Impactos e limites da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) foi o tema do seminário regional da região sul promovido pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). A atividade ocorreu durante o IX Encontro Ampliado da Rede Ecovida (EARE), realizado entre os dias 20 e 22 de abril, em Marechal Cândido Rondon, no Paraná. Cerca de 150 pessoas debateram formas de fortalecer as redes da região integrando o campo e a cidade na perspectiva do abastecimento de alimentos nos estados.
A PNAPO foi instituída via decreto pela presidenta Dilma Rousseff no dia 20 de agosto de 2012, dando origem no ano seguinte ao Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) que determina metas, objetivos, prazos e recursos para execução. A Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), composta por 28 membros divididos entre sociedade civil e governo, é responsável pela construção e monitoramento das suas ações. Existe ainda a Comissão Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (CIAPO), que também acompanha esse processo. No momento está sendo discutido o II Planapo, que será executado entre 2016 e 2019 – período de vigência do próximo Plano Plurianual (PPA).
De acordo com Elson Borges, mais conhecido por Zumbi, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Planapo é uma coisa grandiosa que custou anos de lutas para ser conquistada, mas também não é o grande plano sonhado pelo campo agroecológico. Para ele, nasceu porque é uma demanda da sociedade: basta ver que a busca por alimentos saudáveis cresceu muito nesses 30 anos e está sendo uma tendência. A principal vitória, segundo ele, é que o Plano e a Política integram pela primeira vez várias iniciativas e ministérios em busca do fortalecimento da agricultura familiar.
“Ocorreu um embate, inclusive dentro do governo, para estruturar essa política. Tivemos vitórias e derrotas, queríamos uma política de agricultura de base ecológica para todos os brasileiros. Queríamos a garantia ao acesso a terra, reforma agrária, e não passou. Também o acesso universal à água como direito humano. Propomos que a política e o plano tivessem um fundo específico para suas ações. A última derrota foi imaginarmos que tivesse um sistema com consultas municipais, estaduais e nacionais, e acabou sendo uma comissão nacional com o governo e a sociedade civil. Por outro lado, uma vitória importante e bonita, que vai nos dar muito trabalho, chama-se PRONARA (Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos). É decisivo para a sociedade”, disse.
Desde 2012 os movimentos que integram a ANA têm se reunido em todas as regiões do país, assim como os grupos que constituem as CPORGs (Comissões de Produção Orgânica), para contribuir nessa construção. Segundo Laercio Meirelles, da coordenação da Rede Ecovida, a visão da sociedade civil era que a agroecologia não podia ser um política de nicho para poucos produzirem, mas o governo afirmava que não tinha condições políticas ou recursos para incluir todas as reivindicações dos movimentos. Ele explicou que o Planapo tem o prazo de dois anos e, ainda que de forma insuficiente, bastantes iniciativas foram executadas dentro do que seria na íntegra.
“O governo fez um balanço do primeiro ano. Não conseguimos fazer um monitoramento da sociedade civil, porque exige uma dinâmica e recurso que não temos, e o que a CIAPO apresenta para nós é meio ufanista. O Planapo é um esforço de agregar várias políticas que já estavam em andamento, e somam-se algumas poucas novas como um ganho real dessa articulação. O Ecoforte é uma vitória nova, fruto dessa moibilização, com R$ 46 milhões e prevê R$ 175 até dezembro, por exemplo. Estamos lutando para o plano ser executado na sua íntegra, conversamos com a secretaria da Presidência e a Fundação Banco do Brasil e eles têm mantido a informação de que será executado”, informou.
Meirelles também falou sobre o PRONARA, observando que apesar das ações tímidas em relação ao que os movimentos pleiteiam historicamente será um avanço se for executado. Esse tema, segundo ele, é tratado como se fosse uma coisa delicada dentro do governo e as organizações estão pressionando para entrar em vigor. Na América Latina não há política com ações e recursos nessa área, e o Planapo pode dar força aos gestores que são identificados por essa pauta dentro do governo, acrescentou.
Participação do auditório
Algumas críticas foram apontadas pelos agricultores e representantes de organizações. Em relação ao crédito, por exemplo, Natal Magnanti, do Centro Vianei de Educação Popular, disse que as regras atuais não são atrativas para quem faz agroecologia e produção orgânica porque não têm nenhuma diferença quanto ao prazo, volume de recursos e taxas de juros anteriores ao Plano. Já a produtora Diva Deitos, diretora da Associação dos Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense (APACO), avalia que o Plano não mudou nada: em termos de recurso, quem está na ponta continua sem acessar. “Está divulgando mais a palavra agroecologia, mas nós que estamos na ponta temos programas de agroecologia parados por causa de recursos. Esperávamos melhorarias na assistência técnica, e temos mais siglas para confundir nossas cabeças. Ficou muita burocracia e papelada”, criticou.
Ela não foi a única a reclamar das nomenclaturas e do excesso de burocracia. Aloisio, do Centro de Educação Popular, na Paraíba, disse que embora sua organização tenha ousado em encarar essas dificuldades teve de abandonar o projeto no meio por falta de orientação na prestação de contas. “Nenhum técnico nos dava resposta, ficava aquilo a ponto de devolvermos o recurso. A Caixa Econômica era responsável pelo recebimento e parecia que nem sabia o que se tratava. Até que ponto estamos recebendo assessoria técnica para avançarmos nas nossas alternativas e minimizar essas questões?”, questionou.
Políticas de Abastecimento
Muitas dificuldades foram identificadas, mas o objetivo do seminário era sistematizar algumas alternativas para reivindicá-las no II Planapo. De acordo com Alvir Longhi, do Centro de Tecnologias Alternativas e Populares (Cetap), uma das organizações do sul selecionadas no Edital Ecoforte, nos últimos 30 anos ocorreram muitos avanços na região em relação aos processos organizativos de cooperativas, associações, núcleos, etc. Mas é preciso avançar no que ele chama de intercooperação, de modo a fortalecer os meios institucionais coletivos: CNPJs da agroecologia, marcas comuns, agroindústrias coletivas, etc. Nesse sentido, deu o exemplo da cadeia solidária das frutas nativas no Rio Grande do Sul, que envolve produtores com sistemas agroflorestais processados em agroindústrias regionais e vendidos pela economia solidária.
“Ainda não sabemos a estratégia, mas estamos identificando essa necessidade. Redes de abastecimentos com os grupos se ajudando nas diferentes etapas do processo. Para reconstrução dessas dinâmicas de abastecimento é fundamental a construção disso associado com atores urbanos: economia solidária, pequenos mercados, etc. Entender que a reconstrução de um novo sistema de base agroecológica e solidária é na relação do campo com a cidade, com o mesmo entendimento e estratégias comuns. Precisamos pensar as propostas, construir as interpelações de interdependência desses atores, trocar experiências”, afirmou.
A agroecologia tem construído na região uma estrutura de sustentabilidade que vem fortalecendo elos que horizontalizam as relações sociais nos processos de redes, afirmou Rogério Dallo, do Fórum Brasileiro de Economia Solidária do Rio Grande do Sul. Foi criada uma estratégia de economias solidárias na região, distribuídas em cinco setores, dentre eles o artesanato, frutas nativas e a reciclagem, para trabalhar as políticas públicas, explicou.
“A lógica de produção por cadeia produtiva pode ser um erro ao setorializar os segmentos, se não fosse esse trabalho em rede a maioria dos atores estaria fora do debate. Como queremos que os outros consumam nosso produto, a solução parte do nosso exemplo e experiência. A interconexão que precisa acontecer dentro disso, essa cumplicidade entre projetos é fundamental para não disputarmos mercados”, disse Dallo.
Os participantes foram divididos em grupos de três pessoas e orientados a responder em uma frase a prioridade para o fortalecimento do abastecimento de alimentos na região. Veja alguma das propostas: Potencializar espaços de comercialização e certificação, reduzir os circuitos com os consumidores, vender alimentação saudável para as refeições das empresas, organizar lideranças de bairros, mutirão de plantios e colheitas para aproximar os produtores dos consumidores, comunicação entre o campo e a cidade, massificar a divulgação da agroecologia, eventos gastronômicos de diálogo, etc.