sua organização foi criada em 2003, em Bangladesh, e a partir de 2013 começou a atuar na região em 12 países na defesa da soberania alimentar após um acordo no Chile.

rsz mesa era longe“Estamos acostumados às lutas tradicionais pela terra, recursos naturais, sementes, contra agroquímicos, mas outras estão ocorrendo no longo prazo. Está relacionado ao crescimento da globalização com grandes empresas, cada vez mais terras sendo compradas para exportar commodities e extrair recursos naturais. Os países se comprometeram na ONU com 8 objetivos do milênio, e estão planejando os próximos sem atendê-los. Os governos e as corporações dominam a política global contra suas populações com falsas soluções”, alertou.

Na América Latina está em discussão que as corporações não podem decidir seus futuros, daí a necessidade de organização para pressionar os governos e empresas. “Em 2015 haverá um encontro da ONU sobre as mudanças climáticas, mas EUA, Canadá e outros países estão contra a diminuição das emissões de carbono. Sabem que com isso suas companhias perdem. Na ONU dizem que os governos vão trabalhar até 2030, mas não há nada sobre agroecologia. Os discursos discutidos há mais de 50 anos pelos povos não são considerados.”, criticou.

Representando as camponesas da região, Roselita Vítor, líder do Polo Sindical da Borborema, ressaltou a importância da organização dos agricultores com os sindicatos, ONGs e universidades. A mobilização com um papel mais pró ativo dos atores sociais, segundo ela, é o que faz mover as práticas políticas na direção de um novo modelo de desenvolvimento.

“Percebemos a sabedoria dos agricultores (as), eles que sempre experimentaram, trocaram experiências, mas a extensão técnica pública tirou esse direito de criar e reinventar seu território. Hoje o Polo Sindical atua em 14 municípios construindo uma política inovadora com os agricultores como protagonistas. No começo visitamos a Nicarágua e nos trouxe muitas reflexões para o sindicalismo: capacitar os agricultores para falar sobre suas experiências. Capacitar suas organizações como instrumento político de transformação”, disse.

A agricultora critica as políticas públicas pensadas de cima para baixo, muitas vezes com pacotes distantes da realidade local, e defende a assistência técnica compartilhada de forma complementar a sabedoria dos nativos. Bancos de sementes, grupos de mulheres e discussão de conhecimentos tracionais são alguns dos temas abordados pelo Polo Sindical.

“Graças à mobilização tiramos a Souza Cruz do nosso território, não aceitamos nenhuma das suas propostas de ajuda. Temos brigado com o governo do estado também, precisamos trazer parceiros da pesquisa para o enfrentamento. Nossa base disse que não queria veneno, e sim outra forma de desenvolvimento para nossas famílias. Se não temos essas organizações e percebemos nossos papeis, não conseguimos fazer essa disputa. Colocamos 5 mil mulheres em marcha em defesa da vida e da agroecologia. Precisamos fortalecer o papel delas, que sempre foram invisíveis na construção da agricultura”, concluiu.